|Centenário do PCP

O partido com mais futuro que história

O PCP é o primeiro partido em Portugal a completar 100 anos, quase metade dos quais em resistência ao fascismo. O AbrilAbril falou com alguns dos militantes que participaram nas celebrações por todo o País.

Avenida dos Aliados, 4 de Março de 2021
Créditos / Twitter

A adaptação é uma característica fundamental do PCP e explica a sua longevidade, pelo que não poderia deixar de celebrar esta data dando visibilidade ao seu projecto de futuro, apesar da pandemia.

Ao longo dos dias que antecederam o 6 de Março, dia em que o partido celebra o seu centenário, foram mais de 100 as acções que assinalaram o aniversário, um pouco por todo o País.

Encontrámos Diogo Silva, jovem arquitecto que trabalha no Porto, numa dessas iniciativas, em frente à Casa da Música, onde o centenário do partido se misturava com as reivindicações do fim da precariedade no sector.

«Enquanto partido que se assume como vanguarda dos trabalhadores, não nos interessa comemorar o centenário numa perspectiva meramente evocativa ou como uma simples celebração de longevidade»

diogo silva

Com dez anos de militância, Diogo lembra a decisão de se inscrever como o culminar de vários meses em que a discussão com colegas comunistas na Universidade de Arquitectura do Porto o levou a desconstruir preconceitos e a perceber a proposta que o PCP tinha para o País. A partir desse momento a sua vida «mudou radicalmente». 

A perspectiva com que olha o que o rodeia passou a ser enriquecida pela «discussão colectiva», ganhando um espaço onde, para além dos problemas estudantis, discutia as grandes questões geopolíticas. E passou a fazê-lo em várias esferas, quer com outros estudantes, quer com camaradas operários, com quem aprendeu a questionar o sistema de ensino, o acesso e fruição da cultura e até a própria cidade.

A acção em que participa, esta sexta-feira, trouxe dúvidas relativamente à forma, dadas as condições sanitárias que o País atravessa. Mas acabou por ser assim para congregar a reivindicação mais transversal dos trabalhadores intelectuais: a precariedade laboral. «A Casa da Música surgiu como ponto central, tendo em conta os recentes acontecimentos de precarização e abuso de direitos laborais de muitos trabalhadores que há 15 anos nunca viram um contrato», disse o jovem arquitecto comunista.

A ideia de afirmar a luta pela Cultura, entendida não só numa perspectiva artística mas como algo que emana da própria vida do povo, numa iniciativa de comemoração do centenário do PCP, não parece estranha a este militante. «Enquanto partido que se assume como vanguarda dos trabalhadores, não nos interessa comemorar o centenário numa perspectiva meramente evocativa ou como uma simples celebração de longevidade, nem que se restrinja a exaltar o passado de glória que temos», explicou. «Interessa-nos essencialmente fazê-lo com uma perspectiva de futuro», pelo que era «essencial», num contexto como o que vivemos, denunciar os «ataques brutais e dificuldades que se colocam a cada vez mais gente».

Em Coimbra, uma jovem estudante universitária participa na colocação de faixas alusivas à efeméride na Ponte Santa Clara. Matilde Ferreira, natural de Lisboa, lembra que, quando estudava na Escola Secundária Dona Luísa de Gusmão, viam-se à porta da escola «malta a vender cartões de telemóvel» ou então militantes da JCP «a querer conhecer os problemas dos estudantes». 

Sempre participou na construção da Festa do Avante!, mas foi na escola que decidiu juntar-se à Juventude Comunista Portuguesa para, de forma organizada, lutar por uma solução para os problemas dos estudantes. Não foi «tudo de uma vez» mas, à medida que ia participando noutras iniciativas da JCP e do partido, foi conhecendo outros contextos e percebendo a profundidade das contradições do sistema.

Já em Coimbra e a viver numa República, Matilde fala-nos do que tem sido manter a actividade em tempos de pandemia. Mas, como não podem baixar os braços enquanto houver problemas, os estudantes comunistas organizaram um protesto por mais financiamento dos serviços da acção social da Universidade de Coimbra, que reuniu cerca de cem estudantes. «O problema era sentido por muita gente, a começar pelos residentes das Repúblicas, mas é preciso que alguém o identifique e que todos se mobilizem em torno da denúncia», disse, acrescentando que esse é o papel «decisivo» que os comunistas assumem nas escolas.

A força de se estar em colectivo

Em Beja, abordámos Fátima Estanque, psicóloga numa IPSS em teletrabalho, que é militante há dez dos seus 45 anos e que conjuga, não sem dificuldade, o facto de estar em casa com uma criança com a participação em iniciativas do partido. O contacto com o PCP deu-se cedo, uma vez que acompanhava o pai a algumas iniciativas no centro de trabalho local. Mas, foi na adolescência, através de amigos, que consolidou ideias e passou a participar «por opção própria».

«Estar no Partido não estava desligado da importância que o convívio tem naquela idade, mas a aproximação entre as pessoas faz-se de forma diferente porque partilhamos as mesmas ideias», explicou. No entanto, não considera que a militância tenha implicado uma grande mudança na vida pessoal porque, como a relação com o PCP existia antes de se inscrever, já tinha uma «forma activa de estar na vida». Ligada ao associativismo, a preocupação com os problemas sociais e a participação cívica eram uma realidade na sua vida.

Mas «a diferença maior» está no facto de a actividade ser organizada, ser colectiva, e por isso ter consequências mais efectivas «na defesa das liberdades e das conquistas de Abril que ainda estão longe de ser concretizadas na sua plenitude».

António Morais não tem dúvidas da importância política de se manter a ocupação do espaço público através de acções de rua, com o estrito cumprimento das exigências sanitárias. Nasceu em Bragança, há 72 anos, mas foi muito longe de casa que se aproximou do PCP. No exílio nos anos 70 em França, fez os primeiros contactos com o partido na emigração, e só se inscreveu depois de voltar a Portugal, em 1975.

Ao contrário do que possa parecer, o contacto com o PCP em França não era fácil, mesmo havendo ali liberdade de expressão. «O partido tinha a maior das cautelas, a PIDE tinha alguma liberdade de movimentos junto das comunidades portuguesas e o governo francês tinha ligações com o governo português», explicou. Por isso, apesar de se perceber, através de contactos pessoais, que se tratava do PCP, não era «às claras» que se fazia trabalho político.

«O quotidiano de um comunista, esteja onde estiver, deve ser pautado pelo envolvimento na sociedade e pela organização das pessoas em torno da resolução dos seus problemas»

antónio morais

Regressado a Portugal, ingressou nas Forças Armadas mas foi expulso a seguir ao 25 de Novembro, altura em que assumiu tarefas a tempo inteiro em Bragança. Lembra-os como dois anos intensos mas que não foram «um sacrifício, muito pelo contrário», porque nunca abdicou dos seus projectos de vida e participou sempre consoante a sua disponibilidade pessoal. Mudou-se para Lisboa para completar a sua formação profissional e esteve organizado nas Artes e Letras, com tarefas também no plano autárquico. De volta a Bragança, nos anos 90, onde foi trabalhar como técnico superior do Parque Natural de Montesinho, integrou a organização regional e continuou a envolver-se nas lutas pela melhoria das condições de vida da região, pela fixação de jovens e reforço dos serviços públicos. «O quotidiano de um comunista, esteja onde estiver, deve ser pautado pelo envolvimento na sociedade e pela organização das pessoas em torno da resolução dos seus problemas», sublinhou.

Hoje, a actividade do PCP em Bragança não é a mesma que no pós-25 de Abril. «Quando vim em 75, depois do Verão Quente, tinha acabado o fascismo em Portugal mas vivia-se na semi-clandestinidade em Bragança, como em todo o Interior Centro e Norte, e desenvolvia-se o trabalho com muita dificuldade», refere, acrescentando que uma das principais tarefas do partido era manter a organização e não deixar de tomar posições sobre a região.

O passado está lá, mas o PCP «é todo futuro»

Uma impressão ficava em todas estas conversas: é o presente e o futuro que estão em causa para estes militantes. E não vacilam perante a dificuldade de fazer chegar a mensagem aos mais jovens, nem acreditam que as suas ideias tenham os dias contados.

É com alguma ironia que António Morais responde à pergunta sobre a «velhice» das ideias de um partido centenário. «As ideias daqueles que dizem que o partido é velho, essas sim são verdadeiramente velhas», afirma, sublinhando que «a exploração é a coisa mais velha que existe», e que enquanto persistir haverá quem lute por uma «coisa nova». «Os princípios que nos norteiam mantêm-se, mantemos a nossa coerência, mas enquanto houver desigualdade não haverá sossego», promete. 


Na luta por uma sociedade «humanamente aceitável» há espaço para todos, independentemente das «idiossincrasias de cada um, dos feitios de cada qual». Tudo isso deve ser «respeitado e potenciado» numa perspectiva colectiva de superação e de um futuro melhor, afirmou António Morais.

É por isso que, no seu entender, se encontram neste partido pessoas «de todas as idades, sem diferenciação da etnia, cor, orientação sexual, de seja o que for». «Encontramo-nos aqui para superar as desigualdades e as injustiças», tendo em conta as contradições que se apresentam em cada tempo, sublinhou.

O combate à precariedade, a luta pela paz e solidariedade entre os povos, e a defesa de uma alternativa ambiental verdadeiramente ecológica são as batalhas do presente e do futuro, que contam com a dedicação dos comunistas, assegurou António Morais. 

Diogo Silva diz mesmo que a dificuldade de chegar aos jovens, à partida, «parece não existir». «No rescaldo desta última campanha para as eleições presidenciais, temos assistido nas organizações a um número assinalável de recrutamentos, particularmente de jovens estudantes e trabalhadores, que se juntam precisamente pelo agravamento das condições de vida e por percebem que é o partido que vai ao encontro da necessidade de mudança», afirmou. 

Por sua vez, a ideia de que o PCP é um partido envelhecido e ultrapassado «é mais propagada por outros velhos» que estão mais interessados em «manter aquilo que existe», defende. Os jovens «sabem melhor que ninguém o que é a precariedade» e o programa do PCP é o «mais jovem de todos» porque continua a confrontar o sistema de forma clara e a propor uma alternativa. 

«Somos aqueles que, hoje, lutamos por um ensino em que não haja propinas, em que os jovens possam ter acesso à habitação... há coisa mais actual que isto?»

matilde ferreira

Quando questionado sobre posições do partido ao longo da sua existência que possam já não corresponder às ideias de militantes mais jovens, Diogo responde com uma pergunta: «Será expectável que daqui a 100 anos se defenda exactamente o mesmo que hoje, em determinados assuntos?». No seu entender, mesmo que por vezes pareça «lento» o desenvolvimento de algumas posições, elas acontecem no sentido em que existe «uma sustentação material para que tenham uma perspectiva transformadora», e que, em qualquer contexto histórico, o PCP assumiu as posições que representavam os interesses e a perspectiva mais progressista do conjunto dos trabalhadores. 

Também para Matilde Ferreira não é díficil, «na prática», explicar a actualidade do partido. «Somos aqueles que, hoje, lutamos por um ensino em que não haja propinas, em que os jovens possam ter acesso à habitação... há coisa mais actual que isto?», pergunta. Garante que muitos estudantes lutam ao lado dos comunistas porque os identificam como os agitadores, aqueles que estão lá sempre a lutar pelos direitos de todos, e isso vai permitindo contrariar «as campanhas de difamação que são alimentadas pela comunicação social».

Fátima Estanque admite que a história do Partido é «inegável» e que os seus objectivos duram há 100 anos, mas que não são por isso menos actuais. «As conquistas de Abril revolucionaram as consciências das pessoas mas ainda estamos longe de atingir a liberdade num sentido mais lato», referiu, acrescentando que «independentemente dos anos que o partido tem, a luta pela igualdade, pela defesa da democracia, serão sempre actuais porque preconizam uma sociedade nova».

Chamando a atenção para a frase que dá mote às comemorações, «O Futuro tem Partido», Fátima considera que esta resume aquilo que é um compromisso do PCP: o partido que está disponível para enfrentar todas as dificuldades para construir um futuro melhor.

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