«Não há mau tempo que páre a luta dos trabalhadores da Administração Pública», gritaram ao megafone elementos da organização da manifestação convocada pela Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública (CGTP-IN).
«Agora que há excedente, que venha para a gente» e «para a banca e capital há milhões, para os trabalhadores há tostões», foram algumas das palavras de ordem entoadas pelos manifestantes.
Esta é a primeira greve nacional da função pública desde que o actual Governo liderado por António Costa tomou posse, em Outubro, e acontece a menos de uma semana da votação final global da proposta de Orçamento do Estado para 2020 (OE2020), marcada para 6 de Fevereiro.
O AbrilAbril esteve na manifestação e recolheu declarações de alguns trabalhadores e dirigentes sindicais, que explicaram o que trouxe estes milhares de pessoas à rua. De vários sectores, aquilo que unia todos estes profissionais era a exigência de aumentos salariais «dignos» e da valorização daqueles que trabalham para o Estado.
«Prometeram que 2020 seria o ano de valorização salarial na administração pública, mas a verdade é que a montanha pariu um rato e fomos confrontados com esta provocação de 0,3% de aumento, […] no OE, são 70 milhões para aumentos na função pública e quase 4 mil milhões para as PPP e o Novo Banco, e esta disparidade é reveladora das opções políticas deste Governo»
João Coelho
João Coelho, dirigente da região de Lisboa do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL/CGTP-IN), afirmou que o Governo nunca se disponibilizou para negociar, apesar de a Frente Comum ter apresentado as suas reivindicações em Setembro. «Prometeram que 2020 seria o ano de valorização salarial na Administração Pública, mas a verdade é que a montanha pariu um rato e fomos confrontados com esta provocação de 0,3% de aumento», disse.
Considerando que havia uma «expectativa» em relação ao percurso que foi iniciado na anterior legislatura, o caminho de melhoria das condições de vida «não se está a verificar». «Basta ver o que está no OE, são 70 milhões para aumentos na função pública e quase 4 mil milhões para as PPP e o Novo Banco, e esta disparidade é reveladora das opções políticas deste Governo», frisou o dirigente.
«Se não fossem estes trabalhadores [em funções públicas e sociais], as populações não tinham acesso aos serviços públicos, por isso esta também é uma luta em sua defesa»
Joaquim Ribeiro
Relativamente ao sector do Ensino Superior e da Ciência, Joaquim Ribeiro, do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas (STFPSSRA/CGTP-IN), disse que na manifestação também ficou representada a luta contra a precariedade. Lembrando que apesar do PREVPAP a maior parte dos bolseiros de investigação não viram o seu vínculo com o Estado alterado, o dirigente sublinhou que o Governo «defraudou» as expectativas dos trabalhadores e que não lhes garantiu a recuperação do poder de compra.
«Se não fossem estes trabalhadores, as populações não tinham acesso aos serviços públicos, por isso esta também é uma luta em sua defesa», disse.
Também os professores estiveram em peso na manifestação. António Cunha, professor do 2.º ciclo, veio no quadrado do Sindicato dos Professores do Norte (SPN/Fenprof) exigir mais direitos para o sector. Insistindo na recuperação dos seis anos, seis meses e 23 dias que não foram contabilizados, António Cunha lembrou que esse foi «tempo trabalhado», pelo que deve contar no imediato para a retribuição mas também para a aposentação.
«Somos considerados estudantes mas somos trabalhadores e queremos trabalho com direitos, com uma carreira de investigação científica e o fim do regime de bolsas»
Carolina Rocha, bolseira
«Mais de dois terços da profissão não chegam ao topo da carreira. Eu tenho 24 anos de serviço e estou no terceiro escalão, devia estar no sétimo», disse, acrescentando que essa também é uma das razões por que não há jovens na profissão. «A média de idades ronda os 50 anos, daqui a cinco anos saem 12% dos professores, daqui a dez anos 40%, como vai ser o futuro se não se valorizar a profissão?», perguntou.
De Bragança veio José Freire, dirigente do STAL, que, apesar de ter saído de casa de madrugada, não tinha dúvidas que «o dia de hoje assim o exigia». «Desta forma não conseguimos viver e viemos com um autocarro cheio dizê-lo», frisou, afirmando que esta luta interessa também aos trabalhadores do privado porque os direitos na Função Pública dão o exemplo para o País avançar.
A Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) também se fez representar e Carolina Rocha disse que não aceitam que o Governo continue a fazer promessas que depois retira. «Iam acabar as bolsas de pós-doc e agora voltaram com uma nova figura, não havendo perspectivas de abertura de concursos e de se garantirem contratos de trabalho para todos os investigadores», lamentou. «Somos considerados estudantes mas somos trabalhadores e queremos trabalho com direitos, com uma carreira de investigação científica e o fim do regime de bolsas», referiu, acrescentando que «não se esquecem que estão a produzir ciência para o desenvolvimento do País».
Do sector social, encontrámos Helena Martins, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais (STFPS/CGTP-IN), que criticou o facto de o aumento do salário mínimo nacional servir para desvalorizar os restantes salários, em vez de ser o ponto de partida para o aumento dos outros níveis remuneratórios. «O Estado tem que dar o exemplo e ser o indicador da valorização salarial. E neste sector, que assegura funções públicas, os trabalhadores não podem aceitar condições de trabalho indignas», referiu.
«Queremos ser reconhecidos a par dos médicos e dos enfermeiros pelo papel que desempenhamos juntos no tratamento dos doentes, de forma que traduza também o nosso percurso e as nossas competências»
Marta Mesquita
A representar as reivindicações dos enfermeiros estavam muitos profissionais de todo o País. Rui Marroni, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP/CGTP-IN), afirmou que o descongelamento é uma das principais bandeiras dos enfermeiros e que é um processo que «nasceu coxo». Apesar de haver um compromisso escrito desde 2018, o Estado «não cumpre as suas obrigações» e não respeita os profissionais que garantem o funcionamento do SNS, disse o sindicalista.
Também os técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica estiveram presentes na manifestação. Marta Mesquita, dirigente do Sindicato dos Técnicos Superiores de Saúde das Áreas de Diagnóstico e Terapêutica (STSS) lembrou as questões concretas desta classe profissional, que tem um diploma para uma nova carreira mas ficou «muito aquém das expectativas». «Queremos ser reconhecidos, a par dos médicos e dos enfermeiros, pelo papel que desempenhamos juntos no tratamento dos doentes, de forma que traduza também o nosso percurso e as nossas competências», afirmou, lembrando que a sua luta também é pela defesa do SNS, que é uma «mais-valia» do País.
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