|Venezuela

Autoridades venezuelanas denunciam censura do Facebook a Nicolás Maduro

A decisão da empresa que gere a rede social de bloquear por 30 dias a conta de Maduro foi qualificada pela Venezuela como uma «extensão do bloqueio e do boicote» impostos ao país.

O presidente da República Bolivariana da Venezuela durante a cerimónia de homenagem a várias figuras que se destacaram nas lutas de independência em África
O presidente da República Bolivariana da Venezuela numa cerimónia de homenagem a várias figuras que se destacaram nas lutas de independência em África Créditos / @jaarreaza

De acordo com o comunicado emitido este domingo pelo Ministério venezuelano da Comunicação e Informação, a medida «viola o direito de 1,2 milhões de usuários» que seguem o perfil do presidente Maduro «a informação verídica e oportuna».

O governo do país sul-americano questionou a atitude recorrente do Facebook e das suas associadas (WhatsApp e Instagram), que se arrogam «o direito de silenciar e sancionar, discricionariamente, os conteúdos publicados pelo chefe de Estado», «de alto interesse para o país e o mundo».

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Gigantes das novas tecnologias estão alinhados com o governo dos EUA

A conivência entre os grandes empórios das novas tecnologias e a administração dos EUA foi denunciada pelo jornalista cubano Randy Alonso, director do Cubadebate, o principal portal informativo de Cuba.

Randy Alonso, director do portal Cubadebate e apresentador do programa televisivo «Mesa Redonda»
CréditosAbel Padrón Padilla / Cubadebate

Em declarações à agência Xinhua, esta semana, Alonso afirmou que «há uma conivência, um alinhamento dos grandes empórios das telecomunicações e das novas tecnologias com as decisões do governo norte-americano».

O jornalista fez estes comentários a propósito da suspensão recente, por parte da YouTube e da Google, das contas do diário cubano Granma, do canal de televisão Cubavisión Internacional e do programa televisivo «Mesa Redonda», este último dirigido e apresentado por Alonso.

A suspensão, que se prolongou durante quase 24 horas, foi justificada com uma suposta infracção das leis de exportação dos Estados Unidos, que são aplicadas no contexto do bloqueio que, há mais de meio século, Washington mantém contra Cuba.

«aquilo que se passou mostra como a suposta independência que exigem a empresas como Huawei ou Tiktok é falsa»

«O que é irónico no caso é que cerca de 24 horas depois, quando há uma denúncia internacional, quando a questão do bloqueio é denunciada, e o apontamos e condenamos como a causa do apagão informativo, a Google devolve a conta sem qualquer explicação», lembra Alonso.

Noutras ocasiões, noutras situações, as suspensões fundamentaram-se em alegadas violações de determinadas regras ou nalguma actividade estranha na rede, mas isso não foi o que se passou agora, sublinhou o jornalista.

«Isto faz parte, sem dúvida, de ensaios de apagões informativos contra Cuba por parte da administração norte-americana», afirmou, acrescentando que aquilo que se passou mostra como a suposta independência que exigem a empresas como Huawei ou Tiktok é falsa, porque «não a aplicam às suas próprias empresas, que não podem ir para lá das leis norte-americanas, e, além disso, aplicam a priori as normas do bloqueio contra Cuba».

«O que está em jogo por trás de tudo isto são acções de carácter geoestratégico e geopolítico, que não têm nada a ver com questões tecnológicas»

Randy alonso

Para o director do Cubadebate, estas empresas norte-americanas inserem-se na estratégia de confrontação do governo dos Estados Unidos contra Cuba, Venezuela, China e Irão.

«O que está em jogo por trás de tudo isto são acções de carácter geoestratégico e geopolítico, que não têm nada a ver com questões tecnológicas ou com violações das regras próprias do funcionamento das redes sociais», referiu.

No entender do jornalista cubano, Washington procura manter o controlo das comunicações, que «é ter o domínio cultural e ideológico e também o domínio simbólico», disse.

Muita censura

Em Setembro do ano passado, o Twitter suspendeu as contas dos principais meios de comunicação cubanos durante uma intervenção televisiva do presidente do país, Miguel Díaz-Canel, na qual deu conta dos obstáculos impostos por Washington ao abastecimento de combustível à Ilha.

Então, a empresa norte-americana bloqueou também as contas de Raul Castro Ruz, ex-presidente de Cuba, e da sua filha, Mariela Castro, deputada e directora do Centro Nacional de Educação Sexual, além das do diário Granma, do Cubadebate, da Radio Rebelde e do Canal Caribe.

Ao longo dos anos, os gigantes norte-americanos das tecnologias censuraram muitas outras contas cubanas, incluindo a da União de Jovens Comunistas, da agência Prensa Latina e do diário cubano Juventud Rebelde.

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«Chama poderosamente a atenção que, numa espécie de tirania do algoritmo, se persiga principalmente os conteúdos que visam o combate à pandemia» e, «portanto, urgentes para a saúde da humanidade», refere o texto.

As autoridades venezuelanas apontam as várias publicações do presidente do país que foram censuradas pela rede social.

Em Outubro de 2020, Nicolás Maduro apresentou um relatório aprovado pelas autoridades sanitárias venezuelanas sobre a molécula DR10, «um medicamento de engenharia nacional cujas propriedades curativas contra a enfermidade viral foram confirmadas pela comunidade científica do país».

O Facebook  assinalou o conteúdo como falso e «suprimiu-o de forma arbitrária», denuncia o documento.

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E se o Google bloqueasse a BBC?

Canais oficiais de notícias de Cuba foram bloqueados pelo Google. O objectivo é sabotar lentamente uma fonte (e uma rede) de notícias que desestabiliza o circuito mainstream de informação.

A Assembleia Geral das Nações Unidas tem votado de forma esmagadora contra o bloqueio imposto pelos EUA contra Cuba
Créditos / Celag

Foram «apenas» 24 horas, mas é um facto que o portal de informação cubano Cubadebate, que agrega as contas online do diário Granma, do canal de televisão Cubavisión Internacional e o programa diário da televisão cubana, «Mesa Redonda», viu as suas contas no Google e no Youtube suspensas. Até a denúncia internacional ser tão ruidosa, que ironicamente, e sem qualquer explicação, o Google reactivou a conta.

É mais um apagão mediático contra Cuba, banal, demasiado comum, num país que vive um apagão comercial-económico-financeiro em forma de bloqueio imposto pelos Estados Unidos, desde 1960. Nem é a primeira vez que isto acontece: em 2011, o Google já tinha feito o mesmo. Se tentar aceder hoje à conta da Radio Habana Cuba no Twitter surge o seguinte aviso: «Esta conta foi temporariamente restringida. Está a ver este aviso porque tem havido actividade incomum nesta conta. Quer proceder?»

Em Setembro de 2019 o Twitter bloqueou a conta da União de Jovens Comunistas e do jornal Juventud Rebelde e uma série de contas oficiais por «repetição». O Twitter explicou na altura que bloqueou contas como as de Raul Castro devido à «política anti-manipulação» da empresa que proíbe utilizadores de «amplificar ou manipular artificialmente uma notícia ou um post» usando várias contas. Sabendo que bots se reproduzem como cogumelos no Twitter em apoio à extrema-direita, desde a eleição de Trump até à de Bolsonaro, bloquear conteúdos de contas cubanas oficiais porque «amplificam uma notícia» – isto é, a repetem ou «retuítam» – só pode ser piada.

Curioso esse apagão de Setembro de 2019: ele aconteceu depois de um esforço visível de instituições oficiais cubanas e figuras proeminentes do governo (ministros, directores de empresas públicas), portais jornalísticos, sites de cultura, de se aproximarem dos cidadãos, dentro e fora da ilha, muitas vezes respondendo directamente às suas perguntas, dúvidas ou interpelações nas redes sociais. Muitas até em forma de queixa sobre serviços, por exemplo.

Cuba é um país pequeníssimo, com pouco mais de 10 milhões de habitantes. A sua participação nas redes sociais é insignificante quando comparada com países latino-americanos, como a Venezuela e o Brasil. Desde a liberalização do acesso a dados móveis, atingiu em 2019 um dos maiores crescimentos (47%) de utilização de plataformas de redes sociais no mundo. Estatísticas do Datareportal revelam que, em Janeiro de 2019, mais de 2 milhões de cubanos estavam nas redes sociais. Hoje serão muitos mais. Por que razão quererão empresas como o Facebook, o Twitter ou o Google limitar o acesso a contas oficiais do estado cubano? No fundo, era como se o Google ou o Twitter bloqueassem a BBC, estação do estado britânico, ou até a RTP, do estado português. Porque os seus posts são partilhados ou amplificados.

A sabotagem é constante, penosa, exasperante. O objectivo é sempre tentar vencer pelo cansaço, pela desistência, quebrando um pouco mais todos os dias a população cubana, sob um recrudescimento do bloqueio na era Trump. E, já dentro do contexto da pandemia, com um crescimento negativo de 8% no PIB, contra as projecções tímidas, mas positivas, do início do ano – agravadas pelos bloqueios ao Irão e à Venezuela, fontes de apoio económico e comercial à ilha.


Curioso este apagão da semana passada, também. Foi precisamente uma «Mesa Redonda» (programa diário de informação, conversa, debate no primeiro canal da televisão cubana e transmitido para a diáspora pelo canal da Cubavisión Internacional no Youtube), em que se ia discutir a nova vacina contra a Covid-19 que Cuba está a desenvolver, o programa abruptamente retirado do ar pelo Google. Não há coincidência. Cuba andava a incomodar nas notícias internacionais: era demasiada solidariedade com a Itália, então o país europeu com mais casos de Covid-19; eram médicos que seguiam para várias partes do mundo em emergência; era a fonte de um dos tratamentos anti-virais contra a Covid, desenvolvido nos seus laboratórios; estava a viver uma das maiores crises económicas da última década e, mesmo assim, conseguia arranjar maneira de investir em investigação científica para trabalhar na criação de uma vacina em plena crise pandémica. Conseguia, portanto, ter «boa imprensa». E, Cuba sabe-o, boa imprensa é, nos dias que correm, soft power: é com médicos, vacinas e investigação científica que Cuba consegue contornar o bloqueio e desenvolver parcerias económicas ou comerciais para garantir a sua sobrevivência.

Essa é a estratégia concertada de empresas como o Facebook, Google ou Twitter que, a cobro de «leis de exportação» norte-americanas, conseguem minar regularmente fontes de informação que contestam e contrariam as grandes cadeias produtoras de conteúdos e de notícias. Não só rompem com uma espécie de cartilha repetida ad nauseum dos meios de comunicação ocidentais (a BBC, o Guardian, o New York Times), como ainda produzem, de certa maneira, «publicidade positiva» para países como Cuba. Em ano de eleições nos EUA e com a Venezuela amarrada, qualquer pretexto serve para continuar a silenciar a revolução.

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No sábado passado, os administradores da página oficial do presidente da Venezuela na rede social «foram notificados da eliminação da transmissão ao vivo do balanço e luta contra a pandemia de domingo, 21 de Março». Desta vez, por apresentar o retroviral Carvativir, também de engenharia e produção nacional, e «o seu plano de distribuição massiva e gratuita» em toda a Venezuela.

As autoridades de Caracas qualificaram estas medidas como «actos de censura, próprios de uma nova censura mediática», que evidenciam a «extensão do bloqueio e do boicote» que a administração norte-americana aplica ao povo venezuelano «para consumar a chamada "mudança de regime"» no país caribenho.

«Fica em evidência […] que assistimos a um totalitarismo digital, exercido por empresas supra-nacionais que querem impor a sua lei aos países do mundo», afirma o Ministério da Comunicação no texto, no qual deixa claro o repúdio pelas «acções unilaterais da empresa Facebook».

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