Para quê gastar cera com ruins defuntos? Não há volta a dar: eles não gostam do 25 de Abril, e pronto. Eles não gostam, coerentemente, das comemorações do 25 de Abril. Pode parecer que só agora perante a pandemia descobriram que Abril não se devia comemorar. Mas não.
Há muito que, não podendo impedir a invocação do 25 Abril, se atiravam às cerimónias, oficiais e não oficiais. Às da Assembleia da República, às da Avenida da Liberdade, às de todas as ruas e praças do País.
Depois de 1974, nunca mais precisaram de fazer de conta. Não gostam de rituais (os ritualistas), preocupam-se com a criatividade das comemorações das datas históricas do País. Tanto, que, aproveitando a presença da troika estrangeira, os patrioteiros liquidaram duas: o 5 de Outubro e o 1.º de Dezembro, não por acaso, as datas da implantação da República e da Restauração da Independência.
E o 25 de Abril foi por um triz... mas temeram a continuidade das comemorações mesmo sem feriado, como sucedeu com o 1.º de Maio durante o fascismo.
Não gostam dos cravos, das palavras de ordem, da música e da poesia na rua. Não gostam de ver portugueses em festa com a festa do país de Abril. Não, não gostam. Não gostam de Abril nem das suas obras. Do SNS. Da Escola Pública. Da Constituição da República. Dos sindicatos e do que ainda resta dos direitos dos trabalhadores. Do direito a manifestar alegria, júbilo, vontade de lutar e resistir por Abril. Não, não gostam. Faz-lhes comichão.
Do que eles gostavam mesmo, era que se fizesse, o que o inominável Milhazes propôs, comemorar Abril em Novembro! O vírus foi uma oportunidade de oiro. Não sabendo o que dizer – não ia dizer bem do SNS! – o CDS descobriu a pólvora: que tal comemorar o 25, não comemorando!?
A partir daí, foi sempre a facturar, saiu-lhe o euromilhões. E valeu tudo. A pena que eles tiveram dos portugueses confinados em casa sem poderem comemorar! Enquanto aqueles políticos se regalavam, nas cadeiras de São Bento.
«Não sabendo o que dizer – não ia dizer bem do SNS! – o CDS descobriu a pólvora: que tal comemorar o 25, não comemorando!?»
E o chorrilho foi por aí fora. Não houve cão nem gato que ficasse calado: «Deus não é feirão mas ajunta o gado.» Não é possível uma resenha integral. Mas é pena. Fiquemos por algumas amostras. Os das fórmulas mirabolantes, mas criativas: não convidar para a cerimónia os «septuagenários ou octagenários, como Ramalho Eanes» ou «convidar para as galerias sobreviventes da Covid-19» ou, como sugeriu Manuel Ferreira Leite, Marcelo a falar para um plenário vazio!
Certamente bons exemplos, para quem queria «um formato extraordinário, para um tempo extraordinário que pudesse resultar num simbolismo acrescido, precisamente porque inédito». (Uma pérola).
Deixemos de lado o anticomunismo atroz e bacoco de Camilo Lourenço. Também, dos que antes de ouvir já sabiam dos «discursos ocos e arrebatados de antifascismo arrogante e serôdio». Ou de quem, a meio pau, queria «25 de abril sim, 1.º de Maio, não.» Os das contraposições estúpidas.
Mas a «festa dos políticos» (…) acabou por ser isso mesmo, um encontro de políticos. O «verdadeiro» 25 de Abril foi vivido nas varandas, com a entoação de «Grândola».
Ou os das conclusões inteligentes: «Parece ter ficado claro que uma cerimónia simbólica (este esqueceu-se de dar a táctica!) teria sido mais útil aos esforços de convencer os portugueses a fazerem sacrifícios e a não saírem de casa.»
Notáveis os escritos do historiador (?) Rui Ramos, patrão do Observador. De forma delirante, considerou, «não se trata de comemorar o 25 de Abril. Trata-se (malandros) de arranjar mais um pretexto para provar que os que não estão com a esquerda não estão com o 25 de Abril e, portanto, não estão com a democracia».
Mas ainda mais extraordinário «o 25 de Abril não foi da esquerda»! Foi do CDS e do PSD, pois «Freitas do Amaral elaborou com Amaro da Costa, o programa do Governo provisório; e Sá Carneiro tornou-se o braço direito do primeiro-ministro Palma Carlos»!!!
E quando se pensava que não era possível ir mais longe, eis que Rui Ramos, noutro escrito da mesma data, explode: «As eleições de 25 de Abril de 1975 criaram uma legitimidade eleitoral que acabou por corroer a legitimidade revolucionária e o socialismo receitado pela Constituição.» Não se percebe bem (mas não deve ser para perceber): se o socialismo foi corroído, como é que a Constituição aprovada em Abril de 1976 receitava o socialismo? Dá Honoris Causa, pelo menos!
Notáveis as catilinárias a gregos e a troianos de António Barreto, profeta do latifúndio. Esbracejando à esquerda e à direita, dá um nó cego e cai espavorido nos braços da direita, onde há muitas décadas ronrona. Todos sabemos que não é de esquerda nem de direita, antes pelo contrário.
«(...) insulta todos quantos, em tempos sombrios, se sujeitaram às cargas policiais e à marcação dos esbirros da PIDE, para afirmar o direito à manifestação, saudando nas comemorações da República a liberdade e a democracia, recusando a ditadura e o fascismo.»
Rigorosamente a meio, porque dele é o reino dos céus, inefável pensamento, impoluta voz, fio de prumo da ética política, faz de conta que malhando assim, ninguém sabe de que cor se pinta o bicho reaccionário e anticomunista em que se transformou.
Ninguém enxerga o vesgo e brutal ódio com que olha para a história de Abril. Poderá dizer as maiores monstruosidades do mundo que haverá sempre uma bonifácio a apajar o seu «génio».
As da sua crónica sobre a polémica são uma gota no seu oceano de mostrengos. Manholas, simula bater em toda a gente, para ocultar o ataque concentrado nas comemorações de Abril. Não apenas nas do ano do coronavírus. Mas a todas, de todos, quantos anos leva Abril.
Arrepia-se com «este absurdo que é o de ver todos os órgãos do Estado, os seus partidos e as suas instituições comemorarem, em romagem de saudade ou romaria festiva, a revolução de 25 de Abril!». Faz comparações: «A lembrar os anciãos do 5 de Outubro ou os decrépitos do 28 de Maio!». Vitupera: «Verdade é que a tolice e a inutilidade destas celebrações só são comparáveis à histeria daqueles que as atacam.»
Ridiculariza: «As comemorações em miniatura e com cenografia de afastamento social são tão ridículas que não deveriam despertar mais que desdém e piedade». Não resiste: «É espectáculo inesperado ver socialistas e comunistas, verdadeiros bolchevistas, reclamar o direito de levar a cabo a liturgia democrática e o dever da República de realizar as comemorações celebrativas, (...).»
Calunia: «As comemorações do 25 de Abril são obsoletas. Mas são inocentes e não prejudicam ninguém, a não ser a democracia.» Mente e insulta: «Realizar as comemorações do 25 de Abril em quarentena, depois de proibir funerais e baptizados, aulas e cinemas, missas e jantares, concertos e velórios, é simplesmente ridículo, revela políticos inseguros, pobres diabos novos ricos da política (...).»
Atreve-se mesmo a «recordar antigos revolucionários que, em seu tempo, consideravam os republicanos das romagens do 5 de Outubro uns patetas impotentes que pouco mais valiam do que discursos vácuos e ramos de flores nos cemitérios...Vê-los hoje a exigir celebração dá vontade de sorrir...».
Mais depressa se apanha um mentiroso... porque o sociólogo está a ver-se ao espelho, «radical pequeno-burguês de fachada socialista», dos que assim olhavam para essas lutas.
De facto, insulta todos quantos, em tempos sombrios, se sujeitaram às cargas policiais e à marcação dos esbirros da PIDE, para afirmar o direito à manifestação, saudando nas comemorações da República a liberdade e a democracia, recusando a ditadura e o fascismo. E a olhar para Abril. Que chegou, tarde, mas chegou.
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