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O assalto ao Capitólio: hordas, sim, mas lá longe!

Com «Washington a arder», os líderes do «mundo livre» saíram em defesa da democracia e das suas instituições. No Sul da Síria, o seu silêncio ouvia-se entre as sirenes de alerta para novo ataque de Israel.

Créditos / @OVargas52

O Congresso dos EUA, numa sessão conjunta da Câmara dos Representantes e do Senado, já confirmou Joe Biden como novo presidente do país, depois de contar os votos emitidos pelo Colégio Eleitoral no passado dia 14 de Dezembro (306 contra 232) e antes da tomada de posse, marcada para 20 de Janeiro.

A confirmação dos votos ocorreu bem pela madrugada da Costa Leste, quando congressistas e senadores pensariam estar a dormir. Mas, como diz certo órgão de comunicação, o dia anterior foi «tumultuoso», pois, coisa «sem precedentes neste país», «manifestantes» atacaram o Capitólio – entraram nele à vontadinha, o que levou vozes maldosas, entre jornalistas e comentadores de ocasião nas redes sociais, a dizer que na América se malha bem é em pretos.

Os ditos «manifestantes», com bandeiras e bonés pró-Trump, com bandeiras e tatuagens da bandeira nacional, e com a pinta de supremacistas brancos e fascistas já vista noutras manifestações, interromperam a sessão da tarde, o escrutínio dos votos, irromperam pelo edifício adentro e abanaram os alicerces... da «nossa democracia».

Jornalistas a cobrir o assalto dos fascistas às instituições havia vários e não deixa de ser curioso topar como alguns viram mais estas coisas e outros mais aquelas.

Por exemplo, um Ollie Vargas que labora para o portal boliviano Kawsachun Coca não deixou passar em branco os que passavam na manifestação «de apoio a Trump» com bandeiras de Israel, os gusanos cubanos, os escuálidos venezuelanos ou os monárquicos iranianos. Toda uma trupe. Diz quem viu que ainda apareceram bandeiras do Vietname do Sul e do Tibete, e, se faltaram as de Hong Kong e dos rebeldes moderados da Síria – a dos «lutadores pela liberdade» contra as «ditaduras e os ditadores» de que a CIA não gosta –, é porque houve falhas graves de organização.

No canal de TV da CNN, em tom muito sério, falava-se em «atentado à nossa democracia» e em «traição» e houve quem garantisse que os agitadores (mobsters) iam parar todos à cadeia. A democrata Hillary Clinton (apodada de «Killary» por toda a mortandade que trouxe ao mundo) chamou aos fascistas «terroristas domésticos» e alertou que «a democracia é frágil» e precisa de ser protegida pelos «nossos líderes». Os crocodilos comoveram-se.

Que chato ver as salas e os corredores da nossa casa invadidos por hordas de extremistas da direita – «só vejo rebeldes moderados», dizia, mordaz, uma twitteira espanhola. Arrase-se Alepo, Raqqa e Deir ez-Zor; destrua-se a Líbia, o Afeganistão, a Síria e o Iraque; agite-se as hordas fascistas na Bolívia, na Nicarágua, na China-Hong Kong, na Ucrânia e na Bielorrússia; passe-se os povos do Irão, da Venezuela, de Cuba e da Síria pelo fio das sanções e dos bloqueios. Faça-se tudo isso e mais, que, não só não incomoda a vista, como, ainda por cima, é a democracia a ser levada aos regimes.

Da Alemanha à França, do Reino Unido a Espanha, da União Europeia à NATO, passando pela Colômbia, chegaram palavras de solidariedade, condenação enérgica e defesa da democracia. Jens Stoltenberg, o chefe da NATO, disse que as cenas em Washington causavam impacto e Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, disse que «assistir às imagens em Washington foi um choque».

Entretanto, Israel voltou a lançar mísseis para território sírio, sobre o Sul de Damasco. Eram 23h10, hora local. As patas da centopeia imperialista a funcionar e o mundo «chocado» em silêncio.

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