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Em causa está um acórdão que culpabiliza vítima de violência doméstica com recurso à Bíblia e código penal do século XIX

Processo disciplinar para juízes da Relação do Porto

O Conselho Superior da Magistratura decidiu abrir um processo disciplinar aos juízes do Tribunal da Relação do Porto que assinaram um acórdão em que foram usadas passagens bíblicas para culpabilizar uma vítima de violência doméstica e justificar pena suspensa para os agressores.

Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apoiou 30 mil vítimas de violência doméstica entre 2013 e 2016
Créditos / Correio do Sul

A decisão foi anunciada ontem em comunicado, ao final do dia, após a reunião do Conselho Plenário. O juiz Neto de Moura, relator do acórdão, é acusado de «violação dos deveres funcionais de correcção e de prossecução do interesse público, este na vertente de actuar no sentido de criar no público a confiança em que a Justiça repousa» e a juíza Luísa Senra Arantes, que, de acordo com o Expresso, terá assinado o documento sem o ler na íntegra, de «violação do dever de zelo».

Em causa está um polémico acórdão datado de 11 de Outubro, em que não é dado provimento a um recurso do Ministério Público relativo a um caso de violência doméstica julgado pelo Tribunal de Felgueiras, em que os dois agressores foram condenados a penas de prisão suspensas.

No acórdão da autoria do desembargador Neto de Moura e assinado por Luísa Arantes, é argumentado que «o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte».

É ainda citado o código penal português de 1886 para justificar que, «ainda não foi há muito tempo que a lei penal punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse acto a matasse».

O caso data de 2014, quando um homem com quem a vítima mantinha uma relação a sequestrou. O seu ex-cônjuge – que também foi condenado por posse de arma proibída –, de quem entretanto se separou, agrediu-a com uma moca com pregos.

Entretanto, foram denunciados outros acórdãos da autoria do mesmo juíz desembargador em que o adultério é usado como argumento para colocar em causa o depoimento de mulheres vítimas de violência doméstica. Num acórdão de 2016, Neto de Moura afirmou que «uma mulher que comete adultério é uma pessoa falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral. Enfim, carece de probidade moral».

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