A discussão do Orçamento do Estado (OE) para 2018 está marcada pelo tema das pensões e reformas, introduzido pelo PCP com a sua proposta de um novo aumento extraordinário de um mínimo de dez euros, à semelhança do que já sucedeu na discussão do OE para este ano.
Na altura, o Governo avançou para uma solução que, apesar de representar um avanço, não permitiu que todos os reformados e pensionistas recuperassem parte do poder de compra perdido ao longo da governação do PSD e do CDS-PP.
Mas porquê um aumento extraordinário?
A lei 53-B/2006, forjada pelo mesmo ministro que hoje ocupa a tutela da Segurança Social – Vieira da Silva –, criou o Indexante de Apoios Sociais (IAS) e introduziu uma fórmula de indexação das pensões a dois factores: a inflação (no caso, a registada em Outubro do ano anterior, excluindo habitação) e a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
A imposição de uma fórmula de cálculo para a actualização automática das pensões e reformas foi, na altura, fortemente contestada. Até então, os governos assumiam o ónus de actualização, ou não, das pensões. Desde então, escudando-se atrás de uma fórmula mágica, os governos têm feito como Pilatos e lavam as mãos dessa responsabilidade a cada ano. Afinal, estão na lei os critérios.
2%
Para que as pensões mais baixas sejam valorizadas e as intermédias não percam poder de compra é preciso que a economia cresça 2% ao longo de dois anos.
No entanto, na sua versão original, a lei só garante a manutenção do poder de compra para as pensões mais baixas (até 1,5 IAS, 631,98 euros em 2017). Para que estas tenham alguma valorização, é necessário que a economia cresça acima de 2% ao longo de dois anos e que esse valor seja verificado no terceiro trimestre do ano anterior: algo que, desde 2006, nunca se verificou.
Não há qualquer justificação técnica aparente para a utilização deste critério, como testemunha o facto de a Grécia ser o único país da União Europeia que, a par de Portugal, faz depender a actualização das pensões e das reformas do crescimento do PIB. Nos restantes, é normalmente tida em conta a inflação verificada ou a evolução dos salários.
Amarrar a subida das pensões ao crescimento do PIB, ainda por cima ao longo de dois anos e fixando valores arbitrários, foi uma forma subtil de condenar os reformados com muito baixas pensões à pobreza, enquanto os restantes vão ganhando cada vez menos – a menos que se registe um forte crescimento económico ao longo de dois anos, como é o caso actual.
A Grécia é o único país da União Europeia que utiliza o crescimento da economia como factor para o aumento das pensões. Nos restantes, a inflação ou a evolução dos salários são os critérios utilizados.
No OE2017, foi introduzida uma alteração à lei que puxou para cima o limite até ao qual as pensões estão protegidas da perda de poder de compra, para duas vezes o IAS (842,64 euros, actualmente). Quanto às restantes, só com um crescimento económico acima de 2% ao longo de dois anos mantém o seu valor real e no caso das pensões acima de 6 IAS só quando esse valor superar os 3%. Algo nunca visto desde 2002.
Foi a aplicação desta lei que o BE acordou com o PS em Novembro de 2015, fazendo parte dos pontos de convergência que constam do anexo à posição conjunta que assinaram.
PSD e CDS-PP roubaram dezenas de euros por mês a cada pensionista
Apesar de a lei garantir a manutenção do poder de compra para as pensões mais baixas, nos anos da troika e do governo do PSD e do CDS-PP a sua aplicação foi suspensa. À excepção de algumas das pensões mais baixas (não contributivas ou relativas a carreiras muito curtas), todas ficaram congeladas entre 2011 e 2015.
7%
Durante os quatro anos do governo do PSD e do CDS-PP, as pensões perderam 7% do seu valor real.
Nesses cinco anos, os pensionistas perderam mais de 7% do seu poder de compra. Posto de forma simples, os reformados e pensionistas foram recebendo sempre o mesmo enquanto tudo ficava mais caro. A suspensão da lei custou cerca de 25 euros mensais para quem recebia cerca de 350 euros, um valor próximo da média das pensões por velhice. O valor sobe para perto de 40 euros quando se trata de um pensionista que recebe 500 euros, ou para quase 50 euros para uma pensão de 900 euros.
2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | |
---|---|---|---|---|---|
Aplicação da lei | 350€ | 362,25€ | 373,48€ | 375,72€ | 375,72€ |
Pensão congelada | 350€ | 350€ | 350€ | 350€ | 350€ |
Perda mensal | 0€ | 12,25€ | 23,48€ | 25,72€ | 25,72€ |
Ao não aplicar a lei, o anterior governo fez também congelar o valor do IAS, que determina os escalões de actualização de pensões, mas também o acesso a várias prestações sociais. Por esta via indirecta, cortaram ainda mais no apoio social e nas pensões e reformas, que se faz sentir até hoje. Pelos critérios legais, o IAS deveria estar em 453,63 euros em 2017, em vez dos actuais 421,32. Se assim fosse, os pensionistas que ganham até 907 euros tinham garantida a manutenção do seu poder de compra (em vez de até 842,64, como aconteceu).
A razão para um aumento extraordinário das pensões e reformas é simples: a lei não permite recuperar o que o anterior governo retirou às pensões nem que as reformas mais baixas venham a ser valorizadas num futuro próximo.
O que significa um aumento extraordinário de dez euros?
Em Agosto, cada pensionista que, em Dezembro de 2016, recebia até cerca de 630 euros teve direito a um aumento de dez euros, descontado o valor da actualização anual que depende da lei. Essa medida permitiu uma recuperação de parte do poder de compra perdido entre 2011 e 2015: no caso de uma pensão de 350 euros, de cerca de oito euros.
Apesar da medida deste ano, esta foi insuficiente para recuperar tudo o que foi retirado aos pensionistas e reformados. O diferencial entre o que hoje recebem e o que receberiam se a lei tivesse sido aplicada continua a ser significativa: entre dez e 40 euros para as pensões até 2 IAS.
588€
As pensões acima de 588 euros deverão ter garantido um aumento superior a dez euros por via da aplicação da lei. O aumento extraordinário deve incidir, assim, sobre as pensões abaixo desse valor.
Para o próximo ano, a aplicação desta medida é ainda facilitada pelo crescimento económico, já que, pela primeira vez desde 2006, o factor de crescimento do PIB acima de 2% nos últimos dois anos deverá ser cumprido. Isto significa que haverá lugar a aumentos reais de 0,5% para as pensões até 2 IAS, decorrente da lei, o que assegura um aumento superior a dez euros para as pensões acima de 588 euros.
A aplicação de um aumento semelhante ao que foi concretizado em Agosto permitia reduzir ainda mais o valor ainda em falta, particularmente para as pensões mais baixas. No caso de um reformado que recebia 350 euros até 2015, o diferencial seria reduzido dos actuais 17 euros para entre 14 e 15 euros no próximo ano (face ao que receberia com a simples aplicação da lei todos os anos) – em dois anos, seria recuperado quase metade do poder de compra perdido nos cinco do governo do PSD e do CDS-PP.
2015 | 2016 | 2017 | 2018* | Recuperação de poder de compra 2015-2018 (em %) | |
---|---|---|---|---|---|
Aplicação da lei | 375,72€ | 376,85€ | 378,73€ | 385,17€ | |
Valor recebido | 350€ | 351,05€ | 361,05€ | 371,05€ | |
Diferença | 25,72€ | 25,80€ | 17,68€ | 14,12€ | 45,1% |
* Simulação assumindo uma taxa de inflação (sem habitação) verificada em Outubro de 1,2%, um crescimento económico nos últimos dois anos superiores a 2%. No valor recebido, é contemplada a proposta do PCP de aumento extraodinário até 10 euros. |
O facto de o aumento ser igual para todos (dez euros), significa que a recuperação é tão mais acentuada quanto mais baixas são as pensões, já que estas últimas recebem um maior aumento percentual. Enquanto para uma pensão de 300 euros a actualização acima da inflação e do regime legal seria de cerca de 1,5% (entre quatro e cinco euros mensais), para aquelas acima dos 450 euros seria de cerca de 0,5% (entre 1,50 e 2,90 euros).
A partir dos 588 euros, o aumento de dez euros estará, à partida, garantido pela lei. Isto significa que o esforço orçamental – já que 88% das pensões pagas pela Segurança Social são até 500 euros – será ainda menor do que os 220 a 260 milhões previstos, caso o crescimento ficasse abaixo dos 2%.
Segundo as últimas estimativas, o acréscimo de despesa com este aumento rondará os 140 milhões de euros (1,3% do que o País paga em juros da dívida pública).
O valor que o País paga em juros da dívida pública num ano equivale a 57 anos do aumento extraordinário proposto pelo PCP para 2018.
O aumento extraordinário deste ano incidiu apenas sobre os pensionistas que, no somatório de todas as pensões (é possível acumular, por exemplo, uma pensão de velhice com uma de sobrevivência) recebiam menos de 631,98 euros.
Com a alteração do primeiro escalão de actualização para 2 IAS (842,64 euros em 2017), estas ficam protegidas de novas perdas de poder de compra. No entanto, as pensões entre 1,5 e duas vezes o IAS perderam entre 40 e 50 euros mensais entre 2011 e 2015 – e estas, apesar dos valores mais altos, correspondem também a carreiras contributivas mais longas e com descontos mais elevados.
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