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António Costa: «Temos de subir salários, mas...»

Na primeira entrevista após a rejeição da proposta de Orçamento para 2022, ficou clara a falta de vontade do primeiro-ministro de retirar o País da liga dos últimos em matéria salarial. «É realista?», perguntou.

CréditosPaulo Vaz Henriques / Agência Lusa

Se houvesse dúvidas quanto à agenda do Governo, António Costa tratou de as esclarecer na entrevista dada à RTP, esta segunda-feira. Fixada a data das eleições legislativas, o primeiro-ministro falou em jeito de pré-campanha eleitoral, mas deixou de fora uma parte substancial dos trabalhadores, a começar pelos que auferem o salário mínimo nacional (SMN). 

António Costa alegou ter «ambição de subir significativamente» os salários, mas quando confrontado com a falta de vontade de ir além dos 705 euros de SMN em 2022, recorreu a velhos argumentos, como a «capacidade de sustentação das empresas», colocando a faca e o queijo na mão dos patrões: «e vamos ver se há acordo [na concertação social] para os 705 euros».

Apesar de o valor do salário mínimo ser fixado pelo Governo, Costa defende «não ter mandato» para o valorizar condignamente e pergunta se «é realista» aumentar o salário mínimo para 800 euros, deixando a ideia de que a subida colocaria «em perigo» a «solidez e a recuperação» das empresas, e ameaçaria o futuro da Segurança Social. 

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Sem uma evolução geral, Portugal transforma-se num «país de salários mínimos»

O facto de os salários médios não terem acompanhado a evolução do salário mínimo nacional nos últimos seis anos leva a que este atinja cerca de 70% da remuneração média. 

CréditosRodrigo Antunes / Agência Lusa

A remuneração média nacional aumentará 10,1% entre 2015 e 2022, ao mesmo tempo que o salário mínimo subirá 39,6%, fazendo com que Portugal se transforme «num país de salários mínimos», conclui o economista Eugénio Rosa num estudo hoje divulgado.

Entre 2015 e 2022, segundo dados do Ministério do Trabalho citados no documento, o salário médio aumentará 96 euros, para 1048 euros, enquanto o salário mínimo nacional subirá 200 euros, para 705 euros, de acordo com aquilo que foi a intenção manifestada pelo Governo do PS.

A «distorção salarial», como lhe chama o economista, está a determinar que o salário mínimo nacional (actualmente de 665 euros) represente uma proporção cada vez maior do salário médio, tendo já atingido 67,3% da remuneração média.

«Este facto está a transformar Portugal num país de salários mínimos, pois um número cada vez maior de trabalhadores recebe apenas aquele salário», afirma o economista consultor da CGTP-IN.

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Patrões contra «aumento irracional» do salário mínimo

Sem surpresas, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) afirma que o aumento para 705 euros proposto pelo Governo, aquém do que os trabalhadores reivindicam, deve ser revisto. 

CréditosTiago Petinga / Agência Lusa

Em entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios, António Saraiva afirmou que não faz sentido manter a meta do Governo para o salário mínimo nacional (SMN), de chegar aos 750 euros apenas em 2023. 

«Sou contra qualquer aumento irracional», declarou o representante dos patrões, insistindo no gasto argumento de que um aumento do SMN «tem que atender à inflação, ao crescimento económico e aos ganhos de produtividade, factores perfeitamente mensuráveis».

A história tem demonstrado que não existe uma correspondência directa entre os ganhos das empresas e os salários de quem cria a riqueza. Veja-se o exemplo da Jerónimo Martins, que em 2015 registou lucros de 333 milhões de euros, mas os quase 90 mil trabalhadores recebiam então um salário médio pouco acima dos 680 euros.

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Aumento do salário mínimo volta ao Parlamento esta quinta-feira

O projecto de resolução do PCP propõe aumentar o salário mínimo nacional (SMN) de 665 para 850 euros. Em Abril de 2019, mais de 1 milhão e 200 mil trabalhadores auferia o SMN.  

CréditosTiago Petinga / Agência Lusa

Desde 2015 que o salário mínimo vem conhecendo aumentos sucessivos, fruto da luta dos trabalhadores, como observa o PCP no preâmbulo do diploma que será discutido esta tarde na Assembleia da República, mas ainda assim aquém do que seria necessário para baixar a taxa de risco da pobreza e do que objectivamente seria possível, não fosse a injustiça na distribuição da riqueza. 

Cerca de 56% da riqueza total do nosso país é detida por 1% da população, sendo que a fortuna que é acumulada pelos 50 mais ricos em Portugal equivale a 12% do Produto Interno Bruto (PIB).

Apesar de ser remuneração de referência para centenas de milhares de trabalhadores, foi ao longo dos anos objecto de uma profunda desvalorização por parte de sucessivos governos. Veja-se o exemplo dos últimos quatro anos de governação do PSD e do CDS-PP, em que o SMN esteve estagnado nos 485 euros. Desde então, foram-se realizados aumentos (ver caixa), embora insuficientes e aquém do necessário para acabar com a pobreza dos trabalhadores, com os patrões a reclamar contrapartidas.

O argumento do peso das remunerações na estrutura de custos das empresas é facilmente desmentida, quando se percebe que apenas representa um peso de 18%, muito inferior a um conjunto de outros custos, designadamente com a energia, combustíveis, crédito ou seguros. «Convém, aliás, referir que este conjunto de custos estão sujeitos à estratégia de lucro máximo de um conjunto de empresas e sectores que, depois de privatizadas, passaram a penalizar fortemente a economia nacional», refere-se no diploma.

De acordo com o último Inquérito à Situação Financeira das Famílias, em 2017, cerca de 70% da riqueza total é detida pelas famílias pertencentes ao grupo das 20% com maior riqueza, enquanto as famílias do grupo dos 20% com menor riqueza dispõem tão só de 0,1%. Também o último Inquérito Anual às Condições de Vida, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística em 2019, dava conta de que cerca de 10% da população empregada era pobre e que 40,7% dos desempregados eram pobres, apontando esse mesmo documento para que cerca de dois milhões de pessoas se encontrassem em risco de pobreza (19,8%).

Significa isto que o seu rendimento mensal não chega para satisfazer as despesas básicas familiares, com o valor do SMN a ser uma das principais causas de pobreza no nosso país.

Actualmente, o salário mínimo em Portugal, conquista da Revolução de Abril, é de 665 euros e, tal como no ano passado, em que o valor do SMN era de 635, os comunistas recomendam ao Governo um aumento para os 850 euros, medida que integra também a política reivindicativa da CGTP-IN para 2022. Em Outubro de 2020, PS, PSD, CDS-PP e IL chumbaram um projecto de resolução pelo aumento do salário mínimo nacional para 850 euros. 

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O presidente da CIP advoga que «não há condições» para aumentar o salário mínimo para os 705 euros no próximo ano, conforme proposta do Governo, apoiado na «significativa perda de receitas e de empregos» do último ano e meio. Mas nem mesmo em períodos de maior fulgor económico os patrões se mostram disponíveis para proceder ao aumento dos salários. Para tal podemos recuar a 2019, com os patrões a recusarem uma subida do salário mínimo acima dos 600 euros

Com o aumento do SMN seria possível tirar muitos trabalhadores da pobreza e dinamizar a economia, uma vez que os seus salários vão estimular o consumo, a procura e o mercado interno, servindo também para alavancar o aumento dos salários médios. Por outro lado, é também condição de reforço da Segurança Social, assegurando melhor protecção social e pensões de reforma mais altas. 

Esta sexta-feira, o Parlamento chumbou o aumento do salário mínimo para 850 euros, com o voto contra de PS, PSD, CDS-PP, CH e IL. O valor está em sintonia com a proposta reivindicativa da CGTP-IN para 2022. A UGT reivindica um aumento do SMN para 715 euros.

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Apesar da trajectória de aumentos do salário mínimo nacional, ainda assim aquém do que seria necessário para retirar os trabalhadores da pobreza, o problema para o qual alerta Eugénio Rosa recai na estagnação dos salários médios, também na Administração Pública, cujas remunerações estão praticamente congeladas desde 2009. O economista defende que esta é uma situação «dramática», sendo quase impossível a contratação de trabalhadores altamente qualificados. 

No estudo, Eugénio Rosa regista que na página do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) estão 156 ofertas de emprego para engenheiros civis, electrotécnicos, mecânicos, agrónomos, entre outros, «cujos salários oferecidos, na sua esmagadora maioria, variam entre 760 euros e 1000 euros brutos», ou seja, antes dos descontos para o IRS e para a Segurança Social.

«Como é que o País assim pode reter quadros qualificados?», questiona o economista, sublinhando que sem trabalhadores altamente qualificados o crescimento económico e o desenvolvimento nacional serão impossíveis.

Por outro lado, denuncia, «o País despende uma parte importante dos seus recursos em formar nas universidades jovens altamente qualificados que depois o abandonam e vão contribuir para o desenvolvimento de outros países, porque não encontram no seu país remunerações e condições de trabalho dignas».


Com agência Lusa

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A velha retórica de que os baixos salários são a fonte da competitividade no nosso país e a receita para travar o desemprego não passa disso mesmo, de retórica. A realidade nacional desde 2015, com uma política de recuperação de direitos e rendimentos deitou por terra a tese a que o patronato sempre recorre, além de ter contribuído para a vitalidade da Segurança Social. Recorde-se que os salários apenas representam 1/6 dos custos das empresas, o restante são despesas de contexto, como a electricidade e os combustíveis. 

Por outro lado, nos países em que o salário mínimo é muito mais alto do que em Portugal (na Alemanha vai ter um aumento de 400 euros, para mais de 2000 euros mensais) não há registos de quebra no emprego ou de menor competitividade, bem pelo contrário.

Ainda a propósito da proposta de Orçamento para 2022, alegando que o Governo foi ao «limite dos limites», António Costa puxou por algumas das medidas de que fez bandeira, apesar da insuficiência das mesmas para resolver os problemas do País. É o caso do «reforço» de 700 milhões de euros no Serviço Nacional de Saúde (SNS), que não chegam para pagar a dívida, de acordo com o que tem sido a trajectória, fruto do subfinanciamento crónico, ou do «alívio fiscal», em resultado do desdobramento dos escalões de IRS, mas que não alivia os rendimentos mensais até 1000 euros brutos, que é onde se encontra a maioria dos trabalhadores. 

O primeiro-ministro reconheceu que o País quer que o Governo se concentre «no dever de encontrar soluções», e é isso que está a faltar.

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