No dia em que Portugal assinalava a restauração da sua independência, um dia feriado recuperado na última legislatura depois de ter sido riscado pelo Governo PSD/CDS, os quatro dirigentes das principais instituições da União Europeia (UE) – Banco Central Europeu, Conselho Europeu, Comissão Europeia e Parlamento Europeu – assinalaram os 10 anos da ratificação do Tratado de Lisboa.
Um Tratado que, inicialmente designado por «Constituição Europeia», percorreu um longo caminho para chegar a Lisboa, não isento de contradições e com passagens por Maastricht, Amesterdão e Nice, e representou um salto em frente no aprofundamento do processo de integração europeia e nos seus pilares neoliberal, federal e militar, num contexto de pico da crise económica de 2007/2008 e de contestação social.
Aquando da assinatura do Tratado de Nice (Fevereiro de 2001), uma das prioridades passava pela simplificação dos tratados, no sentido de os tornar mais claros e compreensíveis, sem alterar o seu significado. O Conselho Europeu de Laeken, na Bélgica (Dezembro de 2001), decidiu promover uma convenção para debater os principais problemas da construção europeia, nomeadamente os objectivos, as competências e o funcionamento institucional, decorrentes do futuro desenvolvimento da UE, cujos trabalhos decorreram entre Fevereiro de 2002 e Junho de 2003 e de que resultou a apresentação de um projecto de «Constituição», não sujeito a qualquer votação e sobre o qual os parlamentos nacionais não foram chamados a pronunciarem-se.
«para os trabalhadores e o povo português, esta década significou, por um lado, o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e em particular da crise na União Europeia e, por outro, o aprofundamento da integração de Portugal na UE e na União Económica Monetária, no Euro, com graves e dramáticas consequências para o País»
O projecto de «Constituição» serviu de base à realização de uma conferência intergovernamental (2003), composta pelos chefes de Estado e de Governo, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu, revelando que, quer pelo número de artigos (cerca de 400), quer pelo conteúdo, não se tratava apenas de uma mera simplificação dos tratados.
A 29 de Outubro de 2004, depois das eleições para o Parlamento Europeu, os chefes de Estado e de Governo dos 25 Estados-membro e de três países candidatos assinaram, em Roma, o tratado que instituía uma Constituição para a Europa, que haviam adoptado por unanimidade em 18 de Junho desse mesmo ano, mas cuja entrada em vigor dependia dos procedimentos constitucionais próprios de cada um dos Estados-membro, o referendo, a aprovação pelos parlamentos nacionais ou a conjugação dos dois. Tal não se verificou, pela oposição expressa em referendo (2005) dos povos francês e holandês e pela exigência de unanimidade para alterar os tratados da UE, o que significou, por breves momentos, o fim da proposta da denominada «Constituição Europeia».
Havia então que dar um passo atrás e fazer um compasso de espera, sem desistir do objectivo final.
Não apanhou muito pó o projecto, que rapidamente foi retirado da prateleira, contrariando a vontade expressa dos povos. Logo em 2007, durante a presidência da Alemanha da União Europeia, foi produzida, em Março, a propósito da comemoração do 50.º aniversário do Tratado de Roma, a Declaração de Berlim, onde os governos de todos os Estados-membro manifestavam a intenção de chegar a acordo sobre um novo tratado a tempo de ser ratificado antes das eleições para o Parlamento Europeu de 2009.
O Governo PS de então, ao lado de Durão Barroso que presidia à Comissão Europeia, assumiria um importante papel no acelerar da concretização deste projecto. O famoso Conselho Europeu do «porreiro pá» de Outubro de 2007 acertou e aprovou as versões finais de um novo Tratado. Uma cópia da dita «Constituição Europeia» a que se mudou o nome, procurando atirar areia para os olhos dos povos perante aquilo que se revelou ser uma autêntica fraude política.
A 13 de Dezembro de 2007 seria assinado na capital portuguesa, pelos chefes de Estado ou de Governo dos 27 países da União Europeia, aquele que ficaria conhecido pelo Tratado de Lisboa.
«a UE respondeu à crise que enfrenta aprofundando os seus pilares neoliberal, federalista e militarista, reforçando suas políticas anti-sociais, securitárias, racistas, xenófobas, anti-democráticas e anti-comunistas, procurando restringir as decisões que exigem votação por unanimidade visando o reforço do poder das grandes potências, e alimentando as políticas de ingerência nos assuntos internos de países soberanos»
Era o início de um acidentado processo de ratificação, em que tudo seria feito para fugir a referendos e para privilegiar a aprovação pelos parlamentos nacionais, à revelia dos trabalhadores e dos povos. Importava não repetir as experiências francesa e holandesa de má memória. Portugal não fugiria à regra, com o PS, uma vez mais, a fingir-se esquecido da sua promessa eleitoral, contando, ontem como hoje, com o apoio estratégico do PSD. Assim, o povo português, sublinhe-se, mais uma vez, não seria chamado a pronunciar-se sobre uma matéria de tamanha importância para a defesa da sua soberania e independência nacionais. A Irlanda seria a excepção, embora tivesse que realizar os referendos necessários até dar o resultado desejado.
A 1 de Dezembro de 2009 seria, por fim, ratificado o Tratado de Lisboa!
Dez anos depois, para os trabalhadores e o povo português, esta década significou, por um lado, o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e em particular da crise na União Europeia e, por outro, o aprofundamento da integração de Portugal na UE e na União Económica Monetária, no Euro, com graves e dramáticas consequências para o País.
Foi a década dos PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento) do PS, do chamado «Programa de Assistência Económica e Financeira» – um verdadeiro pacto de agressão contra os trabalhadores, o povo e o país - que PS, PSD e CDS-PP, com o apoio do Presidente Cavaco Silva, subscreveram com a UE e o FMI e que gerou elevados níveis de desemprego, pobreza e emigração.
Foi a década em que: se acentuaram as desigualdades sociais e as assimetrias regionais e aumentaram os défices estruturais, nomeadamente o alimentar, o produtivo, o energético ou o tecnológico e que conduziram a uma crescente dependência; se intensificou a exploração e a concentração da riqueza; se agravou a destruição da produção nacional; se generalizou o saque e a depredação do erário e património públicos; se canalizaram mais recursos para os grandes grupos económicos e financeiros; se atacaram fortemente os salários e as reformas, os direitos laborais e sociais; se colocou sob fogo cerrado a soberania e a independência nacionais e o regime democrático.
É certo que o resultado das eleições legislativas de Outubro de 2015 permitiu interromper este caminho de desastre nacional e abrir espaço para a reposição e conquista de direitos, com limitações face à submissão do Governo do PS às imposições e constrangimentos da UE que, servindo os interesses do grande capital, continua a impedir uma resposta real aos problemas estruturais do país.
Nesta década, a UE respondeu à crise que enfrenta aprofundando os seus pilares neoliberal, federalista e militarista, reforçando suas políticas anti-sociais, securitárias, racistas, xenófobas, anti-democráticas e anti-comunistas, procurando restringir as decisões que exigem votação por unanimidade visando o reforço do poder das grandes potências, e alimentando as políticas de ingerência nos assuntos internos de países soberanos.
Concluindo, foi sem dúvida uma década «porreira», mas só para o grande capital!
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