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Jogos Olímpicos de Tóquio. Que Desporto temos? Que Desporto queremos? (2)

O que de mais positivo se passou nesta edição dos Jogos Olímpicos ficou a dever-se aos próprios atletas, aos seus treinadores e dirigentes, e às suas famílias, em situação de enorme desigualdade em termos de preparação.

O atleta português João Vieira (ao centro na foto), de 46 anos, atingiu o topo de 30 anos de carreira desportiva, incluindo seis participações olímpicas, ao classificar-se em 5.º lugar na prova de 50 quilómetros de marcha dos Jogos Olimpicos de Tóquio, disputada em Sapporo, Hokaido, Japão, a 6 de Agosto de 2021
CréditosTiago Petinga / LUSA

O quadro que a seguir se apresenta pretende determinar o valor desportivo de um grupo de 20 países europeus, que constituem aqueles com os quais Portugal pode medir «forças», como já se esclareceu. O valor desportivo é correntemente determinado pelos resultados desportivos do mais alto nível, comparando-os com os de outros países. A classificação por medalhas nos Jogos Olímpicos é habitualmente utilizada para se promover essa comparação, pela razão de constituir o mais importante evento desportivo mundial, em que participam mais países num número significativo de modalidades desportivas (as designadas modalidades olímpicas, cujo número se altera de edição para edição), onde enviam os seus melhores atletas depois de alcançarem os «mínimos» em cada modalidade (ainda que qualquer país possa enviar representantes não qualificados num número determinado simbolicamente).

«A classificação por medalhas nos Jogos Olímpicos é habitualmente utilizada para se promover essa comparação, pela razão de constituir o mais importante evento desportivo mundial, em que participam mais países num número significativo de modalidades desportivas»

No caso presente foram seleccionados os países europeus cuja população está próxima ou é idêntica à de Portugal, a que se decidiu juntar outros com população inferior, por se considerar constituírem também potenciais adversários. Também se consideraram unicamente os resultados das últimas oito edições dos Jogos, para não sobredimensionar o quadro, e também porque os resultados obtidos pela equipa portuguesa nas edições anteriores (com excepção de Los Angeles em 1984) não acrescentarem nada de significativo ao que se pretende demonstrar.

  BarcelonaAtlantaSidneyAtenasPequimLondresRio JaneiroTóquioTóquioNº Total MedalhasNº Presenças
  199219962000200420082012201620202021Classificações
Portugal10,2 47696047697856182833
Hungria9,6812131321101215151850
Chéquia10,7 1728422519431829814
Noruega5,42230191722347420352849
Suécia102729181956372923466151
Suíça8,63718374634332424535852
Dinamarca5,73019303730302825620642
Croácia4,1444549445926172675216
Sérvia6,9    644232278248
Bélgica11,54431555137643529916147
Bulgária6,918221633426066301023041
Eslovénia2,05255366339424531114516
Geórgia3,9  68 28403833124014
Grécia10,726161715607626361312148
Irlanda4,9322864 64416439143529
Bielorrússia9,4 3723 242840451510314
Eslováquia5,4 4389292663375016407
Áustria9,04157322764 78531732651
Finlândia5,529403161446078851947249
 AB       CDE
Quadro síntese da classificação de 19 países nas últimas oito edições dos Jogos Olímpicos

Legenda:
A- População por milhões. B- Classificação em cada edição dos Jogos. C- Posição relativa a Portugal nos Jogos de Tóquio 2020. D- Número total de medalhas ganhas por cada país nos Jogos Olímpicos de verão e de inverno. E- Número de presenças em Jogos Olímpicos (verão + inverno). Sete países têm um número menor de presenças devido ao facto de terem começado a participar independentemente somente a partir de 1992 (Chéquia, Croácia, Sérvia, Eslovénia, Geórgia, Bielorrússia, Eslováquia).

Considerações sintéticas sobre o quadro apresentado

- São 19 os países que se seleccionaram para comparar o seu valor desportivo com o de Portugal. Utiliza-se como elemento informativo a classificação não oficial, calculada através do número de medalhas obtidas em cada edição dos Jogos por país. Convém também tomar em consideração o número de vezes em que o país participou, e o número total de medalhas conquistadas por cada um, ao longo de todas as edições em que tal aconteceu.

- As melhores classificações obtidas por Portugal foram as dos Jogos de Los Angeles, em 1984 (1 medalha de ouro e 2 de bronze) com um 23.º lugar, e as de 2008 nos Jogos de Pequim (1 de ouro e 1 de bronze) com um 47.º lugar, que repetiu a mesma classificação da que foi alcançada nos Jogos de Atlanta, em 1996 (1 medalha de ouro e outra de bronze), e a agora alcançada 56.ª, nos Jogos de Tóquio 2020 (1 medalha de ouro,1 de prata e 2 de bronze).

- A classificação alcançada nos Jogos de Pequim é especialmente significativa, na medida em que Portugal ficou à frente de seis dos países seleccionados: Áustria (64.º), Irlanda (64.º), Sérvia (64.º), Croácia (59.º), Suécia (56.º), que sempre tinham ficado à frente do nosso país nas outras edições anteriores.

- Nas edições seguintes (Londres 2012, e Rio de Janeiro 2016) Portugal caiu a pique na sua classificação, ficando atrás de todos os países mencionados (com excepção da Grécia em 2012), ficando respectivamente em 68.º e em 78.º, com especial relevo para esta última, em que foi antepenúltimo, só ficando à frente de dois países medalhados (Trindade e Tobago e Emiratos Árabes Unidos).

- Na 32.ª edição dos Jogos (Tóquio 2021 ou 2020) Portugal enche de alegria os responsáveis ao ficar em 56.º lugar (com 15 diplomas obtidos até ao 8.º lugar). Todavia, ficou atrás de todos os outros países que em 2008 tinham ficado atrás (com excepção da Finlândia), perdendo completamente a posição que então alcançara em 2008.

- À frente de Portugal ficaram todos os países europeus com a população entre os 11,6 e os 8,6 milhões de habitantes. Também ficaram à sua frente aqueles que possuem entre 6,9 e os 4,1 milhões (com excepção da Finlândia), e alguns que possuem dos 3,9 até aos 1,7 milhões de habitantes.

- Este processo de avaliação deve ser completado com a análise do número de medalhas conquistadas pelos diversos países da amostra, ao longo de toda a sua participação nas diferentes edições dos Jogos em que participaram. Trata-se de um aspecto que é muito pouco referido em Portugal na medida em que é pouco interessante.

Considerações finais

Será possível extrair alguma conclusão útil para o desporto nacional desta análise do seu valor desportivo em termos europeus? Procurámos determinar em que situação relativa ele se encontra no interior de uma amostra de países considerados como nossos «naturais» adversários. É certo que o resultado é decepcionante. Todavia, o problema do desporto nacional não se limita somente a este aspecto, apesar de ele ser considerado correntemente como um elemento informativo com importância.

«não se verificou qualquer alteração na forma negativa como o desporto em termos gerais, e o alto rendimento de modo mais específico, foram encarados ao longo da Olimpíada (tudo agravado com o combate à epidemia)»

A análise da situação, que não pode deixar de se considerar como autenticamente calamitosa nalguns dos seus aspectos, assume uma complexidade que exige, para ser devidamente esclarecida, um vasto conjunto de trabalhos de investigação. Todavia, a corrente atitude de desvalorização e até de puro negacionismo acerca do problema, impede que as instituições e os próprios indivíduos mais interessados, concretizem esse tipo de trabalhos. Desta forma, fica aberto um campo em que é possível emitir qualquer tipo de opinião sem receio de desmentido. Trata-se, na verdade, de mais um aspecto do nosso habitual terceiro-mundismo, dentro de uma sociedade que desde há muito procura explicação para o atraso em explicações caracterizadamente obsoletas, vazias de significado científico e assentes em postulados filosóficos mais do que discutíveis.

Com a finalidade de terminar esta análise convém responder a duas questões essenciais:

1º- O resultado agora obtido pela equipa olímpica portuguesa reflecte alguma mudança na política de desenvolvimento do desporto nacional?

2º- O 56.º lugar agora alcançado representa, na realidade, uma mudança significativa do valor desportivo do país na cena internacional?

A resposta a esta primeira questão é simples, na medida em que se constata que não se verificou qualquer alteração na forma negativa como o desporto em termos gerais, e o alto rendimento de modo mais específico, foram encarados ao longo da Olimpíada (tudo agravado com o combate à epidemia). Na realidade, nenhum dos graves problemas que tradicionalmente se opõem ao desenvolvimento desportivo assumiu sequer alguma importância e foi objecto de um mínimo de atenção (financiamentos de diferentes tipos e funções, resolução de questões «básicas», elaboração de novos projectos, papel do Estado e sua relação com o Poder Local, criação de condições de prática generalizada por toda a população, etc.).

Aquilo que mais se torna notado, refere-se à vontade já antiga de os governos utilizarem o argumento da descentralização, aliás nunca posta em prática até agora por eles próprios, para se descartarem do cumprimento do imperativo constitucional do Direito ao Desporto. Ao mesmo tempo, procuram de diversas formas mercantilizar a sua prática, criando uma segregação social insuportável para as populações financeiramente mais desprotegidas, questão que, como facilmente se compreende, limita fortemente o alargamento da base de recrutamento dos mais dotados, afinal aqueles que irão condicionar o valor futuro do desporto nacional.

Na realidade, tudo o que de mais positivo se passou nesta última edição dos Jogos Olímpicos ficou a dever-se aos próprios atletas, aos seus treinadores e dirigentes, e às suas famílias. Basta verificar que, em relação ao financiamento oficial, se está na presença de um dos valores mais baixos praticados na Europa, o que coloca os atletas portugueses numa situação de enorme desigualdade em termos de preparação, perante os seus directos adversários.

A resposta à segunda questão é deixada ao leitor que teve a paciência de ler este texto de fio a pavio. A nossa resposta é negativa rotunda.

Nota adicional

A classificação de Portugal nos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2021 merece uma análise idêntica àquela que se acaba de fazer. Todavia, tal não é possível devido à escassez de tempo. Todavia, já se sabe que essa classificação, com duas medalhas de bronze, além de ter ficado distante daquela que oficialmente se pretendia alcançar, é a pior de sempre desde que o país participa neste evento. Mas, o facto de se ter obtido um número significativo de diplomas provoca uma atitude de satisfação nos responsáveis, não tão festiva, mas igualmente incapaz de analisar criticamente aquilo que se está a passar.

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