De acordo com UNRWA – a agência da ONU para os refugiados palestinianos no Médio Oriente –, mais de 870 mil refugiados vivem em 19 campos espalhados pela Margem Ocidental ocupada.
Como a ajuda humanitária tem diminuído, devido a falta de fundos, as condições de vida nos acampamentos pioraram. O de Balata, em Nablus, foi criado em 1950 para albergar cerca de 5000 pessoas e hoje é o maior campo de refugiados da Cisjordânia, com mais de 30 mil residentes.
Sohad Hammouda vive numa casa que não tem mais de 50 metros quadrados com a sua família de 11 membros, e a preocupação de pôr pão na mesa é constante.
«Antes, dependia principalmente da assistência prestada pela UNRWA, em termos de alimentação e algum dinheiro, mas hoje as coisas mudaram, pois a agência reduziu a ajuda que nos costumava prestar», disse a mulher de 50 anos à jornalista Sanaa Kamal, da Xinhua.
A agência das Nações Unidas foi fundada em 1949 para dar assistência aos mais de 750 mil palestinianos vítimas da limpeza étnica levada a cabo pelas forças sionistas antes e depois da criação de Israel.
Os refugiados da Palestina são definidos pela UNRWA como «pessoas cujo local de residência habitual era a Palestina durante o período de 1 de Junho de 1946 a 15 de Maio de 1948, e que perderam tanto o lar quanto os meios de subsistência como resultado do conflito de 1948».
Actualmente, a agência dá ajuda a mais de 5,6 milhões de palestinianos refugiados na Faixa de Gaza cercada, na Cisjordânia ocupada – incluindo Jerusalém Oriental –, no Líbano, na Síria e na Jordânia.
No entanto, debate-se com falta de fundos. De acordo com representantes do organismo, o défice atinge os 100 milhões de dólares, o que motivou a redução dos programas de ajuda, incluindo a diminuição das rações alimentares.
«Em vez de recebermos a ração de comida todos os meses, só podemos obtê-la de três em três meses, e a quantidade é muito mais pequena, raramente dando para um mês», disse Hammouda à Xinhua, enquanto amassava a farinha para o pão dos filhos.
Para piorar as coisas, o seu marido sofre de insuficiência renal e a filha mais velha também está doente, o que torna mais pesado o encargo financeiro da família.
«A palavra refugiado significa escapar da morte para um porto seguro, mas nós escapámos da morte para o sofrimento contínuo», disse, acrescentando que a sua família vive como refugiada há décadas e ainda não viu o fim do seu sofrimento.
Ibrahim Sharara, no acampamento desde 1950
Com 76 anos, Ibrahim Sharara é um refugiado palestiniano com deficiência física. Muitas vezes, senta-se com os seus vizinhos em frente da sua habitação degradada, uma vez que não há empregos suficientes para todos no acampamento e menos ainda para pessoas idosas com deficiência.
Sharara disse à jornalista da Xinhua que a vida no campo de refugiados não é fácil, especialmente por dependerem de ajuda de instituições internacionais para sobreviver.
Vários habitantes desfiam memórias de resistência na cidade, onde histórias familiares e revolução andam de mãos dadas – a terra esteve na luta muito antes de seis palestinianos terem saído de uma prisão de alta segurança escavando um túnel com colheres. Desde a invasão do exército de Napoleão Bonaparte até aos tiroteios recentes entre jovens armados locais e as forças de ocupação israelita, os habitantes da cidade do Norte da Cisjordânia falam com orgulho do seu histórico desafio. «Cresci a ouvir a história heróica do meu tio-avô, Farhan al-Saadi e [Izz al-Din] al-Qassam, que espalharam as sementes da resistência e inspiraram a geração seguinte em Jenin, incluindo eu», disse Bassam al-Saadi, agora com 61 anos, ao jornalista Fareed Taamallah, do Middle East Eye (MEE). Tal como as lembranças de Saadi, as histórias familiares que os residentes mais velhos partilham desenham um longo legado de luta contra a opressão e a ocupação que persiste na actualidade. Jenin encontra-se na base das colinas escarpadas de Nablus, as Jabal an-Nar ou «as montanhas de fogo», como foram chamadas depois de os seus habitantes terem incendiado olivais e florestas para travar o avanço dos soldados franceses em 1799. Quando os franceses ganharam a batalha, Napoleão ordenou aos seus soldados que queimassem e saqueassem Jenin, como represália pela ajuda aos otomanos. Mais de um século passado, em Setembro de 1918, Jenin foi capturada por aliados britânicos, durante a Primeira Guerra Mundial, ficando sob domínio das autoridades do Mandato Britânico, tal como o resto da Palestina. Foi neste período, em 1935, que Izz al-Din al-Qassam, um pregador muçulmano e «dirigente» social, organizou a primeira resistência armada palestiniana contra os britânicos na região de Jenin. Em 1936, Jenin era um centro da rebelião contra as autoridades britânicas, liderada pelo amigo de Qassam, e tio-avô de Bassam al-Saadi, Farhan al-Saadi. Este, natural de uma aldeia próxima de Jenin, participou em manifestações contra os britânicos e no levantamento de al-Buraq, em 1929, que foi um confronto entre muçulmanos e judeus pelo acesso a um lugar sagrado em Jerusalém e que alastrou a todo o país. Os dois homens tinham-se conhecido anos antes de que as autoridades britânicas metessem na cadeia Farhan al-Saadi, entre 1929 e 1932. «A minha mãe disse-me que viu al-Qassam visitar o meu tio-avô na sua casa, na aldeia de Almazar», disse Saadi ao MEE. «Mas quando saiu da prisão, juntou-se a al-Qassam, que encontrou entre os camponeses de Jenin uma incubadora popular para a sua revolução», referiu. Meses antes do início da revolta árabe contra o Mandato Britânico, que apelava à independência palestiniana e ao fim da imigração judaica sem limites, al-Qassam foi morto num tiroteio com a polícia colonial britânica. Mas Farhan al-Saadi continuou. No dia 15 de Abril de 1936, o seu grupo fez uma emboscada a um autocarro na estrada Nablus – Tulkarem, perto de Jenin. Dois passageiros judeus foram mortos como vingança pela matança de palestinianos por organizações judaicas, um incidente visto como o ponto de partida da revolta. Bassam al-Saadi disse que a sua mãe era uma adolescente quando o seu tio-avô foi preso na casa da sua família, em 1937. Foi executado em Novembro desse ano, com 75 anos, mas a rebelião em Jenin continuou. Em 1938, um dia depois de um alto comandante britânico ter sido assassinado no seu gabinete em Jenin, uma grande força britânica entrou na cidade com explosivos e dinamite, fazendo explodir aproximadamente um quarto da urbe. A revolta terminou em 1939, quando os funcionários do Mandato Britânico emitiram um livro branco com a promessa de travar a imigração judaica para a Palestina, já com a maior parte dos líderes revolucionários palestinianos assassinados ou presos. Em 1948, depois de Israel ter declarado a independência e milhares de palestinianos terem sido assassinados ou expulsos de suas casas, por grupos paramilitares judaicos, o Exército israelita ocupou brevemente Jenin. A cidade podia ter tido a mesma sorte que a cidade vizinha de Haifa, que foi ocupada por Israel e cujos residentes árabes foram expulsos. A maior parte dos residentes de Jenin viu-se obrigada a fugir, sob o intenso bombardeamento da sua cidade. Mas, em vez de ser ocupada, Jenin foi defendida pelo Exército iraquiano e por voluntários palestinianos, incluindo Mohammad Qasrawi, da aldeia de Burqin, perto de Jenin. Agora, com 96 anos, Qasrawi falou sobre a «grande batalha» entre o Exército iraquiano e a milícia judaica. «Muita gente morreu, incluindo três amigos meus, que enterrámos com os mártires iraquianos no cemitério de Al-Shuhada, mas ganhámos a batalha e derrotámos os bandos», disse. Em 1949, Jenin ficou sob domínio jordano e, no início dos anos 50, foi criado o campo de Jenin, para albergar os palestinianos deslocados que haviam sido expulsos durante a guerra de 1948 entre Israel e os países árabes. O campo, localizado nos arrabaldes ocidentais de Jenin, tornou-se mais tarde um bastião da resistência à ocupação israelita. Khadra Abu Sariyyi, de 84 anos, lembra-se de quando as milícias sionistas destruíram a aldeia de Zare'en, sua terra natal, forçando a sua família a viver como refugiados no acampamento de Jenin. «Construímos uma casa de pedra e lama», disse, falando num acampamento onde ainda vive e onde a casa da sua família foi demolida duas vezes. «O meu irmão Hassan, que foi um dos revoltosos contra os britânicos e se envolveu na revolução, foi morto a tiro, em 1969, por militares israelitas, que depois levaram o seu corpo», disse. Nunca foi devolvido à família. Até hoje, não sabem onde está enterrado. Bassam al-Saadi também se lembra do tempo que passou no acampamento de Jenin, depois de os seus pais terem fugido da aldeia de Almazar, também arrasada por milícias judaicas, quando conta as histórias do seu tio-avô e de Qassam. Jenin caiu sob domínio israelita depois da guerra de 1967, o que levou muitos jovens locais, como Jamal Zobaidi, a juntar-se à resistência contra a ocupação. Zobaidi, agora com 65 anos, disse que ele e a sua família, juntamente com muitos outros palestinianos, fugiram do acampamento de Jenin para as montanhas durante a guerra, para escapar aos bombardeamentos contínuos. «A sua esperança era voltar às suas aldeias, mas, em vez disso, acabaram por regressar ao acampamento», disse Zobaidi, que lutou contra a ocupação palestiniana com recurso a actividades pacíficas nas décadas de 1970 e 1980. Foi preso seis meses sem acusações ou julgamento em 1987. A sua casa, disse, foi uma de várias que que o Exército israelita demoliu como punição colectiva. Em Dezembro de 1987, quando rebentaram os protestos contra a ocupação israelita na Cisjordânia e em Gaza, os habitantes de Jenin resistiram. Joma'a Abu Jabal, de 54 anos, nascido no acampamento de Jenin depois de a sua família ter sido expulsa de Lid al-Awadeen, uma terra perto de Haifa onde viviam em 1948, lembra-se bem. «O Exército israelita com jipes blindados não conseguiu invadir o acampamento durante 60 dias devido à feroz resistência», disse ao MEE. O irmão de Abu Jabal, Isam, foi morto a tiro por um franco-atirador israelita, quando o Exército acabou por entrar no campo, em Fevereiro de 1988. Abu Jabal foi preso mais de dez vezes pelo Exército israelita entre 1987 e 2020, sendo acusado de pertencer ao Hamas. Passou, no total, mais de cinco anos na prisão e agora trabalha na construção. Durante a segunda Intifada, o Exército israelita atacou o acampamento de Jenin no âmbito daquilo que foi designado como Operação Escudo Defensivo. Em Abril de 2002, o Exército israelita cercou o acampamento, cortou-lhe a água, o acesso a alimentos e a electricidade, impedindo ainda a entrada de pessoal médico antes de o bombardear com aviões F-16 e artilharia. A operação provocou a morte de dezenas de palestinianos e a destruição de dezenas de casas, além de milhares de deslocados, tornando-se um símbolo importante da opressão israelita e da resistência palestiniana. Durante a invasão, Joma'a Abu Jabal estava a guardar comida e a distribuí-la aos residentes no acampamento quando um soldado israelita o atingiu na perna com uma bala explosiva que lhe desfez a rótula. Manteve-se escondido numa casa abandonada quatro dias, com as feridas a sangrarem, para evitar ser preso. No entanto, quando os militares israelitas invadiram o acampamento, levaram-no detido e mantiveram-no na cadeia seis meses. «Levaram-me para a prisão, onde me deixaram a sangrar até o pé ficar infectado. Submeteram-se a interrogatórios e torturas batendo-me no pé ferido», disse. «Internaram-me num hospital, onde me amputaram a perna sem minha autorização», acrescentou. Nessa mesma invasão, Jamal Zubaidi, de 65 anos, ficou encurralado em sua casa com 14 membros da sua família. A casa já tinha sido demolida na primeira Intifada. «Os aviões israelitas bombardearam a nossa casa com três mísseis, transformando-a em escombros pela segunda vez, mas sobrevivemos milagrosamente», disse. Embora a família de Zubaidi tenha sobrevivido ao bombardeamento, a operação foi devastadora noutros aspectos. A sua mãe, Sameera, foi morta a tiro pelas tropas israelitas pouco antes da invasão, em Março. E mataram o seu irmão Taha no mês seguinte, revelou. A sua casa seria parcialmente demolida pela terceira vez em 2004, quando as tropas israelitas andavam à procura do seu irmão Zakariyya. Figura conhecida da resistência e ex-comandante das Brigadas dos Mártires de al-Aqsa, Zakariyya foi um dos seis prisioneiros que escaparam da prisão de Gilboa, em Israel, no início deste mês, antes de ser capturado. Estava na cadeia desde 2019, acusado de participar em actividades armadas contra Israel, anos depois de aceitar baixar as armas, em 2007. Três outros irmãos de Zubaidi também estão da cadeia por participarem nas actividades da resistência, principalmente em grupos ligados à Fatah: Yahya há 17 anos, Jibreel há 13 e Dawood há 20. Hoje, o acampamento de Jenin é ainda um dos focos de resistência contra a ocupação israelita, e um local pouco comum, onde existe unidade entre todas as facções palestinianas, incluindo a Fatah e o Hamas. «Estamos unidos na luta, e a divisão não é tanto entre as facções da resistência como entre a resistência e os inimigos da resistência», disse Abu-Jabal. «Mas havemos de ultrapassar isso.» Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
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O tio revolucionário
Reconstrução com lama e pedra
«A esperança deles era voltar»
A invasão de Jenin
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«Vivo aqui desde 1950, já que a minha família foi das primeiras a instalar-se no acampamento para fugir da morte e do medo», disse.
Na conversa que mantiveram com Sanaa Kamal, tanto Hammouda como Sharara pediram mais apoios à comunidade internacional; os refugiados que vivem em Balata estão mergulhados na mais profunda miséria.
«O acampamento sofre de sobrelotação e a população residente está a sofrer com os cortes da UNRWA, pois depende de uma clínica que só funciona a determinadas horas», disse Faryal Kharoub, um activista comunitário em Balata.
A população teme que o resto do mundo se esteja a esquecer do sofrimento dos palestinianos, acrescentou.
À Xinhua, Hammouda disse que não via maneira de viver fora do campo de refugiados, onde passou muitos anos, mas mostrou-se esperançada em que os seus filhos possam sair dali e viver num sítio próspero.
Nevin, uma das suas filhas, entrou numa universidade para estudar programação de computadores. «Embora outros estudantes com a minha idade sonhem em formar-se para concretizar as suas aspirações, eu quero ajudar a minha mãe com as despesas da casa e ajudar os meus irmãos a concluírem os seus estudos», disse a estudante de 20 anos.
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