O diploma aprovado na passada sexta-feira é um texto de substituição à proposta de lei do Governo que «mantém em vigor e generaliza a aplicação do sistema de informação cadastral simplificada», apresentado pela Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, tendo sido viabilizado na votação final global com os votos a favor de PS, BE e PAN, a abstenção de PSD e CDS-PP e os votos contra de PCP e PEV.
A iniciativa replica uma ideia que o Parlamento havia chumbado em 2017 e tem em conta um projecto experimental aplicado em dez concelhos do País mas, que se saiba, ainda não foram identificadas parcelas sem dono conhecido.
No concelho de Caminha, distrito de Viana do Castelo, onde a quase totalidade do território está cadastrado, não há nenhuma parcela nessas condições. Por esse motivo não se percebe a urgência do Governo do PS em avançar com uma lei que pode levar ao saque de terras, designadamente de idosos e de emigrantes, sem que se garanta a capacidade do Estado para as gerir, como atesta o abandono em que continuam muitas matas públicas.
Segundo o texto de substituição, o proprietário deve identificar por via informática e registar, a título gratuito, as parcelas que provar serem suas. Mas há problemas decorrentes que o diploma não acautela, a começar pelas burlas e pela falta de segurança jurídica.
A partir de um computador, alguém pode identificar uma parcela como sua, marcá-la e depois registá-la, dizendo que a adquiriu verbalmente a alguém que está, por exemplo, no Brasil ou que já faleceu, e depois fazer esse registo. No grupo de trabalho, o PCP apresentou uma proposta que obrigava a que os conflitos entre confinantes tivessem de ser registados na presença de um técnico credenciado, mas foi rejeitada.
Entretanto, a nova legislação ignora a falta de trabalhadores nos serviços de registo e notariado, o que faz acrescer as dificuldades de resposta, e transfere para os municípios a responsabilidade pela operacionalização do cadastro – processo que, com todos os seus meios, o Estado nunca conseguiu realizar.
No grupo de trabalho parlamentar do sistema de informação cadastral simplificada, o PCP propôs a suspensão, por dez anos, do decreto-lei das terras sem dono conhecido, iniciativa que foi inicialmente viabilizada com o apoio de BE e de PSD, mas acabou prejudicada devido ao recuo dos sociais-democratas, na sequência de um entendimento com o PS para aprovar a proposta do Governo.
Num país onde domina o minifúndio, onde a idade média dos agricultores e dos produtores florestais ultrapassa os 60 anos e as questões da posse da terra continuam a dividir as populações, qualquer intervenção deveria ter em conta esta realidade e assegurar a atenção prioritária à valorização do preço da madeira à produção, o reforço das estruturas do Estado, designadamente do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), e a reposição dos serviços públicos no mundo rural.
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