|União Europeia-UE

O «certificado digital Covid-19» desconsidera o combate global à pandemia

PS, PSD, CDS-PP deram o seu aval à criação de um mecanismo que se distancia de uma luta global contra a pandemia. A Organização Mundial da Saúde já tinha criticado esta opção da União Europeia.

CréditosMPD01605 / CC BY-SA 2.0

Já desde o fim do ano passado que se vinha discutindo, no seio da União Europeia (UE), a criação de um instrumento aplicável apenas na esfera dos seus Estados-membros, sob as designações de «passaporte de vacinação» ou «certificado verde».

Neste sentido, foi aprovado, na passada quarta-feira pelo Parlamento Europeu (PE) por procedimento de urgência, a proposta de «Regulamento relativo a um quadro para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, testes e recuperação, a fim de facilitar a livre circulação durante a pandemia de Covid-19», também já conhecido por «certificado digital Covid-19».

A aprovação deste «certificado digital» assume o objectivo de «validar» a livre circulação de pessoas entre Estados-membros no actual contexto de pandemia. Assim, pretende certificar-se, a nível supranacional e no contexto europeu, determinados requisitos que os cidadãos devem ter para poderem viajar, nomeadamente a vacinação completa, um teste de diagnóstico ou ainda um atestado de recuperação da doença Covid-19.

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Países ricos obtêm 87% das doses de vacinas

O director-geral da Organização Mundial da Saúde disse que a distribuição das vacinas anti-Covid-19 no mundo está muito desequilibrada, referindo que 87% das doses foram obtidas pelos países mais ricos.

CréditosJeff Pachoud / AFP via Getty Images

«Cerca de 87% das vacinas [doses já produzidas] foram para os países mais ricos, enquanto muitos países não têm vacinas suficientes para administrar aos trabalhadores de saúde quanto mais à população inteira», afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus numa conferência de imprensa online realizada a partir de Genebra, esta sexta-feira.

Para destacar o desequilíbrio, o responsável sublinhou que, «nos países mais ricos, uma em cada quatro pessoas já foi vacinada, enquanto nos mais pobres a relação é de uma em cada 500».

Uma situação que o director-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) espera ver alterada nos próximos meses, sobretudo com a ajuda do mecanismo de distribuição equitativa de vacinas Covax.

«Queremos aumentar a produção» de vacinas e «estamos a falar com a Índia e a Coreia do Sul» para perceber como o podem fazer, referiu Tedros Adhanom Ghebreyesus, acrescentando que a OMS também está a negociar com países que têm mais doses de vacinas do que as que precisam para administrar a toda a população para que disponibilizem o excedente.

Também presente na videoconferência, o epidemiologista Seth Berkley, presidente executivo da Aliança das Vacinas (Gavi), adiantou que a vacina de fabrico chinês, a Sinopharm, pode ser incluída no lote distribuído pela Covax «antes de Abril».

«Estamos a analisar todos os produtos - precisamos que tenham eficácia comprovada – porque queremos ter um portefólio bem equilibrado», afirmou.

«Neste momento temos sete [vacinas disponíveis no mecanismo], queremos ter entre dez e 15, além de aumentar o volume» de fabrico, sublinhou Seth Berkley, que explicou que a necessidade obriga «a quadruplicar» a produção dos fármacos anti-Covid-19.

«Precisamos de 12 a 14 mil milhões de doses até ao final do ano» e, por isso, «já estamos a verificar locais onde se possa fabricar mais vacinas», concluiu.


Com agência Lusa

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O novo regulamento, que contou com votos favoráveis de PS, PSD, CDS-PP e Francisco Guerreiro, pretende que o «certificado verde» venha a ser condição para permitir a circulação de pessoas na UE.

Porém, o documento não assegura as condições de testagem e a vacinação para os trabalhadores cuja a sua actividade profissional depende da livre circulação, como é caso dos trabalhadores transfronteiriços.

A emissão, a nível comunitário, de um documento com esta natureza tem já sido objecto de diversas críticas, pelos problemas que encerra. Desde logo, este mecanismo está a ser elaborado à margem da Organização Mundial da Saúde (OMS), afastando-se de uma perspectiva global; não estão garantidas as devidas salvaguardas no âmbito da recolha e partilha de dados pessoais; para além de não ter como pressuposto que o essencial para o combate à pandemia é o alargamento urgente da vacinação à escala mundial.

De facto, a OMS já tinha criticado uma opção que se restinja a uma escala regional, neste caso ao nível da UE. Até porque já existe, desde 2007, o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) aprovado pela OMS e ratificado pelos Estados-membros da UE, que é aplicável em 196 países.

O RSI prevê condições e critérios sanitários reconhecidos internacionalmente de abordagem à questão da circulação de pessoas, num contexto de controlo da disseminação de doenças, nomeadamente através do averbamento individual de informação relativa a cada pessoa, sem recolha nem tratamento de dados pessoais em saúde.

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UE questionada sobre o processo de vacinação

Face às promessas de uma resposta coordenada da União Europeia, João Ferreira questionou a Comissão sobre o plano de vacinação e a situação nos Estados-membros, com pedido de resposta escrita.

CréditosTiago Petinga / Agência Lusa

O eurodeputado comunista questionou sobre as vacinas em falta, os países que serão prejudicados e as medidas tomadas pela Comissão Europeia perante estas situações de incumprimento.

Face às mais de 270 vacinas que foram desenvolvidas ou estão em desenvolvimento a nível mundial, João Ferreira quis saber se a Comissão Europeia considera «a possibilidade de diversificação das opções de compra de vacinas autorizadas pela Organização Mundial de Saúde a outras farmacêuticas e países, de forma a recuperar do atraso verificado na vacinação dos grupos de risco e da população em geral».

As questões resultam, por um lado, dos contratos celebrados entre a Comissão Europeia e várias multinacionais farmacêuticas para o fornecimento de vacinas contra a Covid-19, que envolveram o financiamento dessas farmacêuticas através de recursos públicos para investigação, desenvolvimento e compra antecipada de vacinas. Por outro, do anúncio das farmacêuticas Pfizer e AstraZeneca, «de que não cumprirão as entregas de vacinas previstas» e o facto de os países da União Europeia (UE) estarem com um atraso relativo na vacinação em comparação com diversos outros países.

João Ferreira questionou ainda a Comissão Europeia sobre «a situação em cada Estado-membro, no que respeita ao número de vacinas fornecidas e disponíveis, às aquisições feitas e previstas pela UE e datas da sua distribuição a cada Estado-membro», bem como se as compras unilaterais de alguns países «não atrasam o fornecimento de vacinas ao conjunto dos Estados-membros».

Recorde-se que, a propósito do plano de vacinação da UE, têm vindo a público notícias relativas a avanços desiguais relativamente às condições de vacinação e ao número de vacinas disponíveis. Alguns Estados-membros terão efectuado compras adicionais a laboratórios com os quais a Comissão Europeia celebrou contratos de fornecimento.

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O «certificado digital», por outro lado, vem reforçar a concentração na UE de competências quanto à definição das condições de circulação nos países da UE.

Ao que se soma o facto de que este novo mecanismo desconsidera um elemento fundamental a ter no actual contexto: só o alargamento urgente da vacinação à escala global permitirá um combate eficaz à pandemia, nomeadamente para evitar o aparecimento de novas estirpes.

Questão que a UE não está a assumir pondo em causa o interesse público. Veja-se que a Agência Europeia do Medicamento não concedeu ainda «autorização para colocação no mercado» a cerca de dez vacinas já validadas pela OMS.

No plano nacional, há partidos que preferem colocar-se ao lado das orientações da UE, em detrimento do interesse de uma luta global e mais eficaz à pandemia. Veja-se que PS (à excepção da sua deputada Sara Cerdas), PSD e CDS-PP, ao mesmo tempo que concordam com este certificado digital, chumbaram propostas que visavam considerar as vacinas como bem público, e estabelecer uma derrogação temporária dos seus direitos de propriedade intelectual.

Para além disto, a UE anunciou ainda esta segunda-feira que pretende vir a aliviar restrições de circulação para residentes em países fora do teritório dos seus Estados-mebros, com preocupação com deslocações por turismo.

Esta solução não só se situa fora do âmbito do «certificado digital», como também, e mais uma vez, pretende definir mecanismos que se colocam à margem das possibilidades globais que o RSI permite.

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