Abel Prieto, escritor, intelectual e político cubano, é o actual presidente da Casa das Américas e foi ali, na Casa que levanta a voz da América Latina, em Havana, que no mês passado concedeu uma entrevista ao jornalista Omelio Esteban Borroto Leiseca, do portal Cubadebate, cuja segunda parte se centra nas «implicações da pandemia» a vários níveis.
«Foi trágico, dramático, mas deixou um saldo em termos de reflexão, análise, auto-análise em muitos casos, de pensar nas coisas que valem a pena, em toda essa falsa felicidade consumista que nos venderam como meta», disse.
O escritor cubano referiu-se ao golpe duro sofrido pelo «nosso planeta e sobretudo as pessoas mais vulneráveis, porque para milhões de pessoas no mundo esta epidemia chegou quando já estavam a sofrer os efeitos de outra epidemia: o neoliberalismo».
Neste sentido, sublinhou que a desigualdade se reflectiu nas «quarentenas» e nas «distâncias sociais», e destacou a situação daqueles que vivem nas ruas, debaixo dos túneis ou em casas de cartão e lata. «Os pobres da Terra, como dizia Martí, com esses se pegou esta terrível doença», disse.
«O neoliberalismo foi um genocídio quotidiano, não tão espectacular como a Covid-19, mas sem dúvida tão letal como este vírus, que em termos ideológicos, culturais está a deixar um saldo analítico importantíssimo», disse, acrescentando que «as pessoas concordam que não se pode voltar ao ponto inicial; muita gente diz "não quero voltar à normalidade", porque naquela normalidade já estava o problema».
«Caíram muitas máscaras, o egoísmo que é intrínseco ao sistema capitalista, sobretudo na sua versão neoliberal, esse egoísmo verdadeiramente desapiedado», afirmou Abel Prieto, que lembrou as disputas entre países ocidentais «aliados» pelas máscaras. «Apercebes-te de que, quando se solta esse egoísmo desenfreado, não há alianças que valham, nem muito menos amizades ou afinidades», disse.
Esperança, medos e a razão de Fidel
«Estas lições, associadas ao respeito pela vida do ser humano, a não pensar que há seres humanos que têm mais direito que outros a ser atendidos, a sobreviver, tudo isso tem uma parte que diria de esperança», defendeu, referindo-se àqueles que vêem «uma oportunidade para lutar, para semear ideias, para semear consciência».
Existe «a esperança – disse – de que se abram caminhos mais razoáveis de cooperação, colaboração e solidariedade», e, quanto aos cubanos, defendeu que têm razões para se sentirem muito orgulhosos, uma vez que o prestígio do país, dos seus médicos, do seu sistema de saúde, da sua ciência e dos seus cientistas «realmente está lá em cima».
Por outro lado, lembrou os alertas de quem vê o aproveitamento que «as elites privilegiadas das corporações que controlam o mundo e dos políticos ao seu serviço» podem fazer do pânico, do medo, do estado de choque associado a uma situação como a actual, no sentido de «reforçar o controlo da população, para que caia numa espécie de estado traumático, não tenha possibilidades de organizar uma resistência».
«Estamos a viver uma etapa tenebrosa que nos deu razão», disse. «O número do genocídio quotidiano do neoliberalismo não está em lado nenhum; mas a Covid-19 deu razão a Fidel, deu-lhe razão em muitos sentidos. Fidel disse sempre […] que o capitalismo e o neoliberalismo significavam um genocídio para a humanidade; isso, disse-o sempre Fidel, e aquilo que o coronavírus faz é tornar mais evidente, escandaloso, mediático esse genocídio, que às vezes ocorre em silêncio, os mortos de que nem eu nem tu nos apercebemos, porque morrem nas favelas», denunciou.
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