A saúde dos trabalhadores e a sua relação com as condições de trabalho tem evoluído ao longo da história e é hoje uma realidade não só percepcionada e vivida pelos trabalhadores como é do conhecimento geral da opinião pública e deve merecer uma progressiva atenção do poder político e das instituições públicas.
O conhecimento das relações trabalho/saúde (doença) foi, e continuará a ser, condição necessária mas não suficiente para a organização de intervenções promotoras da saúde e do bem-estar no local de trabalho e de medidas de prevenção de doenças e lesões provocadas pelo trabalho e pelas condições em que é exercido. Falamos de doenças profissionais e doenças agravadas ou desencadeadas pelo trabalho e de lesões resultantes de acidentes de trabalho.
Os locais de trabalho saudáveis e a saúde dos trabalhadores são, em si mesmos, valores social e economicamente relevantes para o desenvolvimento sustentado das comunidades, dos países e do mundo.
Para dar relevância à saúde dos trabalhadores foi instituído o dia 28 de Abril como o Dia Internacional e Nacional da Saúde e Segurança do Trabalho ou, mais propriamente, da saúde ocupacional ou da saúde dos trabalhadores no local de trabalho.
Este ano as comemorações são dedicadas à saúde e segurança dos jovens trabalhadores, conhecido sector profissional sujeito às piores condições de trabalho, segurança no emprego e baixos salários.
Os recentes desenvolvimentos das políticas de saúde ocupacional da responsabilidade dos últimos governos (Através da Autoridade para as Condições de Trabalho -ACT e da Direcção Geral de Saúde-DGS) ainda estão longe de corresponder às necessidades da realidade nacional e ao grau de desenvolvimento das forças produtivas e dos conhecimentos científicos sobre as relações trabalho/saúde, bem como, da sua apropriação pelo mundo do trabalho, trabalhadores e empregadores.
Para a saúde ocupacional, visão alargada que engloba todas as intervenções médicas e não médicas na promoção da saúde e na prevenção dos riscos profissionais ligados ao trabalho, as políticas de saúde laboral devem basear-se em princípios técnicos e humanistas que valorizem o trabalhador como pessoa una perante o trabalho, enquadrada numa visão integrada e global do binómio Homem/Trabalho.
No entanto, o desenvolvimento nos locais de trabalho das medidas de prevenção e a boa prática na prestação de cuidados de saúde do trabalho parece nem sempre acompanhar o que está estabelecido na Lei e no que consta dos referenciais técnicos da Direcção Geral de Saúde (DGS) e da Direcção de Serviços para a Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT).
Este hiato aparente entre os conhecimentos teóricos e as boas práticas em saúde do trabalho é o resultado de um complexo conjunto de factores ligados às insuficientes condições de trabalho, à precariedade e à limitada consciência e conhecimento dos representantes dos trabalhadores e das entidades patronais em matéria das vantagens dos locais de trabalho saudáveis com trabalhadores saudáveis, mas também, devido à ainda baixa qualidade da atividade de muitos profissionais de saúde ocupacional nomeadamente médicos do trabalho.
Vejamos de uma forma sequencial alguns dos principais entorses na política, na organização e nos resultados em saúde das estratégias viradas para a saúde dos trabalhadores.
1) O diagnóstico dos efeitos negativos para a saúde das más condições de trabalho continua muito insuficiente e, ainda assim, muito gravoso comparativamente a outros países da União Europeia. As estatísticas das doenças profissionais continuam a não ser devidamente divulgadas e tratadas. O Instituto da Segurança Social e o seu departamento de diagnóstico e reparação das doenças profissionais não têm estado à altura na agilização administrativa do registo e tratamento das suspeitas de doença profissional e o seu aparelho nunca progrediu ao nível informático. A confirmação de uma doença profissional está em alguns casos a demorar mais de três (3) anos. Para efeitos preventivos a suspeita de doença profissional deveria ser comunicada também aos serviços inspectivos da ACT e aos serviços de saúde pública locais.
Se a falta de informação e análise das doenças profissionais é grave a situação das lesões por acidentes de trabalho não está melhor. A comunicação e tratamento estatístico dos acidentes e das suas consequências é feito por amostragem de um conjunto de informações em papel, variável com a companhia de seguros. Uma verdadeira política de Saúde dos trabalhadores no local de trabalho precisa de informações de qualidade sobre o fardo global da doença ligada ao trabalho.
2) No que se refere à organização e administração da saúde e segurança do trabalho ou saúde ocupacional a nível central temos dois ministérios responsáveis: o da Saúde e o da Segurança Social e Emprego. É uma situação que, per si, podia não causar dificuldades se houvesse uma maior cooperação e partilha de programas e actividades. A ACT tem a sua Estratégia Nacional e a DGS tem o seu Programa Nacional. O mais grave é a existência de um organismo como a ACT, que coloca a Inspecção do Trabalho, que devia ser um organismo autónomo virado para a fiscalização, numa amálgama administrativa limitativa da acção, tendo como apêndice a Direcção de Serviços para a Promoção da Segurança e Saúde do Trabalho. As queixas públicas mostram que a Inspecção não inspecciona o que é sua obrigação, nem promove a saúde dos trabalhadores porque não tem nem saber, nem formação e nem vocação para tal. A Direcção Geral das Condições de Trabalho deveria assumir a sua função técnica, normativa e informativa recuperando competências da referida direcção de serviços da ACT.
A Inspecção do Trabalho deverá assumir novamente na sua função histórica e centenária de fiscalizar e fazer cumprir a legislação da Saúde e Segurança do trabalho.
3) A organização dos cuidados de saúde e segurança do trabalho ao nível das empresas tem dois enfoques críticos que a não serem ultrapassados dificilmente teremos a melhoria da saúde dos trabalhadores. A organização e funcionamento dos serviços de saúde e segurança do trabalho das empresas apresenta enormes disfuncionamentos, particularmente nos chamados serviços externos nas micro, pequenas e médias empresas. Na generalidade são serviços comerciais prestadores de cuidados de avaliação médica de rotina de pouco interesse na prevenção dos danos laborais ou na promoção da saúde. Nos serviços ditos internos ou melhor privativos das grandes e algumas médias empresas o investimento em qualidade da intervenção quer de saúde quer de higiene e segurança do trabalho é baixa.
A outra componente essencial na melhoria das condições de trabalho nas empresas é a participação dos trabalhadores. A intervenção dos representantes dos trabalhadores eleitos tem encontrado pela frente grandes dificuldades a começar pelo processo burocrático complicado da eleição e não menos difícil a ausência de formação em saúde do trabalho da responsabilidade patronal e institucional.
4) A saúde dos trabalhadores da administração pública é um exemplo claro do desleixo, da falta de vontade política e irresponsabilidade dos últimos governos. Desde 1995 e, mais apropriadamente, desde 1999 é obrigatório por lei organizar serviços de saúde e segurança do trabalho ou de saúde ocupacional nos serviços da administração pública central e local. A actual Lei nº 102/2009 de 10 de Setembro e suas alterações nomeadamente a Lei nº 3/2014, de 28 de Janeiro, claramente estendem o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho a todos os funcionários públicos. Quando só os estabelecimentos da saúde nomeadamente hospitais e um número significativo de Câmaras Municipais cumpre a Lei, vem agora o governo com propostas e resoluções ultrapassadas ignorando o já estipulado e, tentando recuar nos compromissos que não assume há perto de vinte anos.
Por estas e outras razões as comemorações do Dia Mundial e Nacional da «Prevenção e Segurança no Trabalho», dia 28 de Abril, devem apelar à acção para a mudança no mundo do trabalho e das condições em que este é exercido.
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