Alguns incidentes ocorridos em vários pontos da Área Metropolitana de Lisboa (AML), foram esta semana matéria de abertura de telejornais. A ignição deu-se a partir de uma intervenção da PSP no Bairro da Jamaica, no Seixal, na qual os moradores envolvidos alegam terem sido vítimas de excessos da força policial.
A partir deste acontecimento gerou-se um efeito de mimetismo noutros municípios da AML, com ações isoladas de vandalismo, nomeadamente incêndios em caixotes de lixo na via pública, lançamento de um artefato incendiário contra a esquadra da PSP no bairro da Bela Vista, em Setúbal, e o incêndio de um autocarro, também em Setúbal.
Com a ligeireza irresponsável que caracteriza, hoje, o tipo de jornalismo que é feito em alguns canais de televisão, estes logo assentaram arraiais no Bairro da Bela Vista, em Setúbal, tentando reativar a imagem negativa que este bairro já teve, ampliando um incidente pontual e, assim, pondo em risco os resultados de um projeto de intervenção integrada, designado Nosso Bairro, Nossa Cidade.
Desenvolvido desde 2012 pela Câmara Municipal de Setúbal, Junta de Freguesia de São Sebastião e várias entidades, nomeadamente a PSP, mudou totalmente a vida comunitária de cinco aglomerados de habitação pública municipal: Bela Vista, Alameda das Palmeiras, Forte da Bela Vista, Manteigada e Quinta de Santo António.
O referido projeto abrange mais de 5700 moradores e tem como eixos de intervenção o trabalho com os jovens; a educação, formação e emprego; a imagem e visibilidade; a vida em comunidade e a promoção da participação das pessoas.
«Com a ligeireza irresponsável que caracteriza, hoje, o tipo de jornalismo que é feito em alguns canais de televisão, estes logo assentaram arraiais no Bairro da Bela Vista, em Setúbal, tentando reativar a imagem negativa que este bairro já teve, ampliando um incidente pontual e, assim, pondo em risco os resultados de um projeto de intervenção integrada, designado Nosso Bairro, Nossa Cidade»
Num processo em que os moradores estão totalmente envolvidos, este projeto possui algumas características que materializam uma estratégia inteligente e politicamente inovadora, da qual destaco o seguinte:
1- Promove o poder exercido pelos moradores. As decisões sobre as intervenções dos serviços municipais (espaços verdes, recolhas de lixo, atividades recreativas e outras) são tomadas pelos moradores e depois discutidas com a câmara;
2- Constitui grupos de trabalho e comissões para cada ação desenvolvida, integrados por moradores eleitos;
3- Assegura que cada bairro de habitação pública dispõe de um espaço onde os moradores se podem reunir e conviver, no qual é dada formação sobre diferentes matérias e onde realizam trabalhos de artesanato;
4- Estabelece compromissos entre todos os elementos da comunidade, a partir da capacidade de decisão, numa relação de respeito que gera confiança;
5- Trata a segurança como consequência natural de uma responsabilidade coletiva, em que todos são envolvidos na salvaguarda dos demais.
Muito mais se poderia dizer deste exemplo de ação política local, protagonizada pela Câmara Municipal de Setúbal, liderada pela CDU, e que conta com o apoio do restante elenco do executivo municipal.
Este projeto, que mereceu uma distinção mundial com o Prémio das Cidades Educadoras, constitui um exemplo que o país necessita conhecer, para que seja percebido o quanto o reality show das audiências televisivas pode prejudicar o trabalho de integração, promovido junto de populações vulneráveis, produzindo um efeito multiplicador e devastador para o conjunto da sociedade.
Sabe-se que há uma determinada comunicação social que vive do espetáculo para servir interesses muito antigos e certamente pouco preocupados com causas, porque é na exploração das consequências que se geram os lucros que os motivam.
Mas vai sendo tempo dos cidadãos se defenderem destes predadores, que se servem da nobre arte de informar para gerar alarme social e semear o campo fértil onde podem singrar todas as aventuras populistas e extremistas.
A segurança é hoje uma questão muito séria da vida das comunidades, que necessita de pensamento e ação técnica e politicamente sustentada. Para tanto, torna-se necessário encarar a sua construção como um processo integrado com múltiplas variáveis, capaz de atacar as causas
e eliminar ou minimizar os efeitos.
Esta é uma luta que é preciso travar e para a qual urge desenvolver uma ação política consequente, capaz de isolar os incendiários e promover a coesão e a resolução dos fatores geradores de exclusão.
Outro caminho, para além de perigoso, é mesmo criminoso!
O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990
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