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As mudanças climáticas como arma de guerra

Existe nos Estados Unidos a ambição de usar a manipulação do clima e da meteorologia como arma de guerra. Não consta que as conferências sobre as alterações climáticas das Nações Unidas (COP) abordem esta vertente do assunto.

Tempestade sobre um aeroporto militar dos EUA.
Créditos / 4Kwallpaper.org

Os Estados Unidos dispõem desde o início dos anos noventa do século passado de Técnicas de Modificação Ambiental (ENMOD)1 com objectivos militares; em meados da mesma década a Força Aérea norte-americana criou condições operacionais no Alasca para interferir no ambiente de modo a desencadear poderosos fenómenos meteorológicos; e a mesma Força Aérea norte-americana tem há quase 25 anos em seu poder um relatório que definiu o horizonte de 2025 para se tornar «dona da meteorologia». Em tempos de acesas discussões sobre alterações climáticas é intrigante que dados como estes, do domínio público, não sejam parte do debate e escapem à agenda ecologista.

«Alterações meteorológicas irão tornar-se parte da segurança nacional e internacional e podem ser produzidas de modo unilateral», lê-se num relatório da Força Aérea dos Estados Unidos que data de Agosto de 1996 e tem o seguinte título: «A meteorologia como um multiplicador de força. Ser dono do tempo em 2025».

Ora 2025 é já amanhã. O relatório sublinha que as alterações meteorológicas «podem ter aplicações ofensivas e defensivas e até ser utilizadas como meio de dissuasão». Além disso, «a capacidade para gerar chuva, neblina e tempestades na Terra ou modificar a meteorologia no espaço (…) e a produção de condições meteorológicas são parte integrante das tecnologias militares».

«A geoengenharia é um conceito de manipulação do ambiente de maneira a proporcionar alterações meteorológicas e ambientais supostamente consideradas necessárias para combater a deterioração ecológica. Além de ser um dos negócios com perspectivas mais lucrativas dos tempos que correm, e que envolve pesos-pesados da economia e finança globais, é evidente que os sectores da guerra não poderiam ficar-lhe indiferentes»

Este relatório está longe de ser o pontapé de saída de um processo conducente à manipulação da meteorologia e do clima para efeitos de guerra. Há cerca de 70 anos, o matemático John von Neumann, em colaboração com o Pentágono, anteviu a existência de «formas de guerra climática ainda inimagináveis»2.

Inimagináveis, mas não por muito tempo. Menos de 20 anos depois, em plena guerra do Vietname, os Estados Unidos puseram em marcha a «Operação Popeye»3 para aplicação de técnicas de «sementeira de nuvens». O objectivo básico era o de prolongar a época das monções para tentar bloquear as rotas de abastecimento dos patriotas vietnamitas.

Década de noventa: a teoria e a prática

A década de noventa do século passado foi um período fértil de trabalho sobre a intervenção no clima e nas condições meteorológicas para fins militares. Viviam-se os tempos de desenvolvimento da chamada «Guerra das Estrelas» lançada durante a administração Reagan (1980-1989) com o objectivo de militarizar o espaço.

Em Agosto de 1996 foi conhecido o relatório da Força Aérea abrindo o horizonte até 2025 para assumir o controlo da meteorologia.

«A aplicação apropriada de modificações meteorológicas pode proporcionar o domínio do campo de batalha num grau nunca antes imaginado», lê-se no documento. «No futuro, essas operações irão aumentar a superioridade aérea e espacial e fornecerão novas opções para definição» do próprio campo de batalha.

Um dos capítulos do documento intitula-se «Porque queremos intervir nas condições meteorológicas?». O relatório explica as variáveis dessas modificações, «suaves» ou «extremas», sendo estas «a criação de padrões meteorológicos completamente novos, o controlo de tempestades graves e até a alteração global do clima numa escala de longo alcance e/ou longa duração». Os casos mais «suaves» são os de «induzir ou suprimir chuva, nuvens ou neblinas por curtos períodos de tempo e em escala territorial mais reduzida».

Uma das possibilidades das modificações é a supressão e/ou intensificação dos padrões meteorológicos existentes. Numa palavra: manipulação.

O relatório, recorda-se, é de índole teórica e com o objectivo de as forças militares norte-americanas serem «donas do tempo até 2025».

Na altura em que este documento foi conhecido, porém, já o Pentágono passara da teoria à prática no quadro dos projectos inseridos na «Guerra das Estrelas».

«Um relatório que perspectiva como apoderar-se da meteorologia até 2025, as primeiras acções para militarizar o tempo realizadas ainda na guerra do Vietname, o projecto HAARP, a corrida à geoengenharia montam um cenário perante o qual é preciso ser-se muito ingénuo para não reconhecer o óbvio: existe nos Estados Unidos a ambição de usar a manipulação do clima e da meteorologia como arma de guerra»

Um documentário da CBC News TV revelou a existência no Alasca do Projecto HAARP (High-frequency Active Auroreal Research Program)4, sob a tutela da Força Aérea, dotado de capacidades para desencadear tempestades, terramotos, cheias e secas. Nesse âmbito funciona um sistema de aquecimento da ionosfera susceptível de transformar o clima em arma de guerra. De acordo com o documentário, o projecto estava operacional; posteriormente suscitou preocupações mesmo em aliados dos Estados Unidos, designadamente a União Europeia.

Na verdade, o HAARP foi concebido como uma arma de destruição massiva que opera a partir da atmosfera e pode desestabilizar sistemas agrícolas e ecológicos em todo o mundo. O objectivo oficial da sua criação foi «estudar, simular e controlar os processos ionosféricos que poderiam mudar o funcionamento das comunicações e sistemas de vigilância».

Geoengenharia, CIA e COP’s

De acordo com a narrativa oficial norte-americana, o sistema montado no Alasca foi encerrado em 2014. A tecnologia operacional, porém, existe e, no mínimo, foi testada durante vinte anos. O projecto de «guerra das estrelas» foi oficialmente cancelado mas, como ficámos a saber através da recente cimeira da NATO em Londres, a militarização do espaço é um objectivo «defensivo» dos Estados Unidos e da aliança.

Suponhamos, no entanto, que a existência do projecto HAARP, em si mesma, não permite extrair conclusões definitivas sobre a pretensão norte-americana de manipular o clima e o ambiente com objectivos militares. Enquadrada, porém, num conjunto de acções teóricas e práticas desenvolvidas nas últimas décadas não deixa dúvidas quanto às verdadeiras intenções.

Mesmo que o HAARP tenha sido encerrado, a sua existência operacional durante 20 anos não pode ser desligada do desenvolvimento dos projectos de geoengenharia que são hoje uma realidade, ironicamente para proporcionarem a «adaptação» do planeta às alterações climáticas que se verificam. A geoengenharia é um conceito de manipulação do ambiente de maneira a proporcionar alterações meteorológicas e ambientais supostamente consideradas necessárias para combater a deterioração ecológica. Além de ser um dos negócios com perspectivas mais lucrativas dos tempos que correm, e que envolve pesos-pesados da economia e finança globais, é evidente que os sectores da guerra não poderiam ficar-lhe indiferentes.

«A militarização meteorológica e climática é a grande prova de que não é possível separar artificialmente – como é prática comum – a luta contra as mudanças climáticas do combate contra a guerra. São uma e a mesma acção, transversal à sociedade, que não se compadece com a existência de nichos e clientelas enredadas em ineficácia»

Notícias que circularam a partir de 2013, portanto ainda antes do «encerramento» oficial do HAARP, dão conta de que a CIA está envolvida no apoio a um projecto atribuído à Academia Nacional das Ciências (NAS) dos Estados Unidos precisamente sobre geoengenharia e manipulação do clima. O objectivo declarado é o de analisar «as preocupações para a segurança nacional relacionadas com as tecnologias de geoengenharia em qualquer lugar do mundo».

Um porta-voz departamental da CIA, Christopher White, declarou a propósito que «num assunto como as alterações climáticas a agência trabalha com cientistas para entender melhor o fenómeno e as suas implicações na segurança nacional». As notícias deram igualmente conta do «medo» sentido por um cientista sénior quando os serviços de inteligência norte-americanos lhe fizeram perguntas sobre a possibilidade de transformar o clima numa arma.

Um relatório que perspectiva como apoderar-se da meteorologia até 2025, as primeiras acções para militarizar o tempo realizadas ainda na guerra do Vietname, o projecto HAARP, a corrida à geoengenharia montam um cenário perante o qual é preciso ser-se muito ingénuo para não reconhecer o óbvio: existe nos Estados Unidos a ambição de usar a manipulação do clima e da meteorologia como arma de guerra.

No entanto, não consta que as conferências sobre as alterações climáticas das Nações Unidas (COP’s) abordem esta vertente do assunto, talvez a mais dramática e decisiva de todas elas porque uma vez em movimento não terão, sequer, um «ponto de não retorno» que possa ser medido em anos. Ao secretário-geral da ONU, tão prolixo sobre o tema das alterações climáticas, não se lhe conhece qualquer alusão à militarização do clima. E os media corporativos, que recentemente se tornaram eco da milagrosa conversão dos grandes poluidores do planeta em regeneradores ecológicos, ainda não chegaram à faceta belicista do assunto. E provavelmente não chegarão. Estamos perante um tabu: por isso, é necessário que a evolução do processo decorra sob a capa de secretismo própria das coisas militares.

Qual direito internacional?

A militarização meteorológica e climática é a grande prova de que não é possível separar artificialmente – como é prática comum – a luta contra as mudanças climáticas do combate contra a guerra. São uma e a mesma acção, transversal à sociedade, que não se compadece com a existência de nichos e clientelas enredadas em ineficácia.

As Técnicas de Modificação Ambiental (ENMOD) integram o arsenal de armas consideradas de destruição massiva, por sinal bastante mais reais estas do que as jamais encontradas no Iraque.

No afastado ano de 1977, e dando provas de uma notável capacidade de antecipação, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Convenção para a proibição do uso militar ou qualquer outro uso hostil de Técnicas de Modificação Ambiental «que tenham efeitos generalizados, duradouros ou graves»5. Quinze anos depois, em 1992, foi aprovada a Convenção contra as mudanças climáticas, para «evitar as alterações climáticas perigosas».

A militarização do clima e da meteorologia, como arma de destruição massiva, é uma ameaça ao planeta e um crime contra a humanidade. Nesse sentido, o Direito Internacional teria instrumentos para bani-la da face da Terra.

Se o Direito Internacional funcionasse.

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