A solução de ouvir e respeitar a vontade das populações, que os vários eleitos autárquicos ouvidos pelo AbrilAbril entendem como «simples» de executar, esteve ausente na definição da chamada «reforma administrativa», aplicada pelo PSD e pelo CDS-PP em 2013, e volta a não ser tida em conta pelo actual Governo.
Desde a implementação da dita reforma que o PS vem prometendo reverter a injustiça de se terem riscado do mapa nacional mais de 1100 freguesias, mas a situação foi-se perpetuando e a proposta apresentada pelo Governo no passado dia 28 de Dezembro, de «criação, modificação e extinção de freguesias», além de não corrigir os erros resultantes da «lei Relvas», soma entraves à criação de outras a tempo das próximas eleições autárquicas.
Apesar do discurso oficial, nomeadamente por parte da ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, que na apresentação do diploma, esta manhã, voltou a socorrer-se de expressões como as da coesão territorial e da «lógica de proximidade», o Executivo coloca à cabeça um conjunto de apertados critérios que, tal como denunciou recentemente o MUSP, raiam a «desonestidade democrática».
Na proposta levada hoje a plenário, o Governo determina a obrigatoriedade da «garantia de vir a ter o mínimo de um trabalhador com vínculo de emprego público a transitar do mapa do pessoal da junta ou juntas de freguesia de origem, ou da respectiva câmara municipal» e a «existência de edifício adequado à instalação da sede da freguesia». De um total de nove critérios, o Governo exige que, juntamente com estes dois, se verifiquem pelo menos cinco dos previstos no diploma, quer para as novas freguesias, quer para as freguesias que lhes dão origem.
Em causa estão aspectos tão exigentes como a existência de, pelo menos, uma extensão de saúde (apesar destes equipamentos serem da competência da Administração Central), um equipamento desportivo, um equipamento cultural, um parque ou jardim público com equipamento lúdico ou de lazer infanto-juvenil, um mercado, um serviço associativo de protecção social dos cidadãos seniores e uma colectividade «que desenvolva actividades recreativas, culturais, desportivas ou sociais».
Entre outras imposições, como as que se referem ao número mínimo de eleitores (900) e à extensão do território, surge a «eficácia e eficiência da gestão pública», com o Governo a exigir às novas freguesias uma participação mínima no Fundo de Financiamento de Freguesias (FFF) correspondente a 30% do valor daquele fundo atribuído à freguesia ou freguesias que lhe dão origem.
Na freguesia do Sobralinho, agregada em 2013 com a de Alverca do Ribatejo, no concelho de Vila Franca de Xira, num total de cerca de 40 mil habitantes, não se verificam critérios como o da extensão de saúde, e também não é viável a participação mínima de 30% no FFF.
«Nesta união de freguesias, o orçamento da freguesia de Alverca, antes e depois da agregação, é quase o mesmo. Ou seja, além de se agregarem duas freguesias, retirou-se uma verba substancial daquilo que era a capacidade das juntas de responder às suas populações», exemplifica o presidente, concluindo que ambas «ficaram a perder», já que têm menos eleitos e menos capacidade financeira para dar resposta às necessidades das populações.
Quem obriga a haver foi quem extinguiu
Apesar de nas freguesias do Seixal, Arrentela e Aldeia de Paio Pires o cenário ser diferente, o presidente desta união é um dos críticos da proposta de lei do Governo por entender que não responde às necessidades das freguesias, além de ir contra as promessas que o Executivo foi realizando, designadamente nos dois últimos congressos da Associação Nacional de Freguesias (Anafre), onde foram aprovadas, por unanimidade, moções relacionadas com a reposição das freguesias, entre outras matérias.
António Santos alerta que, em 2013, havia autarquias que tinham, por exemplo, centros de saúde e postos de CTT, e que a Administração Central, que levou à sua extinção, não pode agora impô-los como condição. «Quem criou a lei levou à sua extinção e isso não é justo», realça, acrescentando que as freguesias «não querem ser mini-municípios».
Já o presidente da Junta das Freguesias de Alverca do Ribatejo e Sobralinho afirma que, tanto neste projecto de lei, como no que se refere à descentralização, as freguesias «continuam a ser tratadas como o parente pobre do Estado», subordinadas às câmaras municipais e «retirando daquilo que são serviços essenciais do Estado a [sua] própria capacidade de resposta».
No caso concreto das freguesias a que preside, Carlos Gonçalves afirma que elas estão dependentes da «vontade» da Câmara de Vila Franca de Xira, que na Área Metropolitana de Lisboa «é uma das que menos dinheiro transfere para as freguesias no âmbito da descentralização».
«Os contribuintes não são tratados do mesmo modo, não são todos iguais perante o Estado e isto é uma inconstitucionalidade», frisa o eleito, sublinhando que, ao criar critérios divergentes para as freguesias existentes e para aquelas que se queiram autonomizar, o Governo «está a criar o princípio de desigualdade perante a lei».
Esta manhã no Parlamento, a deputada do CDS-PP, Cecília Meireles, afirmando-se «radicalmente contra» a reposição das freguesias extintas, alegava não haver «melhor incentivo ao populismo e à demagogia» do que discutir a reposição das freguesias em ano de eleições autárquicas.
Pessoas sentem-se «abandonadas»
A provocação não ecoa na realidade, sobretudo desde que o corte de freguesias a régua e esquadro reduziu cerca de 20 mil eleitos e afastou as populações do centro de decisão. Neste campo, Carlos Gonçalves diz mesmo que a necessidade de resposta à população é «fundamental» para a vitalidade do processo democrático e que o distanciamento causado pelas agregações leva a que as pessoas se sintam «mais abandonadas».
«Todos esperam que o Estado, na sua proximidade, consiga dar o mínimo de respostas e aquilo com que hoje as freguesias estão confrontadas é que não têm uma lei de financiamento que lhes permita ter capacidade de resposta imediata às necessidades da população», observa.
Salienta que o descontentamento advém de a população não conseguir resolver os seus problemas e que as pessoas «não querem saber» se a competência é da junta de freguesia, da câmara municipal ou do Estado central. «Querem saber antes de respostas na proximidade e este processo de descentralização e reposição das freguesias está intrinsecamente ligado», sublinha.
Além disso, defende que, não tendo eleitos a tempo inteiro, as respostas são «muito mais difíceis» de concretizar. A área aumentou, o número da população aumentou e a capacidade de resposta diminuiu.
Perante a actual lei de financiamento, as freguesias só têm um presidente a tempo inteiro naquelas que têm mais de 20 mil habitantes, podendo ter dois a meio tempo, através do orçamento da própria freguesia.
«Até neste campo tem que haver uma evolução porque há necessidade de termos mais eleitos a tempo inteiro para poder aumentar a resposta às populações», defende Carlos Gonçalves. «Deste ponto de vista, o Sobralinho sente-se abandonado, como é óbvio, porque tinha um presidente a tempo inteiro e agora tem que o dividir com uma outra freguesia, que tem uma dimensão maior», afirma.
União representa 2/3 da população do concelho
Entre os aspectos criticados naquilo que António Santos apelida de «desorganização administrativa» está o afastamento das populações aos centros de decisão e a perda de identidade cultural e unidade territorial. Com a agregação das freguesias de Santa Maria do Castelo, Santiago e Santa Susana, em Alcácer do Sal, no distrito de Setúbal, em cujo território, maior do que a ilha da Madeira, há munícipes a cerca de 30 quilómetros da sede da junta de freguesia, este tornou-se o caso mais flagrante.
No terceiro lugar do pódio das maiores está a Junta das Freguesias de Nossa Senhora da Vila, Nossa Senhora do Bispo e Silveiras, no distrito de Évora. A agregação fez com esta união de freguesias passasse a ter um território de 419 quilómetros quadrados, transformando-se na terceira maior freguesia do País, albergando dois terços da população e um terço do território do concelho de Montemor-o-Novo.
António Danado, que preside a esta união, admite que a proposta de lei do Governo, que juntamente com os projectos do PCP e do PEV, de reposição de freguesias extintas, e do BE, «de criação, modificação e extinção de freguesias», baixou esta sexta-feira à discussão na especialidade, devia prever um regime excepcional para a correcção dos erros cometidos pela «lei Relvas», que apenas dependesse da vontade dos eleitos da assembleia de freguesia e da assembleia municipal.
No que respeita ao cumprimento dos critérios definidos para a reversão, admite que estas freguesias estavam em condições de passar no teste, salvo na questão dos 30% do FFF. Atendendo à dimensão das freguesias de origem, «é impossível que a freguesia das Silveiras venha a ter a participação mínima de 30% do valor do FFF da união de freguesias», refere. Neste sentido, António Danado recorda que, aquando da sua agregação, a freguesia das Silveiras tinha pouco mais de 400 eleitores, enquanto as restantes freguesias tinham, cada uma, mais de 4500.
«Uma das questões que nos revoltou foi ter-se inventado uma nova forma de maioria qualificada para as deliberações dos órgãos deliberativos, quer da freguesia, quer do município», afirma, acrescentando que, desde o 25 de Abril, «nunca tal maioria foi exigida em deliberações dos órgãos deliberativos, o que nos deixa também perplexos».
O eleito chama ainda a atenção para a «inconstitucionalidade» da forma como a comissão instaladora vai assumir poderes, «levando a uma dissolução de órgãos legalmente eleitos e podendo mesmo estar a gerir uma autarquia local por um período que, em bom rigor, poderá ser superior a três anos».
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