A menos de uma semana das eleições legislativas, tem início a vigência de um conjunto de normas importantes constantes da nova Lei de Bases da Habitação (LBH), aprovada no início de Julho deste ano, na Assembleia da República.
A habitação, direito constante da Constituição da República Portuguesa, encontra-se hoje ainda distante de ser assegurada à generalidade da população portuguesa e por isso depositam-se esperanças na nova LBH.
Os últimos anos ficaram marcados pela forte especulação imobiliária e financeira, a qual, sendo fonte de lucros e rendimentos, trouxe à prática preços elevados e inacessíveis à população trabalhadora, quer para compra quer para arrendamento.
Para isso também contribuiu, no plano do arrendamento, a mal afamada «Lei dos Despejos» de Assunção Cristas, aprovada pelo anterior governo do PSD e do CDS-PP (a qual tão-pouco veio a ser revogada pelo actual Governo do PS), que levou ao despejo de milhares de famílias e a um grande aumento das rendas para tantas outras.
A situação de crise, combinada com factores de degradação das condições de vida e de trabalho, gerou o afastamento de milhares de trabalhadores e estudantes da proximimidade do seu local de trabalho ou de estudo.
Importantes conquistas da nova Lei de Bases da Habitação
Entre diversos objectivos na área da habitação, estabelecem-se como metas o combate ao despovamento e a todos os tipos de discriminação no acesso a uma casa.
A lei prevê a protecção daqueles que se encontrem mais desprotegidos, através da «atribuição de subsídios de habitação dirigidos às camadas populacionais que não consigam aceder ao mercado privado da habitação», nomeadamente jovens, famílias monoparentais ou numerosas ou pessoas em situação de vulnerabilidade. Será ainda criada a Estratégia Nacional de Apoio às Pessoas em Situação de Sem Abrigo, em articulação com o poder local.
Cria-se o Programa Nacional de Habitação (PNH), o qual deve identificar as «carências habitacionais, quantitativas e qualitativas, bem como informação sobre o mercado habitacional, nomeadamente eventuais falhas ou disfunções. O levantamento dos recursos habitacionais disponíveis, públicos e privados, e o seu estado de conservação e utilização». Anualmente, deverá ser elaborado um relatório no qual se concluirá o ponto de situação face às metas estabelecidas no PNH.
Os municípios são chamados a intervir através dos deveres de «construir, reabilitar, arrendar ou adquirir habitações economicamente acessíveis e promover a construção ou a reabilitação de habitações a custos controlados». Ao poder local caberá ainda redigir uma Carta Municipal de Habitação com «o diagnóstico das carências de habitação na área do município».
No plano do arrendamento, a LBH consagra a proibição do assédio dos inquilinos. E reforça a protecção dos cidadãos em caso de despejo, sendo ilegal fazer despejos durante a noite e promover despejos a famílias vulneráveis sem que o Estado garanta «previamente soluções de realojamento».
O Estado deverá promover ainda um mercado público de arrendamento e incentivar o mercado de arrendamento de iniciativa social e cooperativa. O arrendamento sem termo ou de longa duração deverá receber discriminações positivas.
Sobre edifícios devolutos, estabelece-se que «o Estado promove o uso efectivo de habitações devolutas de propriedade pública e incentiva o uso efectivo de habitações devolutas de propriedade privada», em particular em «zonas de maior pressão urbanística». No caso dos edifícios privados, a lei manda que «a habitação que se encontre, injustificada e continuadamente, durante o prazo definido na lei, sem uso habitacional efectivo, por motivo imputável ao proprietário, é considerada devoluta», ficando os proprietários sujeitos a sanções.
Assim, o cumprimento da nova LBH, que entra hoje em vigor, está nas mãos do poder político, em particular dos próximos governos, para que a curto prazo, o direito à habitação venha a ser um pleno.
E o que propõem os partidos para a próxima legislatura?
Os programas eleitorais são marcadamente extensos sobre esta matéria. No caso do PS, a principal proposta é a de «erradicar todas as carências habitacionais até ao 50.º aniversário do 25 de Abril, em 2024». Em matéria de arrendamento, o partido propõem-se «criar um parque habitacional público de habitação a custos acessíveis» e «incentivar a oferta privada de arrendamento a custos acessíveis» com «habitação a custos controlados, que dá acesso a uma taxa de IVA reduzida para a promoção habitacional» e «reforçar o Porta 65 Jovem». Todavia, nada refere sobre a «Lei dos Despejos», a qual ainda assola a vida de muitas famílias. Das inúmeras medidas do seu programa, retira-se que o PS quer uma política de habitação para as camadas da população mais fragilizadas, mas não promove uma visão estratégica e nacional para o sector.
O PSD assume como proposta a garantia de habitação pública «nas zonas sujeitas a pressão imobiliária», mas tão-só para dar resposta à habitação social, à habitação acessível para a classe média e a residências universitárias. Não obstante, enquanto foi governo, o PSD ter desinvestido brutalmente nos transportes públicos, vem agora propor investir nestes para promover o «interesse do mercado» em territórios que hoje não têm «centralidade». Tendo os sociais-democratas protagonizado a aprovação da «Lei dos Despejos», vêm no seu programa propor a «regulação do mercado», o qual deve «ser livre, mas monitorizado de perto pelo Estado» e acrescenta que devem existir «formas de controlar a cartelização do mercado» e limites ao alojamento local. Propõem ainda a «criação de um seguro de renda», garantindo por esta via uma renda às seguradoras à conta de pessoas que vivam em situações economicamente frágeis. Os sociais-democratas querem a manutenção dos vistos gold, ainda que com limitações, e defendem que, caso as autarquias tomem posse administrativa de espaços devolutos, devem fazê-lo «a valores de mercado».
O CDS-PP quer uma «fiscalidade amiga do arrendamento», leia-se, dos proprietários, propondo uma «redução da taxa de IRS aplicada ao arrendamento tradicional para 23%» e a isenção do imposto de selo. O partido mantém a intenção de «flexibilizar a oferta habitacional», «tendo em conta a realidade do mercado de cada concelho». E pretende colocar no mercado o «património imobiliário do Estado» para arrendamento, para venda e para um mecanismo de «rendas resolúveis», segundo o qual «o inquilino é em simultâneo potencial proprietário, uma vez que o valor da renda no total do contrato equivale à aquisição do imóvel». Não referindo nada sobre a sua parternidade da «Lei dos Despejos», assume querer «incrementar os programas sociais de renda apoiada», o qual é visto pelos centristas como um negócio que exige a «implementação de um novo modelo de negócio» que garanta «a moderação no valor das rendas».
O partido de Assunção Cristas quer ainda que quem pagou toda a vida a sua casa a possa vender como solução para os seus problemas económicos: «em breve, os novos seniores que chegarão à reforma serão detentores de um património imobiliário (a sua casa). Porém, a sua reforma será magra e a poupança de uma vida foi investida nesse mesmo património imobiliário. A solução é muitas vezes escolher entre viver com dificuldade, mantendo a casa; ou vender a casa e ter algum ganho financeiro. Iremos assim promover o necessário enquadramento para facilitar a criação de fundos de antecipada compra de imóveis com direito de usufruto dos actuais proprietários.»
Já o BE avança com duas grandes medidas no seu programa para a habitação, a criação de 150 mil novos fogos de habitação pública e de 100 mil casas para arrendar entre 150 e 500 euros. Os bloquistas defendem a aplicação imediata da LBH e a criação de um Serviço Nacional de Habitação. Defendem ainda que sejam criados «estímulos adicionais à colocação dos alojamentos existentes no mercado de arrendamento a preços acessíveis» e a penalização de quem mantiver alojamentos em situação devoluta «por motivos especulativos», assim como limitações ao alojamento local e a eliminação dos «resquícios da Lei Cristas do Arrendamento».
No quadro da CDU, o PCP e «Os Verdes» coindicem em diversas medidas. Para o PCP, o combate à pobreza passa pela garantia «do direito a uma habitação condigna». Assim, os comunistas entendem ser necessário «dotar a Administração Central dos instrumentos e meios» para «políticas de habitação de âmbito e responsabilidade nacional». Tal deve ser feito a par da mobilização de habitação pública para programas de renda apoiada ou de renda condicionada», com combate à especulação e recuperando prédios devolutos.
Por outro lado, o PCP pretende «apoiar o movimento cooperativo e de organizações de moradores, na reabilitação urbana, autoconstrução e auto-reabilitação». Quanto ao arrendamento, propõe-se a criação de um «novo regime de arrendamento urbano que elimine a agilização dos despejos, designadamente com a revogação do "balcão dos despejos", e fixe um período mínimo de dez anos para novos contratos de arrendamento». Os comunistas querem que seja o rendimento líquido e não o bruto que determine a fixação do valor da renda social apoiada e que sejam proibidas as penhoras e execuções de hipoteca «sobre a habitação para pagamento de dívidas irrisórias ou em condições de favor à banca».
O programa do PAN pretende estimular o mercado de arrendamento pela via do apoio aos proprietários, propondo a «criação do incentivo para contratos de longa duração», através da «descida da taxa liberatória sobre estes rendimentos para 20%» e a criação de «um Fundo de Compensação aos Proprietários cujos imóveis ou fracções habitacionais permaneçam com contratos de arrendamento claramente prejudiciais em termos financeiros». E, pese embora o partido mostrar preocupação com o «impacto causado nas áreas urbanas pelas unidades hoteleiras na diminuição da oferta de habitação» e propor o fim dos vistos gold, não defende a revogação da «Lei dos Despejos», mas, sim, a reforma do «regime jurídico do arrendamento urbano, após ampla consulta pública». Sobre a responsabilidade estatal em matéria habitacional, o PAN entende que deve passar por «preços acessíveis (renda condicionada) em territórios do Interior do país» e pelo reforço do «investimento na construção de habitação pública para arrendamento acessível». O partido refere ser necessário planear a «habitação a nível nacional, regional e local» e mitigar «o grave problema de situações habitacionais sem dignidade», e aponta diversas propostas para a protecção das pessoas «mais vulneráveis».
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