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Paulo Macedo «rapa» reformados e pequenas poupanças

A partir de Agosto os reformados e pequenos aforradores com poupanças na Caixa Geral de Depósitos deixarão, na prática, de receber juros. O banco do Estado quer mais lucros sem olhar a meios.

Paulo Macedo foi ministro da Saúde dos governos de Passos Coelho, entre 2011 e 2015
CréditosEstela Silva / Agência LUSA

Recentemente os clientes da Caixa Geral de Depósitos (CGD ou «a Caixa», como é habitualmente mencionada) com pequenas poupanças receberam um comunicado daquela instituição bancária avisando-os de que, a partir de 1 de Agosto próximo, os juros pagos sobre as suas contas a prazo teriam a taxa remuneratória reduzida em 70% e deixariam de ser pagos quando os mesmos fossem inferiores a um euro.

Os clientes abrangidos foram reformados e pequenos aforradores, possuidores de depósitos de taxa fixa Caixapoupança Reformado, Caixapoupança Emigrante e Caixapoupança Superior, bem como os detentores de contas Caixapoupança Mais Reformado, Poupança Caixa Empreender e Caixapoupança Condomínio ainda activas.

As taxas remuneratórias semestrais, que já se encontravam nuns insignificantes 0,05%, sofrem um corte de 70% e passam a quase nada: 0,015%. Se a esta redução brutal se juntar o fim do pagamento de juros abaixo de um euro, os pequenos aforradores com menos de 7 mil euros em contas a prazo deixarão de receber remuneração pelos seus depósitos.

Segundo o jornal Público, que procurou saber junto da CGD qual o número e valor dos aforradores afectados pela medida sem obter essa resposta, o banco do Estado prestou, no entanto, outras esclarecedoras explicações.

Reformados e pequenos aforradores com cortes de taxas...

A instituição liderada por Paulo Macedo alegou que «a Caixa ajusta a oferta de depósitos regularmente, relativamente a prazos disponíveis, condições de acesso, taxas de juro e moedas», e que «a evolução das taxas de juro dos depósitos segue em grande medida a evolução das taxas de mercado e dos custos de funding [financiamento] da Caixa».

Nesse sentido, a instituição reconhece estar a incentivar os reformados e pequenos aforradores detentores das contas poupança designadas acima para «passarem a integrar as chamadas “contas-pacote”, com custos fixos, ou a redireccionar os montantes dos depósitos para fundos de investimentos, planos de poupança reforma ou seguros de capitalização, produtos com maior risco, maior dificuldade de mobilização, e que pagam comissões».

Para pagar uma taxa de juro superior àquela que esses clientes têm até hoje? Nada disso. Apesar de a CGD alegar ter «taxas de juros um pouco mais atractivas para depósitos mais elevados ou para clientes com maior envolvência com o banco», o que oferece é «um depósito a um ano em euros (Depósito Caixa 1 Ano com TANB — Taxa Anual Nominal Bruta de 0,025% para valores a partir de dez mil euros) e um depósito a três anos em euros (TANB média de 0,037%) exclusivamente para clientes detentores de uma Conta Caixa (solução multiproduto da Caixa que oferece o acesso a um conjunto de produtos e serviços com vantagens para os clientes) ou de cartão de crédito», refere o Público.

Ou seja, no caso dos depósitos a um ano, corta para metade a taxa actualmente aplicada a meio ano e no caso de depósitos a três anos faz o mesmo em um terço.

Acresce que não é a primeira vez que, na gestão de Paulo Macedo, grupos vulneráveis de clientes vêm as suas condições pioradas, como aconteceu em 2017 e em 2018.

...e empurrados para produtos de risco

Mas o banco do Estado tem outras ofertas para fazer aos reformados e pequenos aforradores. Por exemplo, «produtos de investimento e poupança, além de contas a prazo e poupança, nomeadamente Fundos de Investimento e de Pensões, Seguros Financeiros e PPR». São «diferentes opções de investimento» dirigidas «a diferentes perfis de clientes, no que se refere essencialmente ao horizonte temporal de investimento e à preferência por rentabilidade esperada ponderada pelo risco». E para «aferir a sua tipologia de investimento e assim adequar as suas escolhas», o banco disponibiliza aos clientes «um questionário de perfil de investidor».

Resumindo, a Caixa pretende transformar os reformados e pequenos aforradores, que imagina tenham fortunas escondidas no colchão, em «investidores». E para incentivá-los a isso, trata de reduzir-lhes a zero os juros das suas actuais contas reforma.

Medida «imoral» e de «sinal contrário»

António José Ribeiro é economista na revista Deco Proteste e especialista em questões de poupança naquela associação de defesa dos consumidores. Consultado pelo Público, confirmou que «a lei não prevê, mas também não impede, que as instituições possam optar pelo não pagamento de juros abaixo de determinado valor».

Claro que a Caixa pode argumentar que qualquer cliente tem «o direito de denunciar o contrato, imediatamente e sem encargos, antes da data proposta para a aplicação das referidas alterações» – se não o fizer será considerado que as aceitou – mas essa liberdade, como a administração do banco muito bem sabe, «tem reduzidas probabilidades de ser posta em prática quando estão em causa pequenos aforradores, pessoas mais idosas ou com poucos conhecimentos financeiros».

«É uma medida imoral e um sinal contrário ao que devia ser dado pelo banco do Estado»

António Ribeiro (Deco Proteste), no Público de 28/06/2019

Por outro lado, não sendo ilegal, a medida «é imoral e um sinal contrário ao que deveria ser dado pelo banco do Estado». Do banco público espera-se, defende o economista, que seja «um exemplo na forma de tratamento dos aforradores, zelando pelos seus interesses e incentivando a poupança, especialmente as poupanças dos mais desfavorecidos, com menos recursos financeiros, ainda que o contexto de baixas taxas de juro não permita remunerações muito elevadas». E não que tenha por critério único a maximização de lucros e dividendos aos accionistas, como acontece com a banca privada. A CGD apresentou 500 milhões de euros de lucros em 2018 e entregou 200 milhões de euros ao accionista Estado.

Quanto aos novos produtos oferecidos àquele segmento de clientes, «conservadores por natureza na aplicação de poupanças», António Ribeiro considera que «muitos dos produtos financeiros mais rentáveis, apontados pela CGD, como os fundos de investimento, planos de poupança e seguros de capitalização, apresentam riscos e podem ser desadequados para determinados clientes», já que em alguns casos não há garantia de capital, ou devem ser feitos numa lógica de longo prazo, mínimo de cinco anos, ou ainda porque podem ter comissões e penalizações no caso de movimentação antecipada» – características opostas às necessidades do pequeno aforrador.

O (mau) exemplo do Estado

O economista alerta para o perigo de a decisão «inovadora» da instituição liderada por Paulo Macedo poder ser seguida pela banca privada, ou seja, de as consequências do gesto da Caixa atingirem um leque mais largo de pequenos aforradores, clientes de outras instituições bancárias.

Isto quando, apesar de a legislação nacional impedir os bancos de aplicarem juros negativos nos depósitos, a ausência de remuneração já estar a verificar-se na prática, por o aumento das comissões cobradas nas contas de depósito à ordem ser superior aos juros gerados pelos depósitos à ordem e a prazo.

A taxa de poupança em Portugal é de 4,5% por cada 100 euros de rendimento disponível, quase três vezes inferior aos 12% da média europeia. Por isso mesmo se justifica que os Certificados de Aforro, emitidos pelo Estado, paguem 0,05% de juros líquidos a partir de três meses sem cobrança de comissões – valor que até agora estava em linha com o praticado pela CGD.

O que não se compreende é que a administração do banco detido a 100% pelo Estado tenha autoridade para descartar uma política de incentivo à pequena poupança considerada vital por esse mesmo Estado, para continuar uma política de máximo lucro – e, já agora, de máximos prémios para os gestores envolvidos – como se fosse um qualquer banco privado.

Quem trava Paulo Macedo?

Como ministro da Saúde, Paulo Macedo foi o responsável por esmifrar os portugueses com taxas moderadoras e outros custos de saúde para garantir a sustentabilidade do sistema que, afinal, se sustenta de outra maneira que não a sua. Foi travado pelo voto dos portugueses nas urnas, em 2015.

«Paulo Macedo aceitou o convite do Governo para presidente executivo da Caixa Geral de Depósitos. Apenas o PCP apresentou objecções, tendo em conta o percurso de Macedo como ministro da Saúde do Governo do PSD e CDS-PP. »

Em AbrilAbril, 2 de Dezembro de 2016

Recuperado pelo ministro Mário Centeno e pelo governo PS para dirigir a Caixa, propõe-se obter lucros sem olhar a meios, nem que tenha de arruinar as poupanças dos reformados e pequenos aforradores para ajudar os administradores e directores da banca pública a atingirem os seus prémios de «bons resultados».

Não é inédito: já aqui chamámos a atenção para que os lucros da Caixa estavam a ser obtidos à custa do encerramento de agências onde elas faziam falta. Ou do despedimento de trabalhadores. Neste caso trata-se das pequenas poupanças de muitos portugueses fragilizados económica e financeiramente.

Resta saber se vale a pena o Governo PS deixar Paulo Macedo desvalorizar as pequenas poupanças dos portugueses a fim de levar a CGD à glória do lucro máximo – tal como lhes foi ao bolso com as taxas moderadoras na saúde, que deixaram os mais desfavorecidos de tanga – para depois a direita vir chorar lágrimas de crocodilo sobre as poupanças delapidadas tal como hoje o faz sobre a Saúde Pública que deixaram no estado que se sabe.

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