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No «processo Berta Cárceres» haverá «culpados, mas não justiça»

Os presumíveis autores materiais do assassinato da líder indígena hondurenha estão no banco dos réus, 2 anos e meio após o crime. Para a família de Berta, os verdadeiros responsáveis ficarão impunes.

Berta CáceresCréditos / goldmanprize.org

Co-fundadora do Conselho Cívico das Organizações Populares e Indígenas das Honduras (Copinh), Berta Cárceres opôs-se, com firmeza e ao longo de vários anos, ao projecto hidroeléctrico Agua Zarca, da empresa Desa, pelas graves consequências que traria para o seu povo.

Figura pública premiada pela sua tenacidade na defesa do meio ambiente, tanto ela como a sua família foram alvo de inúmeras ameaças, a tal ponto que os seus quatro filhos tiveram de sair do país. Acabaria por ser assassinada na madrugada de 2 para 3 de Março de 2016, em sua casa, em La Esperanza, no departamento ocidental de Intibucá.

Desde o passado dia 20 de Outubro, estão no banco dos réus os oito presumíveis autores materiais do seu assassinato, incluindo um alto cargo da Desa, a empresa por trás do projecto Agua Zarca, ao qual Berta Cáceres se opunha.

À BBC World, os familiares da dirigente indígena disseram estar convencidos de que o julgamento será célere e de que haverá condenações, mas alertando que tal «não é garantia de justiça».

«Vai haver condenações, sem dúvida, porque isso interessa ao Estado», disse à BBC Berta Zúñiga, uma das filhas da ambientalista hondurenha assassinada em 2016. Acrescentou, no entanto, que «serão penas leves, o resultado de um processo superficial que não vai lançar luz sobre o que verdadeiramente se passou».

Preocupação com um «processo-farsa»

Para Zúñiga, o risco não é apenas de que as eventuais penas possam ser facilmente revertidas noutras instâncias, mas o de que a actuação judicial possa comprometer a futura acusação dos verdadeiros autores intelectuais do assassinato.

A decisão recente de retirar do processo os representantes legais das vítimas – os familiares de Cáceres e do defensor do meio ambiente mexicano Gustavo Castro, ferido a tiro no mesmo atentado – fez aumentar ainda mais as suspeitas de que «as autoridades não querem investigar o caso a fundo», até às últimas consequências.

Este é um dos últimos exemplos de muitos choques entre as vítimas e as diversas instâncias do sistema judicial das Honduras, um país onde a elevada criminalidade goza também de elevados níveis de impunidade.

A situação foi denunciada por organizações de defesa dos direitos humanos e vários outros organismos, que, ao longo do tempo, se juntaram ao apelo da família de Berta e do Copinh em defesa da verdade e da justiça, e à denúncia de que a investigação tem sido obscurecida por uma densa teia de interesses políticos e económicos, com a conivência do Ministério Público (MP).

Os representantes das vítimas chegaram a acusar o MP de «falta de diligência» e de procurar criar obstáculos à justiça, na medida em que, entre outras coisas, se recusou a partilhar informação – mesmo contra ordens expressas de um tribunal.

Os choques da justiça com o Copinh também foram evidentes – porque a organização que Berta Cáceres liderou incomoda e, tal como outros movimentos populares hondurenhos, continua a ser alvo de perseguição e criminalização.

A dirigente do povo Lenca integra-se numa extensa lista de líderes indígenas, camponeses, defensores dos direitos humanos e ambientais assassinados no país centro-americano. Por ocasião do primeiro aniversário do assassinato de Cáceres, o Copinh lembrava, em comunicado, que «já houve muitos e muitas outras Bertas».

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