Este sábado terá lugar, em Washington D.C., a segunda «Marcha pela Ciência», estando planeadas mais de 200 marchas satélite noutras localidades dos EUA e do mundo. A primeira teve lugar em Abril de 2017, tendo reunido, segundo os promotores, mais de um milhão de pessoas em 600 locais pelo mundo fora. Após o sucesso da «Marcha das Mulheres» em Janeiro desse ano, a «Marcha pela Ciência» fora convocada no rescaldo da tomada de posse de Trump e das suas afirmações durante a campanha, demonstrando ignorância e desdém pela verdade e pelo consenso científico, promovendo por exemplo a falsa ideia de uma relação entre vacinação e autismo; argumentando que as lâmpadas «amigáveis do ambiente» causam cancro e que os moinhos de vento para recolha de energia eólica destroem o ambiente, enquanto louvava as virtudes do «carvão limpo»; ou rejeitando a ideia de alterações climáticas, afirmando tratar-se de uma farsa criada pelos chineses para atacar a competitividade da manufatura dos EUA. Passado um ano persistem razões para preocupação.
Mais de 440 dias desde a inauguração de Trump, o Presidente ainda não nomeou ninguém para os dois altos cargos de conselheiro científico, o período mais longo sem ocupação destes postos desde que foram criados. A proposta orçamental da Casa Branca para 2018 incluía cortes transversais para a Investigação e Desenvolvimento (I&D), incluindo um corte de 31% para a EPA, a Agência de Protecção do Ambiente, mas o Congresso ignorou muitas dessas propostas e acabou por aprovar um orçamento com aumentos orçamentais para praticamente todas as agências federais de I&D. Apesar deste reforço, contrário aos desígnios de Trump, persistem elementos que revelam um sistema científico condicionado e comprometido pelo sector político e económico. Por exemplo, em Agosto, o Departamento do Interior suspendeu um estudo da Academia Nacional de Ciência sobre os impactos da exploração do carvão sobre os residentes dos Montes Apalaches. Em Dezembro, ordenou à Academia que terminasse um estudo sobre a capacidade do Departamento monitorizar as operações petrolíferas marinhas, estudo integrado na prevenção de riscos à saúde pública e ambiental, no seguimento do desastre Deepwater Horizon, em 2010.
Uma das áreas onde a Presidência Trump tem sido mais lesiva é na área do ambiente. O ataque generalizado às funções reguladoras do Estado levou já à eliminação de mais de 33 regras de protecção ambiental, incluindo eliminação de limites à poluição e regulação do tratamento de esgotos; fim da obrigatoriedade de mitigação ambiental em projectos federais e à limpeza de explorações mineiras; fim de restrições à pesca, e à caça de ursos e lobos no Alaska; uso de certos pesticidas; fim da suspensão de exploração petrolífera no Atlântico e Ártico, e de novas concessões mineiras em terras públicas; autorizar os oleodutos de Keystone XL e Dakota Access, etc. Muitas outras regulações e protecções estão na calha: revisão do estatuto de 10 monumentos nacionais e 12 áreas marinhas protegidas, e a abertura à possibilidade de exploração petrolífera em parques nacionais; eliminação de normas de eficiência de combustível automóvel, e fim de incentivos ao desenvolvimento de formas de «energia limpa», etc. E claro, a decisão mais visível, a saída dos EUA do Acordo Climático de Paris. Transversalmente, as alterações fazem claramente a vontade dos sectores de energia de hidrocarbonetos (carvão, petróleo e gás natural).
Scott Pruitt, o Director da EPA, a Agência de Protecção do Ambiente, tem estado ultimamente sob fogo devido a vários comportamentos escandalosos e abusivos do erário público, incluindo gastos tremendos com bilhetes de primeira classe (mesmo em voos domésticos) e estadias em hotéis de luxo; uso de equipas de segurança a tempo inteiro de 20 pessoas custando milhões de dólares; construção de uma cabine à prova de som no seu gabinete no valor de USD$43,000 e outros gastos paranóicos com segurança; utilização de uma obscura regra da Lei da Água Potável para aumentar salários de membros da sua equipa, etc.
Pruitt tem também dado resposta ao ensejo de Trump em reduzir o número de trabalhadores da EPA. Centenas de pessoas demitiram-se, pediram reforma ou rescindiram contrato desde que Pruitt assumiu o cargo. Entre Abril e Dezembro foram cerca de 770, incluindo mais de 200 cientistas, uma centena de especialistas do ambiente – que, entre outras coisas, monitorizam níveis de poluição –, dezenas de advogados especialistas em direito ambiental e nove directores de departamento. A maior parte destes postos não irão ser preenchidos, deixando a agência enfraquecida em termos de experiência e capacidade de acção.
Apesar de um crescente apelo à demissão de Pruitt, o Presidente, que recentemente tem feito inúmeras alterações ao seu círculo, tem respondido com votos de confiança em Pruitt. O parágrafo anterior fornece a explicação: Pruitt tem cumprido o seu serviço de destruição de regulações ambientais. É necessário acrescentar que Pruitt dúvida das alterações ambientais e impôs limites à linguagem na EPA sobre o tema?
Mas Pruitt continua a enfrentar ataques. Na semana passada, 14 Estados processaram a EPA por não emitir regulações às emissões de metano, um potente gás de estufa, por parte de operações petrolíferas, como exigido pela Lei do Ar Limpo. Os Estados – incluindo a Califórnia, Nova Iorque, Pensilvânia, e também as cidades de Chicago e Washington DC – acusam Pruitt de colocar os interesses das empresas de hidrocarbonetos (responsáveis pela libertação de um terço das emissões de metano dos EUA) à frente da obrigação legal de proteger a qualidade do ar. E a luta continuará também, neste sábado, quando os cientistas estiverem nas ruas, em defesa da ciência, do ambiente, e da verdade.
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