A presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, anunciou que se retira da corrida eleitoral, a um mês das eleições gerais no país, que se realizam no próximo dia 18 de Outubro.
O anúncio, segundo a Lusa, foi feito um dia depois de ter sido conhecida uma sondagem que dão uma clara liderança (29,2%) ao Movimento para o Socialismo (MAS), cujo candidato à presidência é Luis Arce, antigo ministro da Economia de Evo Morales. Áñez apenas ocupa o quarto lugar (7,7%) atrás de Carlos Mesa (19%) e Luis Fernando Camacho (10,4%).
A sua desistência foi apresentada como uma tentativa de unir a direita em torno de uma destas candidaturas, para impedir a vitória do candidato do MAS: «se não nos unirmos, Morales regressa», avisou.
Na verdade, trata-se de uma estrondosa derrota para alguém que recorreu a todos os meios para se eternizar no poder, apesar de todas as promessas em contrário, e marca o isolamento a que chegou, mesmo entre os seus parceiros no golpe de Estado.
Os dez meses de Áñez à frente de um governo composto por «empresários proeminentes» foram marcados por políticas neoliberais marcadamente antipopulares e de favorecimento da oligarquia local, tendo como objectivo principal fazer retroceder as conquistas sociais alcançadas durante as presidências de Evo Morales, internacionalmente reconhecidas.
A aplicação destas políticas, largamente contestada pelos bolivianos, foi acompanhada de uma feroz repressão dos que se lhe opunham e perseguição sistemática dos opositores, em particular dos representantes e apoiantes do MAS e de organizações populares, camponesas e indígenas.
O governo Áñez fica também marcado por casos de corrupção e nepotismo entre os cargos por si nomeados, que fizeram cair nove dos vinte ministérios que o compunham.
Comentando a renúncia de da presidente «de facto», Evo Morales, segundo a Telesur, considerou-a uma tentativa de sair impune dos «escandalosos casos de corrupção» da sua gestão e «do genocídio» de Senkata e Sacaba, e que «a reedição de uma tristemente famosa megacoligação», na «situação crítica» que o país atravessa, é uma tentativa para que «aqueles que protagonizaram a crise neoliberal» continuem «o saque da Bolívia».
Carmen Pareja Rondón, em entrevista citada pela Hispan TV, afirma que Áñez, cujo papel foi o de evitar que o MAS regressasse ao poder, procura «algum tipo de acordo de impunidade» para os actos por si praticados, e está a apostar em Carlos Mesa por este ser o candidato mais bem colocado para isso.
Segundo a analista, a autoproclamada presidenta chegou ao poder de uma forma no mínimo «anómala» e a pergunta a fazer não é porque sai da corrida eleitoral agora, mas sim porque não o fez antes.
De facto, não eleita
A actual ex-candidata assumiu a presidência da Bolívia durante o golpe de Estado do ano passado e no meio de um clima de terror, na sequência da renúncia e partida para o exílio, a 10 de Novembro, do presidente constitucional Evo Morales e do seu vice-presidente Álvaro García Linera, para evitar um banho de sangue no país andino.
Áñez, à altura vice-presidente do Senado, autoproclamou-se presidente na sessão de 12 de Novembro, com a ausência dos deputados do partido maioritário, o MAS, impedidos de entrar pelos golpistas. Alegou a renúncia de todas as figuras de Estado que a precediam, como previsto na Constituição, mas tal foi contestado pela presidente do Senado, Adriana Salvaterra, que retirou a sua renúncia antes da mesma ser apreciada pelo plenário e mantém ter-se tratado de uma nomeação ilegal.
Na véspera Áñez prometera realizar eleições em Janeiro seguinte, mas vinte dias depois dava a data da sua realização como indefinida. Em Dezembro o seu ministro da Presidência afirmava que ela nunca seria candidata nem apoiaria um candidato, mas a 24 de Janeiro Áñez formalizou a sua candidatura.
A presidente de facto nomeou para presidente do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) um jurista da sua confiança, Salvador Romero, visita frequente da embaixada dos EUA em Bolívia, conforme revelou a Wikileaks.
Romero, que inabilitou o popular Evo Morales de concorrer ao Senado, adiou sucessivamente a data das eleições, tendo chegado a afirmar, em Março de 2020, que as mesmas ficavam adiadas indefinidamente devido à pandemia, e apenas acabou por marcá-las para o próximo 18 de Outubro depois de fortes manifestações populares e de pressão nesse sentido pela maioria das forças políticas.
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