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Apesar do «Escudo social», despejos continuam em força em Espanha

A Plafatorma dos Afectados pela Hipoteca exige que a moratória seja prolongada, para evitar um cenário «nunca visto». Mas considera a medida insuficiente: só no primeiro trimestre houve 11 mil despejos.

Agentes da Polícia durante o despejo de uma família com quatro filhos menores na Comunidade de Madrid, na semana passada 
CréditosJon Imanol Reino / nuevarevolucion.es

De acordo com as contas da Plataforma dos Afectados pela Hipoteca (PAH), que esta quarta-feira se concentrou frente ao Congresso dos Deputados, em Madrid, para exigir o prolongamento da moratória aprovada pelo governo, caso isso não aconteça, haverá mais de 79 mil despejos em Espanha.

Seria um número «nunca visto», nem mesmo no pico de 2012, quando se registaram 70 mil casos, no contexto da «crise financeira». No entanto, a PAH alerta que a moratória será insuficiente, na medida em que não permitiu evitar 11 mil despejos nos três primeiros meses deste ano, segundo refere o El País.

Numa peça ontem publicada em nuevarevolucion.es, o jornalista Oriol Sabata destaca que o chamado «Escudo social» criado pelo actual governo espanhol – um conjunto de medidas promovidas no âmbito da pandemia de Covid-19 – não está a funcionar. Os 11 mil despejos em apenas três meses de 2021 seguem-se aos 29 406 levados a cabo em todo o ano de 2020.

«No passado dia 14, o despejo em Madrid de Jesús, Manuela e os seus quatro filhos menores teve uma enorme repercussão e lançou a indignação nas redes sociais», diz Sabata, acrescentando que «uma das imagens mais duras foi a da menor de dois anos a deixar a casa custodiada por polícias».

Para Sabata, o facto de esta família receber o Rendimento Social de Inserção (no valor de 934 euros) é «ainda mais preocupante» e evidencia que as «medidas assistencialistas são insuficientes», porque «não vão à raiz do problema, não erradicam a pobreza, mas antes a perpetuam».

Porque não funciona a moratória do governo contra os despejos?

O jornalista aponta várias questões, entre as quais a falta de recursos nos serviços sociais, que são quem tem de demonstrar em tribunal a vulnerabilidade das famílias, ou a enorme carência de habitação social – cerca de 290 mil andares, o que representa apenas 1% de toda a habitação no país.

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Em Espanha, o patronato despede depois das «ajudas milionárias» para não o fazer

El Corte Inglés anunciou que vai despedir 3500 trabalhadores, depois de a administração se ter comprometido com o Estado e os funcionários a manter o emprego. É um de muitos casos em Espanha.

Em Espanha, o Estado gastou mais de 24 mil milhões de euros, em 2020, para financiar os lay offs das empresas privadas, com o governo a anunciar com muita pompa que «as empresas não poderão despedir os trabalhadores durante a crise do coronavírus»; agora, os despedimentos sucedem-se em cascata
Créditos / fashionnetwork.com

A maior cadeia de grandes armazéns de Espanha vai realizar um despedimento colectivo de 3500 trabalhadores, justificando a medida com a necessidade de fazer andar o negócio e não o pôr em risco, devido à queda de 40% no número de clientes e ao rápido desenvolvimento do comércio online, segundo referem os sindicatos.

Os que ficam poderão contar com a deterioração das condições de trabalho, segundo informa o El Salto, que refere o encerramento de lojas, o congelamento dos salários e mais dias de fim-de-semana e feriados a trabalhar.

A mesma fonte indica que o anúncio destes despedimentos ocorre depois de a empresa ter colocado 38% dos seus funcionários em situação lay off, cerca de 26 mil trabalhadores cujo salário, reduzido, passou a ser pago maioritariamente pelo Estado.

Os lay offs foram apresentados pelo actual governo de coligação como um dos principais instrumentos para fazer frente à crise associada à pandemia de Covid-19 e incluíam uma cláusula de salvaguarda ou manutenção do emprego segundo a qual as empresas que recorressem a este mecanismo ficavam obrigadas a manter os postos de trabalho durante um prazo de seis meses a partir da data de regresso ao trabalho, refere ainda o El Salto.

A violação de tal cláusula implicaria, em princípio, a devolução à Segurança Social de todos os benefícios que a empresa tivesse gozado.

Milhares de milhões do público para o privado e despedimentos a aumentarem

Numa peça recentemente publicada em nuevarevolucion.es, o jornalista Oriol Sabata lembra como, em Março de 2020, o governo espanhol anunciou que «as empresas não poderão despedir os trabalhadores durante a crise do coronavírus».

Em 2020, o Estado gastou mais de 17,8 milhões de euros para financiar os lay offs aplicados aos trabalhadores, além de 6,3 milhões em benefícios da Segurança Social. Ou seja, mais de 24 mil milhões de euros de dinheiro público.

Onze meses volvidos e «os números desmentem a mensagem do governo», afirma Sabata, uma vez que cresce «a onda de despedimentos por parte de empresas que tinham aplicado lay offs». «Depois de receber ajudas directas por parte do Estado, poupar no pagamento dos salários e não ter de pagar à Segurança Social, agora estão a anunciar cortes nos quadros de funcionários», diz o jornalista. O caso de El Corte Inglés é um entre muitos.

Os trabalhadores não só sofreram um corte no salário e no poder de compra, como agora são confrontados com o desemprego. O «escudo social» que o governo espanhol anunciou há quase um ano foi concebido «desde o início para sustentar o patronato», denuncia Oriol Sabata.

Uma boa prova disso é, segundo o jornalista, a satisfação da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE) perante as medidas e o entusiasmo em «ampliá-las» o tempo que «forem necessárias».

Enquanto o patronato – «num exercício de cinismo» – considerava a aplicação dos lay offs uma questão primordial à «manutenção do emprego», em Janeiro deste ano, o seu presidente, Antonio Garamendi, afirmava que teria de haver «ajustes nos quadros».

Entretanto, milhares de milhões tinham partido das arcas públicas para empresas privadas para pagar salários de trabalhadores, com a social-democracia a «antepor os interesses do capital aos do trabalho» e a «enganar os trabalhadores com o seu discurso social».

Sabata considera que «vêm aí tempos duros em que vai aumentar o descontentamento e se agudizará o protesto». A tarefa é, em seu entender, canalizá-los e encaminhá-los para «forjar uma alternativa».

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Deixar nas mãos do capital privado um direito fundamental como a habitação não é um «bom negócio» para os trabalhadores, afirma, referindo que, segundo dados de 2011 do Instituto Nacional de Estatística, em Espanha existiam então 3,4 milhões de casas vazias.

«Como pode ser que os despejos continuem e não se expropriem estas casas como alternativa habitacional? Teme o governo tocar nos grandes proprietários (aqueles que acumulam dez ou mais imóveis, de acordo com os critérios do executivo)?», pergunta.

Em seu entender – e tal como a PAH alertou esta quarta-feira –, existe uma «grave situação de emergência social» e, apesar de algumas comunidades autónomas terem normas que permitem expropriar casas vazias, não existe a nível central «um plano estrutural sobre esta matéria que permita ao Estado dispor de um amplo parque habitacional público».

«Dentro das leis do capitalismo, tem primazia o direito à propriedade privada e o negócio imobiliário vem antes do direito a viver debaixo de um tecto», afirma, sublinhando que «as democracias liberais servem o capital e a sua classe social» e que no «capitalismo jamais será garantido o direito à habitação».

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