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As inquietantes reuniões do governo português

Os EUA afirmam que Portugal participou na reunião realizada em Washington a 11 de Abril para debater o financiamento da Venezuela quando Nicolás Maduro for derrubado. Mais uma vez, o Governo nada diz.

John Bolton e Steve Mnuchin. Foto de arquivo.
Créditos / O Lado Oculto

No dia 11 de Abril, a duas escassas semanas das celebrações dos 45 anos da revolução que devolveu a Portugal as condições e o poder de ter voz na cena internacional, o governo português fez-se representar numa reunião em Washington tutelada pelo secretário das Finanças do presidente Donald Trump, precisamente Steven Mnuchin, alguém que fez a indispensável recruta no Goldman Sachs – o «banco que governa o mundo».

O leitor mais desatento às permanentes tropelias que o executivo de Lisboa comete em matéria de política externa pode interrogar-se sobre a relevância desta anotação. Tanto mais que se tornou um hábito, desde que Novembro se vingou, como sublinha o José Mário Branco, os consecutivos governos nacionais actuarem, sem excepção, sob vozes de comando externas, mesmo que a Constituição da República tenha vindo ditar exactamente o contrário.

«A norma tem sido [...] o comportamento internacional de Portugal regular-se pelas instruções dos nossos "aliados", que quase sempre ordenam o contrário do espírito da Revolução de Abril e da letra da Constituição. Que terá, pois, de especial esta reunião de Washington, em relação a tantas outras [...] deliberadamente silenciadas pelo próprio governo?»

A norma tem sido, de facto, o comportamento internacional de Portugal regular-se pelas instruções dos nossos «aliados», que quase sempre ordenam o contrário do espírito da Revolução de Abril e da letra da Constituição.

Que terá, pois, de especial esta reunião de Washington, em relação a tantas outras não referenciadas pela obediente comunicação mainstream, isto é, deliberadamente silenciadas pelo próprio governo?

Divulguemos contexto e conteúdos e cada um retirará as respectivas ilações.

Um passo para o abismo

Em termos vagos, a data de 11 de Abril pouco dirá. Mas corresponde ao dia seguinte àquele em que, na mesma cidade de Washington, várias figuras compondo uma associação de malfeitores se encontraram para preparar uma agressão militar contra a Venezuela patrocinada pelos Estados Unidos da América. Entre os participantes, como então se revelou, estiveram representantes no activo da administração de Donald Trump e sua corte fascista.

A reunião de dia 11, e para a qual Steven Mnuchin convocou ministros das Finanças e outros representantes dos «aliados», entre os quais Portugal, dedicou-se afinal a preparar o suporte financeiro dessa agressão – que já está em curso e viola as mais elementares normas do direito e do decoro internacional, às quais sucessivas autoridades portugueses se vincularam.

«John Bolton, presidente do Conselho Nacional de Segurança de Trump, definiu [o «auxílio financeiro»] como só ele sabe: "injectar o capital necessário na ineficiente indústria petrolífera venezuelana, estando as nossas empresas petrolíferas preparadas para restaurar a indústria de hidrocarbonetos da Venezuela em termos lucrativos"»

O objectivo do encontro não foi explicado bem assim. Tratou-se, segundo as fontes que divulgaram a sua realização, de reforçar o apoio que cerca de 50 países transmitiram ao projecto de golpe de Estado que os Estados Unidos puseram em andamento com o reconhecimento do «presidente interino» Juan Guaidó – e que suporia a destituição dos dirigentes da República Bolivariana da Venezuela, democraticamente eleitos.

Não se ficaram por aí os projectos. A reunião dedicou-se ao debate do «auxílio financeiro» que a chamada comunidade internacional prestará à Venezuela assim que se der o derrube do presidente Nicolás Maduro. Algo que o fascista John Bolton, presidente do Conselho Nacional de Segurança de Trump, definiu como só ele sabe: «injectar o capital necessário na ineficiente indústria petrolífera venezuelana, estando as nossas empresas petrolíferas preparadas para restaurar a indústria de hidrocarbonetos da Venezuela em termos lucrativos».

Foi nesta manobra de financiamento do terrorismo e de preparação de uma rapina organizada1 que Portugal se fez supostamente representar. Em companhia dos seus «amigos e aliados» de sempre, como a Alemanha, a França, a Itália e o Reino Unido, mas também de outros luminosos governos democráticos como são os do Brasil de Bolsonaro, da Argentina de Macri, do Equador que acaba de depositar Assange nas mãos dos seus algozes, da Guatemala, do Panamá e do executivo dessa democratíssima Colômbia, que foi o cenário do primeiro grande assalto golpista contra a Venezuela, e que teve condão «humanitário» como o mundo inteiro percebeu.

O que foi pouco divulgado na ocasião foram as diligências efectuadas pelo presidente do município de Cúcuta, a zona colombiana escolhida para a «acção humanitária», indagando do seu chefe de Estado se os bens alimentares a encaminhar à força para território venezuelano não poderiam antes ficar mesmo na área de Cúcuta, bem mais carenciada do que o país vizinho. Nada feito: como a «ajuda» foi rejeitada pelo destinatários, a horda terrorista ao serviço das hostes humanitárias decidiu pura e simplesmente queimá-la, como ficou registado em imagens bem elucidativas.

Pois o governo português não terá evitado manter-se associado a esta gente. E como não revela aos portugueses o essencial destas suas actividades desconhece-se quem e a que nível esteve presente na conspiração agora presidida pelo secretário das Finanças de Trump.

Será elementar que os cidadãos do país que fez a Revolução de Abril fiquem a saber o que tem o governo a dizer sobre este assunto. É matéria fundamental para avaliação do nível de transparência democrática que consegue respeitar.

Nada a dizer sobre o ouro?

Tanto mais que não é a primeira vez que o nome de Portugal surge associado ao mesmo Steven Mnuchin enquanto este capitaneia uma operação financeira contra a Venezuela democrática.

Regressamos, por isso, ao episódio do roubo de 31 toneladas de ouro pertencentes ao Estado venezuelano e colocadas à guarda do Banco de Inglaterra. Caracas pediu a sua devolução e Londres rejeitou-a, deixando nas linhas e entrelinhas que estaria na disposição de remetê-las sim ao «interino» Guaidó. O qual, uma vez testado por actores que se fizeram passar pelo presidente da Suíça, não se coibiu de aceitar que os bens nacionais venezuelanos fossem sonegados a Caracas e acondicionados numa sua conta pessoal.

Segundo o secretário das Finanças de Trump, não foi o Banco de Inglaterra que assumiu isoladamente o acto de sonegar o ouro à Venezuela. Steven Mnuchin explicou que o desvio dos lingotes ficou assente depois de ele próprio ter contactado os governos e bancos centrais dos países da União Europeia, que terão concordado com a manobra.

Já anteriormente o governo de Portugal e o Banco de Portugal foram convidados a dar as suas versões dos acontecimentos: se os contactos e a anuência existiram mesmo ou foram delírios formalistas de Mnuchin. Nada foi dito.

Agora é altura de esclarecer de vez essa dúvida e a outra que entretanto surgiu, partindo ainda, em derradeira instância, da possibilidade de se tratar de uma reunião inventada por Mnuchin.

Não só é importante como essencial ficarmos a saber de viva voz a resposta do governo português a estas perguntas simples:

Fez-se representar na reunião de 11 de Abril em Washington durante a qual foram debatidos o reforço do apoio financeiro ao «presidente interino» da Venezuela, Juan Guaidó, e o financiamento da Venezuela quando Nicolás Maduro for derrubado?

Foi contactado pelo secretário das Finanças dos Estados Unidos da América, Sr. Steven Mnuchin, sobre o confisco pelo Banco de Inglaterra de 31 toneladas de ouro do Estado venezuelano? E o Banco de Portugal foi igualmente accionado?

Todos sabemos que as fake news andam aí, pelo que é aconselhável ficarmos esclarecidos sobre situações graves e delicadas como as que foram citadas.

Se formos informados que o governo português nada teve a ver com tais acontecimentos, isso será tranquilizador: é porque ainda houve quem tenha sabido parar na última fronteira da decência e da lei.

Se tal não acontecer, e o silêncio continuar a cobrir actividades como estas, ficaremos a saber que, havendo muitas maneiras de fechar as portas que Abril abriu, o governo em funções não se coibiu de recorrer a algumas das mais extremistas, como são as da conspiração internacional que fere a democracia e a do terrorismo contra uma população que pretende ser independente e soberana. Tal como desejaram os portugueses, quando fizeram o 25 de Abril. Mas sobre isso já lá vão 45 anos, foi há tanto tempo, não foi?

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