A relevância do turismo é tão significativa para as economias que a esmagadora maioria dos governos dos vários países do mundo procuram alavancar este crescimento o mais possível, com todo o tipo de acções de marketing e publicidade. A título de exemplo, quando a FamilyBreakFinder fez um levantamento dos slogans turísticos no mundos, apenas identificou 38 países que não dispunham de um.
Portugal, obviamente, não é excepção à regra. A aposta nas acções de captação de turismo, nacional e internacional, tem sido uma realidade ano após ano.
Nos anos 60, com a construção dos aeroportos de Lisboa e Funchal e dos grandes empreendimentos turísticos no Algarve, em Tróia e na Madeira, aparecem slogans como «há sempre um Portugal desconhecido que espera por si».
Nos anos 80 dá-se a criação da Secretaria de Estado do Turismo e do Plano Nacional de Turismo. Desde então, as iniciativas de atracção de turismo não têm parado.
Desmistificamos aqui duas ideias fundamentais que a comunicação social nos tenta passar amiúde: o carácter único de Portugal, com as suas riquezas naturais e históricas, que pese embora seja real, é também ele apregoado por grande parte dos outros países da União Europeia (UE), e a ideia de vanguarda da aposta no turismo em Portugal, uma vez que esta remonta já aos anos 60.
Uma das mais recentes campanhas lançadas pelo turismo de Portugal dá pelo nome de #TuPodes e parece quase um revivalismo de uma outra lançada em 95 e 96 (vá para fora cá dentro). O objectivo é promover o turismo interno em Portugal.
A campanha, à primeira vista, parece fazer todo o sentido nos dias de hoje, com as restrições de mobilidade aplicadas devido à pandemia. Apelar ao mercado interno parece ser uma das alternativas para dar alguma vitalidade a um sector tão devastado como foi o turismo.
Depreende-se assim que, no cenário actual, existe mais oferta do que procura e, como tal, o objectivo é estimular a procura, com recurso a acções de marketing, para atrair consumidores do mercado interno.
Ou seja, em circunstâncias normais, a procura externa serviria este mercado; mas no quadro actual é necessário atrair outro tipo de consumidores com características bem distintas dos primeiros no que respeita ao seu poder de compra e willingness to pay.
O valor máximo que o consumidor está disposto realmente a pagar por um produto ou serviço torna-se assim diferente do anteriormente registado. Para o cálculo deste valor concorrem variáveis como a atractividade do produto/serviço no contexto, a percepção pelo cliente do valor e da qualidade do produto/serviçoe, evidentemente, o estado da economia onde este produto/serviço é apresentado.
Ora, aqui reside uma das questões fundamentais. Portugal apresenta um salário médio de 943€, longe da média europeia, (sobretudo se tivermos em conta os valores praticados nos países de origem dos que nos visitam), pelo que se torna difícil perceber qual será o impacto dessa variável neste mercado.
Mais complexo se torna o caso quando consideramos que uma parte do mercado alvo (trabalhadores portugueses) tem no turismo a sua fonte de rendimento. Segundo o Turismo de Portugal, o turismo tinha em 2019 um peso na economia de 6,9% (336,8 mil empregos) entre restauração, hotelaria e agências de viagens.
Há quem preconize que, caso a ocupação hoteleira não atinja uma taxa de 50%, o sector turístico não atingirá o break-even, o que obrigaria ao prolongamento do lay-off simplificado, para garantir os empregos ainda viáveis.
Fica difícil perceber o teor desta estratégia do #tupodes: incentivar um mercado, composto por um conjunto de pessoas que estão a ser penalizadas, a promover uma oferta que está em crise e que, directa ou indirectamente, também está a contribuir para o agravamento dessas penalizações.
Para além de tudo isto, a Oxford Economics estima que Portugal terá uma redução de 7 milhões de entradas internacionais este ano, uma queda de 40% face ao ano de 2009. E que, na Europa, os países mais afectados com a queda do turismo serão os do sul, com uma queda a rondar também os 40%, após ter crescido 5% no ano anterior.
Sejamos francos, o panorama económico não é animador para este ano; a ciência diz-nos que, infelizmente, a Covid-19 veio para durar e não será seguramente apenas com o lançamento de campanhas publicitárias de divulgação do país que iremos relançar a economia.
Agora, mais do que nunca, é importante encarar todos os aspectos da economia nacional tal como estamos a reconhecer os problemas no turismo e procurar soluções noutros sectores industriais vigentes em Portugal.
A aposta no turismo é bem-vinda, como também o seria em sectores tão importantes como o têxtil, vestuário, conservas de peixe e outros sectores vitais para a economia que, desde há tantos e tantos anos, têm estado esquecidos.
É necessário deixar de lado a ideia de que somos apenas a estância de veraneio dos países do norte e querer teimosamente manter, apenas e só, esta condição através de campanhas de marketing, negando as evidências, mesmo no decurso de uma pandemia a nível mundial. E, tal como outros países, apostar em dinamizar outros sectores com vista a diversificar tanto quanto possível a nossa economia.
Proponho que o slogan turístico nos leve mais para além do turismo: «tu podes» não só promover o turismo, como também todos os outros sectores que devem contrabalançar uma economia estável e forte!
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