O ministro da Segurança Pública do Brasil, Raul Jungmann, declarou que os militares vão abandonar o comando das forças de segurança no estado do Rio de Janeiro a partir de Dezembro, reportou ontem o correspondente da Agência Lusa em São Paulo.
O ministro prestou estas declarações durante uma entrevista dada no sábado ao jornal Folha de São Paulo, na qual reconheceu terem as forças armadas rejeitado a sua proposta de prolongamento da intervenção militar por mais um ano, até Dezembro de 2019.
Raul Jungmann terá defendido perante os militares que «o fim da intervenção comprometeria a crescente integração alcançada pelas forças militares e locais», mas isso não demoveu os responsáveis das forças armadas.
Eleições presidenciais no Rio decorrerão ainda sob controlo militar
Ainda assim conseguiu que estes se mantivessem no controlo da segurança no estado do Rio de Janeiro até ao fim de Dezembro de 2018 (data inicialmente marcada como limite da intervenção militar), portanto cobrindo o período das próximas eleições presidenciais no Brasil, cuja primeira e segunda volta estão previstas para, respectivamente, 7 e 28 de Outubro próximos.
Recorde-se que, nas eleições de 2018, os eleitores brasileiros vão eleger, além do Presidente da República, os governadores dos estados, dois terços do Senado Federal, deputados federais e deputados estaduais ou distritais.
A pré-campanha eleitoral tem sido marcada pela tentativa da direita brasileira em afastar o candidato Lula da Silva, quando o ex-Presidente da República lidera as sondagens, em qualquer cenário.
Recentemente o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) considerou que o Estado brasileiro deve «tomar todas as medidas necessárias» para permitir que Lula da Silva «desfrute e exercite seus direitos políticos a partir da prisão como candidato nas presidenciais de 2018, incluindo o acesso apropriado à imprensa e a membros de seu partido político» e ser preciso que Lula não seja «impedido de concorrer nas presidenciais até que todos os recursos pendentes de revisão contra a sua condenação sejam completados e a condenação seja final», noticia a Folha de São Paulo.
Em declarações ao jornal citado, Celso Amorim, ex-chanceler das Relações Exteriores, classifica de «lamentável» a nota do Itamaraty (sede do Ministério das Relações Exteriores do Brasil) alegando não ser o parecer emitido pela ONU de carácter vinculativo. Amorim considera que a assinatura, pelo Brasil, não só do texto geral do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos como de «um protocolo adicional, que o país não era obrigado a assinar», em que «aceita a jurisdição desse comité», atribui «força normativa» a um documento que foi «internalizado» no edifício jurídico brasileiro, pelo que o não cumprimento das decisões do Comité dos Direitos Humanos da ONU configurará o comportamento do Brasil «como um estado pária», «à margem do direito internacional».
A intervenção militar no Rio e as suas consequências
Os militares assumiram o controlo da segurança no estado do Rio de Janeiro a partir de 16 de Fevereiro de 2018, numa polémica decisão do presidente golpista Michael Temer, com o pretexto de combater «traficantes de drogas que operam principalmente em áreas pobres» – escreve o correspondente da Lusa – mas a manobra política foi denunciada como destinada a recolher dividendos na opinião pública, perante a impopularidade crescente de Temer.
Não só a taxa de popularidade de Temer não se inverteu – uma sondagem realizada em Abril dava-o reprovado por 70% dos brasileiros, com 41% dos inquiridos a atribuirem mesmo «nota zero» (sic) ao presidente golpista – como a intervenção militar, conforme assinalava em Junho o Observatório da Intervenção, mobilizou meios enormes, em sucessivas megaoperações policiais e militares, com resultados pouco expressivos. «Nunca se viu tantos agentes, a custos tão altos, mobilizados para obter tão pouco», lê-se na parte introdutória do documento produzido pelo Observatório.
Além disso, foi exactamente durante a intervenção militar que se cometeu um dos crimes políticos mais graves na história recente do Brasil, quando a vereadora e defensora dos direitos humanos Marielle Franco foi assassinada a 14 de Março, num crime com os contornos de uma execução, que aponta para a cumplicidade de forças políticas, militares e policiais. Recorde-se que Marielle tinha denunciado, três dias antes de ser executada, a acção violenta do 41.º batalhão da PM, «conhecido como Batalhão da Morte», na favela Acari, no Rio de Janeiro.
Confrontado pelo jornal Folha de São Paulo sobre o crime, o ministro Jongmann, escusando-se embora a divulgar pormenores da investigação em curso, admitiu a existência de «estruturas que participaram directa ou indirectamente nesse crime que envolve milícias, envolve agentes públicos de segurança e envolve políticos».
Aguardam-se os resultados da investigação.
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