O ensaio, editado este ano pela Lápis de Memórias, tem como pretexto as comemorações do centenário do nascimento do General Vasco Gonçalves, promovidas pela associação Conquistas da Revolução.
Nascido em 1921, o «companheiro Vasco» assumiu o cargo de primeiro-ministro e foi «o rosto visível da Aliança Povo-MFA», entre Julho de 1974 e Setembro de 1975, dando um fundamental contributo para a construção do Portugal de Abril, desde o reconhecimento do direito à independência dos territórios coloniais como a legalização do direito à greve.
Há cem anos nasceu o militar e primeiro-ministro que, no breve espaço de um ano, deixou o seu nome ligado à maior parte dos direitos constitucionais que constituem hoje a base da nossa vida democrática. Celebra-se a 3 de Maio o centenário do nascimento de Vasco Gonçalves, figura grada de militar, patriota e revolucionário, cujo nome permanecerá imperecivelmente ligado ao período mais empolgante da Revolução de Abril, durante o qual se realizaram profundas transformações económicas e sociais na sociedade portuguesa. Durante o pouco mais de um ano em que esteve à frente da governação, entre Julho de 1974 e Setembro de 1975, foi o impulsionador das mais importantes medidas tomadas para a liquidação dos suportes do fascismo e do colonialismo, e para o estabelecimento das bases democráticas e progressistas que viriam a ser consagradas na Constituição da República Portuguesa, em 1976. «o futuro com que sonhei não é cada vez mais saudade, é, sim, cada vez mais, necessidade imperiosa. Assim o povo o compreenda» Vasco Gonçalves Foi durante os seus quatro governos que se institucionalizou todo um leque de associações socio-político-culturais que permitiram a livre expressão dos cidadãos, se garantiu a liberdade de imprensa e se realizaram as primeiras eleições plenamente livres e democráticas em Portugal, com uma participação histórica. Durante os seus governos foi posto um fim à guerra colonial nas três frentes africanas e dados os passos decisivos para o reconhecimento do direito à independência dos povos das colónias. O Portugal livre do fascismo e do colonialismo abriu-se ao mundo e tornou-se uma voz respeitada na comunidade internacional. «a Pátria são os portugueses de carne e osso, […] é o povo que vive dia a dia os seus problemas, que sofre e que tem alegrias, que constrói o futuro, dia a dia» Vasco Gonçalves Foi ainda durante os seus governos que se pôs fim aos monopólios com que uma oligarquia dominava a grande finança e a grande indústria, se realizou uma reforma agrária na área do latifúndio e se promulgou a Lei do Arrendamento Rural, se promoveu o poder regional e autárquico, se promoveu a habitação social, se deram os primeiros passos para um serviço nacional de saúde, se estabeleceu a gestão democrática nas escolas, se levaram a cabo campanhas de dinamização cultural e se iniciou o combate ao analfabetismo. A Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976, matriz do regime saído do 25 de Abril, aprovada já depois de Vasco Gonçalves ter deixado o cargo de primeiro-ministro, inspirou-se nos avanços políticos e sociais ocorridos durante os seus governos e consagra como direitos, liberdades e garantias muitas dessas conquistas. A questão do poder, e ao serviço de quem está, determina o rumo da vida do povo e do País. Vasco Gonçalves, pela forma como o exerceu, permanece como exemplo de um governante fiel ao seu povo e à sua Pátria, para as presentes gerações e para as vindouras. Nas suas preocupações estiveram sempre e primeiro os trabalhadores, os desfavorecidos, os oprimidos, e não os interesses dos poderosos. Significativamente, foi o primeiro chefe de governo a assistir a um congresso de sindicatos, onde agradeceu «o papel dos trabalhadores e da Intersindical nas lutas reivindicativas que desenvolveram no tempo do fascismo» e sublinhou que «foram as classes trabalhadoras, em aliança estreita com os militares» a desenvolver a «verdadeira revolução social» realizada imediatamente após o 25 de Abril. Com os governos de Vasco Gonçalves foi produzida importante legislação de trabalho, alguma dela pioneira em Portugal. Foram criados o subsídio de desemprego, o subsídio de Natal para pensionistas e o suplemento de grande invalidez; foi melhorada a protecção social dos trabalhadores agrícolas e actualizado o salário mínimo nacional em 21%; foram suspensos os despedimentos sem justa causa e o Governo responsabilizado pela promoção da contratação colectiva; legislou-se o direito de manifestação e concentração e publicou-se a Lei Sindical. Simples na maneira, verdadeiro no discurso, falava para o povo e este entendia-o. «Companheiro Vasco», foi chamado, e nenhum epíteto expressaria melhor o sentimento dos desapossados e dos militares revolucionários que nele confiaram, que sentiam que por ele não veriam traídos os seus interesses e aspirações a uma vida melhor e mais justa. Foi amado pelos pobres, pelos fracos, pelos trabalhadores da cidade e do campo, para quem representou a esperança de um futuro melhor. Comer sentados à mesa, iguais em direitos, e não a receber as migalhas lançadas da mesa dos senhores. Também os intelectuais lhe admiraram o discurso límpido, a dimensão ética, humana, a cultura, e nele vislumbraram a vontade de uma sociedade onde os artistas e trabalhadores intelectuais pudessem desenvolver a sua actividade criadora em condições de justiça social. Profundamente português, patriota, foi odiado pelos poderosos, pelos senhores do capital e seus servidores, por aqueles que vergaram a interesses estrangeiros. Há homens que se temperam uma vida inteira para um momento excepcional que pode ou não acontecer, mas que, se esse dia enfim chega, estão à altura das circunstâncias. Vasco Gonçalves é um deles. Coronel de engenharia em 1973, com uma carreira militar exemplar iniciada em 1946, adere ao movimento dos capitães e torna-se o oficial mais graduado no Movimento das Forças Armadas (MFA), integrando a Comissão de Redacção do Programa do MFA e a sua Comissão Coordenadora. Dirá, mais tarde, que «se não tivesse participado no 25 de Abril [...] seria um homem derrotado» a sua vida «teria sido uma frustração». O golpe militar desferido a 25 de Abril com o derrube do governo fascista transforma-se no mesmo dia em revolução ao beneficiar do imenso apoio popular expresso nas ruas, que viria a confirmar-se poucos dias depois nas grandiosas manifestações do 1.º de Maio em Lisboa e por todo o País. O espírito democrático do MFA e a dinâmica do movimento popular exigem decisões que o I Governo Provisório de Palma Carlos hesita em tomar. Líder da Comissão Coordenadora do MFA e membro do Conselho de Estado desde a sua formação, a indigitação de Vasco Gonçalves para primeiro-ministro, em Julho de 1974, será uma escolha natural dos seus camaradas, perante os quais era visto como «militar sensato para quem a política, a moral e a ética eram inseparáveis, sem que tal implicasse fraqueza ou ingenuidade». Sua filha Maria João lembraria, anos depois, o «militar com preparação intelectual, cultura política, económica e social [...] habituado a reflectir, a questionar, a ouvir, a estudar, e acima de tudo, imbuído, sempre, de um rigoroso espírito científico, na análise e avaliação dos problemas e situações, na ponderação das soluções e acções a empreender». O engenheiro militar era um homem de cultura, leitor de história e de filosofia, estudioso da matemática, amante da literatura e apreciador de música, mas era sobretudo um «apaixonado pelo saber». Aos 52 anos não era desprovido de experiência política ou revolucionária. Antifascista desde a sua juventude, ao tornar-se militar e integrar as Forças Armadas ao serviço da ditadura estava consciente do papel que estas poderiam desempenhar no seu derrube. Em 1959 participou no fracassado «Golpe da Sé», após a fraude eleitoral que retirara a vitória ao general Humberto Delgado. Ao mesmo tempo, eram-lhe caras virtudes militares fundamentais, como a honra, o espírito de missão, a lealdade, a camaradagem, que coincidiam com os valores com os quais fora educado. «Fiz simplesmente o que me impunha a minha consciência e a minha formação de militar e de cidadão solidário com o seu povo» Vasco Gonçalves No seu discurso de tomada de posse não podia ser mais claro: agradeceu aos jovens militares de Abril, proclamou a sua fidelidade absoluta ao Programa do MFA e a intenção de governar «ao serviço do povo português e, muito particularmente, das camadas mais desfavorecidas». Ao longo dos seus mandatos, o novo primeiro-ministro apoiou-se numa plêiade de revolucionários, militares e civis, para quem os interesses populares e a criação de uma sociedade mais livre e justa eram objectivos partilhados, e governou com o povo e não contra o povo. Cumpriu o que prometeu na tomada de posse: os governos que chefiou tomaram importantes medidas para a liquidação dos suportes do fascismo e para a democratização da sociedade portuguesa, e tiveram em conta, como nenhum outro na história de Portugal, os interesses e os anseios dos trabalhadores e classes populares, a soberania e a independência nacional. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
Um homem do futuro
Um amigo do povo no Governo de Portugal
Um militar na Revolução
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«Vasco Gonçalves foi isso mesmo: um homem de lisura, um homem limpo, um homem íntegro, um homem transparente». Um homem patriota porque sabia que a Pátria «são os portugueses de carne e osso, o povo que vive dia-a-dia os seus problemas, mas que sofre e que tem alegrias, que constrói o futuro, dia a dia».
António de Avelãs Nunes, professor jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e autor do livro, integrou, enquanto secretário de Estado, os cinco governos provisórios comandados por Vasco Gonçalves, primeiro com a tutela dos Desportos e Acção Social Escolar, tendo a seu cargo, mais tarde, o Ensino Superior e a Investigação Científica.
A primeia apresentação vai ter lugar hoje, em Faro, às 18h no Clube Farense, com a promoção da União dos Sindicatos do Algarve/CGTP-IN, e amanhã, dia 19 de Junho, às 15h, terá lugar uma sessão na Biblioteca Municipal de Silves, com o apoio da Câmara Municipal. As apresentações serão conduzidas pela professora Carina Infante do Carmo.
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