A lei das rendas entrou em vigor em 2012, em plena intervenção da troika, pela mão do governo do PSD e do CDS-PP. O objectivo da lei é claro: liberalizar o mercado de arrendamento, facilitar os despejos e descongelar os contratos de arrendamento celebrados antes de 1990, permitindo a sua renegociação.
Quando a lei entrou em vigor, cerca de 150 mil famílias viviam em casas arrendadas por valores inferiores a 50 euros. O proprietário conquistou o poder de fazer aumentar, anualmente, o valor das rendas, criando uma verdadeira competição pelas casas, inflaccionando o seu preço.
Outra das facetas desta lei foi a da normalização dos despejos, permitindo que estes sejam realizados se o inquilino não conseguir pagar a renda durante dois meses, ou se se atrasar, quatro vezes por ano, no pagamento da renda em mais de oito dias.
As consequências desta lei continuam a fazer-se sentir por todo o país, com especial enfoque nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e na região algarvia. Na passada sexta-feira foram chumbadas, pelo PS, PSD, CDS-PP, Iniciativa Liberal e Chega, várias propostas de alteração ao regime de arrendamento urbano, avançadas pelo PCP, BE e PAN.
Nesta entrevista, Pedro Ventura, dirigente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, organização de defesa dos «interesses de natureza patrimonial, cultural, moral e social dos cidadãos portugueses, enquanto locatários, sublocatários, hóspedes ou condóminos», e vereador do PCP na Câmara Municipal de Sintra, alerta para a actual situação habitacional deste concelho.
Os valores das rendas em Sintra assemelham-se, cada vez mais, aos praticados em Lisboa. Podemos estar a assistir a uma alteração demográfica desta população?
Em Sintra, as rendas atingem valores muito elevados se as compararmos ao valor do salário mínimo nacional ou mesmo em relação ao salário médio, que se situa em 1220,70 euros.
A aquisição de casa própria caracterizou os anos 80 e 90 do século passado e o início do século XXI, mas manteve-se a lógica de arrendamento de habitação para as classes mais desfavorecidas e jovens. A massificação de construção da habitação transformou as cidades em grandes dormitórios e a Câmara Municipal e os vários governos foram incapazes de criar e desenhar cidade em resposta.
Os preços da habitação em Portugal devem sofrer a maior subida de um conjunto de dez países europeus neste ano, segundo um relatório da agência de rating Standard & Poors. A instituição estima uma subida de 9,5% nos preços da habitação em Portugal em 2018, tanto como na Irlanda, num relatório que inclui ainda Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Holanda, Itália, Reino Unido e Suíça. Portugal já tinha registado a segunda maior subida destes dez estados em 2017, com 10,5%, logo atrás da Irlanda, que registou um crescimento de 11,5%. Para os próximos três anos, apesar de um abrandamento nos ritmos de crescimento, a Standard & Poors prevê os ritmos de crescimento mais altos para o nosso país: 8% em 2019, 7% em 2020 e 6% em 2021. Em Espanha é estimada uma subida de 5,6% para este ano, na Alemanha de 4% e em França de 2,7%. O fenómeno da especulação imobiliária tem-se intensificado nos últimos anos, particularmente nos centros de Lisboa e do Porto. No entanto, a pressão sobre os preços tem vindo a alastrar-se à periferia destas cidades, segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística. Segundo dados de 2015 da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico, Portugal é dos países-membros com uma taxa mais baixa de habitação com «rendas sociais» – 2% –, muito abaixo de estados europeus como a Holanda, a Áustria e a Dinamarca (com taxas acima dos 20%), mas também de países como os EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia (entre os 4% e os 6,4%). Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
Portugal no pelotão da frente da especulação imobiliária
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Com a gentrificação de Lisboa, há novos habitantes a procurar Sintra, o que fez disparar o preço do arrendamento e aumentar a população. São já quase 400 mil habitantes, o que coloca grande pressão sobre as cidades, os serviços públicos, e, como consequência, pode tornar-se um problema social de grande dimensão. Já temos rendas na Agualva-Cacém acima dos 600 euros, e nas freguesias com mais poder aquisitivo rendas bem acima de 1100 euros.
São as tais cidades dormitório...
Sim, por exemplo, em 2019, Sintra foi o município da Área Metropolitana de Lisboa (AML) com o sexto menor rácio de sessões de espectáculos ao vivo por mil habitantes – 1%. Ainda analisando dados estatísticos, em 2019, 4,9% das despesas da autarquia destinaram-se à cultura e ao desporto, valor inferior ao de 2009 (11,6% do total das despesas).
Em 2019, Sintra era o município da AML com a quarta menor percentagem de despesas da Câmara Municipal destinadas à cultura e ao desporto – 4,9%. Isto diz muito das políticas da Câmara Municipal nos últimos anos.
As famílias com menos capacidade económica escolhem cada vez mais municípios ainda mais distantes do centro do AML. Não se estará a promover uma gentrificação no concelho?
Isso já acontecia em Sintra, mesmo antes do boom de Lisboa.
Sintra nunca foi um concelho homogéneo e, por isso, zonas como Colares, as freguesias do centro histórico de Sintra e áreas de condomínios privados (Beloura, Penha Longa, Belas Clube de Campo, por exemplo) constituem espaços de privilégio. Importa assinalar que nessas áreas as classes populares têm vindo a desaparecer por via do crescimento do turismo e da procura de casas antigas para restauro.
O município de Sintra teve, em 2020, a sexta maior proporção de hóspedes estrangeiros nos alojamentos turísticos da AML.
Se existe concelho com realidades muito diferentes, é o concelho de Sintra.
Há alguma razão para o actual Executivo (PS) não investir na construção de habitação a preços acessíveis? Face à enorme procura e carência nesta área...
O Plano de Recuperação e Resiliência não parte das necessidades do País, mas da imposição da União Europeia que, uma vez mais, tenta impor como, quando e onde Portugal pode aplicar os seus recursos. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) do Governo, tal como foi apresentado para discussão pública, não se apresenta como a resposta necessária à situação de emergência económica e social com que o país se vai confrontando, nomeadamente com a aceleração do desemprego, a perda de salários e rendimentos e a ameaça à sobrevivência de milhares de micro, pequenas e médias empresas. O País tem conhecido ao longo de anos inúmeros planos nacionais, sem que sobre eles se tenha procedido a uma avaliação crítica sobre os seus reais impactos. Um plano não vale por si só, nem pelo nome que se lhe dá. É necessário que articule a resposta com as necessidades nacionais e que, da aplicação dos cerca de 16 mil milhões de euros disponibilizados, não resultem políticas de contenção salarial, de liberalização de mercados e privatização de empresas estratégicas ou o financiamento público dos grupos económicos e a abdicação de soberania. O PRR não parte das necessidades do País, mas da imposição por parte da União Europeia (UE) de que mais de metade das verbas terão obrigatoriamente de ser afectas às transições energética e digital. Uma vez mais, a UE tenta impor como, quando e onde é que Portugal pode aplicar os seus recursos. A estratégia de descarbonização, imposta pela UE, não é feita ao ritmo e ao serviço de interesses nacionais, de que é exemplo o encerramento da refinaria de Matosinhos. Trata-se de uma estratégia que aponta à destruição de capacidade produtiva instalada em vez de promover a segurança e a soberania energéticas, e a defesa do meio ambiente. Uma estratégia que, conduzida em nome do ambiente, está a ser desenhada para entregar milhares de milhões de euros às transnacionais europeias. O mesmo se aplica à transição digital, não tanto pelo que ela possa incorporar de avanço científico e tecnológico no funcionamento dos serviços públicos ou no desenvolvimento dos processos produtivos, mas se adivinha de aprofundamento da exploração dos trabalhadores – teletrabalho, desregulação de horários, redução de salários – ou de degradação dos serviços públicos. O PRR assume nos seus propósitos preocupações que todos reconhecemos, mas não retira daí as necessárias consequências e passa ao lado dos défices estruturais com que Portugal se confronta. Ignora o défice demográfico, subestima o défice produtivo e relativiza o défice científico e tecnológico. Isto é, não vai às reais causas dos problemas nem propõe a sua superação. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Editorial|
Um Plano de Recuperação sob comando de Bruxelas
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A Estratégia Local de Habitação (ELH) prevê um esforço do município de 30 milhões de euros, para um total planeado de 131 milhões, ou seja, pretende obter 100 milhões do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Já percebemos que o PRR tem um gigantesco buraco na área da habitação; no fundo, é atirar areia aos olhos da população.
Essa ELH prevê 1798 novas respostas habitacionais para os próximos seis anos. Para além de insuficiente, porque actualmente existem 2500 pedidos de habitação na Câmara de Sintra, não vemos meios para a executar. Não sendo adivinho, está claro que o número de pedidos de habitação em Sintra vai disparar e a Câmara não vai conseguir responder.
Julgo ainda que a Câmara de executivo PS tem um preconceito ideológico: continua a incentivar a aquisição de habitação e não deseja assumir um parque de habitação público que responda às necessidades da população.
Qual é a alternativa para as famílias que deixam de conseguir comportar os valores de renda inflacionados e não têm uma resposta dos organismos responsáveis?
Com a especulação imobiliária em alta, as famílias perdem a capacidade de arrendar uma casa. A procura de quartos já não está reservada aos estudantes mas também aqui os preços são incomportáveis. O Correio da Manhã relata na edição impressa desta quarta-feira que o aumento das rendas, em particular nos grandes centros urbanos, «tem obrigado pessoas cada vez mais velhas a dividir casa arrendada com terceiros». Ao diário, o presidente da Associação de Inquilinos Lisbonenses (AIL), Romão Lavadinho, admite que «as famílias hoje não têm condições para pagar uma casa na totalidade» devido às «rendas incomportáveis», não estranhando portanto que «alugar um quarto seja uma opção». Mas nem o preço dos quartos escapa ao fenómeno da especulação imobiliária e, em Lisboa, já há anúncios a rondar os 400 euros. Os dados são de um relatório anual de arrendamento de quartos publicado pelo portal Idealista. De acordo com o estudo, arrendar um quarto em Lisboa custa, em média 323 euros, quase 70 euros mais do que a média nacional, situada nos 254 euros. Com o preço das casas a aumentar, o relatório atesta que «o arrendamento de quartos deixou de ser uma opção habitacional apenas para estudantes, convertendo-se também na opção eleita por jovens nos primeiros anos no mercado de trabalho e, em alguns casos, até mais tarde». A média de idades dos inquilinos, a nível nacional, situa-se nos 33 anos, sendo mais alta em cidades como Setúbal (37 anos). Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
Com as rendas das casas a aumentar, sobe a procura dos quartos
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A alternativa é partilharem uma casa com outras famílias e, assim, dividirem despesas. Digo isto porque conheço a realidade e a Câmara também tem conhecimento dela.
Em 2020, Sintra tinha 184 266 apartamentos ou moradias para habitação familiar, mais 256 do que em 2019 e mais 19 017 do que em 2010 (em 2009 eram 178 699). Em 2020, Sintra era o município da AML com o quarto maior número médio de residentes por moradia ou apartamento: 2,1.
Recentemente, visitei várias associações de bombeiros e os respectivos comandos transmitiram-me o seu espanto quando, enquanto realizam alguma intervenção de protecção civil, encontram famílias inteiras a partilhar casas, dispostas em vários quartos, alguns destes com cozinhas improvisadas (garrafas de gás ligadas a pequenos fogões). Constituem um perigo para os próprios, para os restantes habitantes dos edifícios e espelham a triste realidade de Sintra.
Os palácios deste concelho escondem muita miséria e muitos dramas humanos.
E o município o que pode fazer?
Teria de ser uma Câmara Municipal com vontade política para avançar com um programa público de construção de habitação, ou incentivadora da organização de cooperativas. Só assim se poderia resolver este grave problema que afecta muitos habitantes deste que é o segundo maior concelho populacional de Portugal.
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