A primeira parte da análise da proposta de privatização da Eletrobras, avançada pelo governo brasileiro, teve lugar em Fevereiro, devido à complexidade do assunto, e já então o tribunal se pronunciou a favor da venda.
Tanto na sessão de Fevereiro como na que decorreu ontem, o único juiz que se opôs à privatização foi Vital do Rêgo. Há três meses, questionou o valor que o Estado irá receber ao deixar o controlo da empresa.
Ontem, segundo refere o Brasil o Fato, Rêgo voltou a apontar irregularidades na proposta de privatização e chegou a pedir que o julgamento fosse suspenso para conclusão de uma auditoria do TCU sobre as provisões relativa às dívidas da empresa. Apontou ainda a subvalorização do seu património e falhas em estudos sobre o valor da estatal.
No seu voto, o juiz afirmou que a Eletrobras está a ser vendida a «preço de banana», num «negócio de pai para filho» e que o mercado está em festa com a forma como o governo propõe vender a estatal. «Estão comprando uma égua prenha. Levam dois pelo preço de um», disse.
As suas alegações foram rebatidas pelo juiz Benjamin Zymler, de acordo com o qual eventuais falhas na avaliação do preço da Eletrobras serão sanadas pelo mercado, durante o leilão das acções. Outros ministros do TCU acompanharam esta análise, refere a fonte.
Protesto no exterior
Enquanto a sessão decorria, em Brasília, trabalhadores da empresa, sindicatos, deputados da oposição uniram-se numa acção de protesto contra a privatização da empresa, segundo indica o Portal Vermelho.
O Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF), que integrou o protesto nas imediações do TCU, alertou que, entre outras coisas, a privatização da Eletrobras vai levar ao aumento de até 25% nas contas de luz dos brasileiros.
Pressa para vender
O governo de Jair Bolsonaro já deu indicação de que pretende privatizar a Eletrobras o quanto antes, para evitar que o calendário eleitoral comprometa o interesse de compradores. Segundo Fabíola Antezana, dirigente do STIU-DF, é possível que o leilão para capitalização da Eletrobras ocorra ainda em Junho.
O Conselho Federal de Economia critica o processo de privatização da Eletrobras, no Brasil, e prevê que os preços possam vir a ser até «quatro vezes superiores» aos actuais. «Manifestamos nosso posicionamento contrário à privatização da Eletrobras em curso, tendo em vista que esta poderá incorrer em prejuízos irreparáveis para a soberania nacional e para capacidade de gestão e geração de energias limpas e de baixo custo», diz o Manifesto dos Economistas. O texto, divulgado no dia 22 de Fevereiro pela Comissão de Política Económica do Conselho Federal de Economia (Cofecon), é também subscrito por profissionais do sector e diversas organizações que se opõem à privatização da empresa estatal brasileira. «A Eletrobras é a maior empresa de geração e transmissão de energia elétrica da América Latina», afirma o texto, destacando que a eventual privatização da empresa estatal «provocaria profunda desorganização do Setor Elétrico Brasileiro (SEB), com repercussões negativas para toda sociedade brasileira». O manifesto, que pode ser lido na íntegra aqui, refere que «os prejuízos se verificarão no curto e no médio prazo, a começar por uma explosão tarifária». Os trabalhadores da Eletrobras iniciaram à meia-noite deste domingo uma paralisação de 72 horas, em protesto contra os planos de privatização da empresa e em defesa da soberania nacional. No seu portal, a Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), organização que representa os trabalhadores do sector Eléctrico em todo o Brasil, afirma que a greve agendada para hoje, amanhã e quarta-feira visa também denunciar «a venda das distribuidoras de energia do grupo» e «o aumento na conta da luz», e exigir a saída do actual presidente da empresa, Wilson Pinto Jr., que «representa a simbologia da privatização e a política de destruição do sector Eléctrico». «Ao contrário do que o governo diz, a privatização da Eletrobras irá aumentar a conta da luz para o consumidor comum e a greve é um alerta à população sobre esse risco», diz Pedro Blois, presidente da FNU. «A política de privatização coloca em cheque a soberania nacional no planeamento e na operação da matriz eléctrica brasileira, uma vez que o património do povo será vendido ao capital estrangeiro e, ainda por cima, a um preço de banana», denuncia o dirigente sindical, citado no portal da FNU. Lembrando a «importância da empresa para a povo brasileiro» – que hoje cumpre 56 anos de existência –, a FNU estima que cerca de 24 mil trabalhadores do grupo Eletrobras participem no protesto, garantindo que os serviços essenciais serão mantidos. Em comunicado, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) manifesta todo o seu apoio à luta dos trabalhadores da Eletrobras e destaca a sua importância no contexto «da grande batalha que a classe trabalhadora trava hoje no Brasil». «A luta contra a privatização da Eletrobras é a luta em defesa da soberania e do emprego de milhões de brasileiros e brasileiras. Essa luta também é pelo entendimento de que, uma vez privatizada a Eletrobras, o acesso à energia será definido pelo poder de quem pode ou não pagar», lê-se no texto. Num encontro recente, em Brasília, entre organizações representativas dos trabalhadores do sector Eléctrico e representantes de diversos movimentos, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), sublinhou-se que a venda da empresa estatal é uma prioridade na agenda económica de do governo golpista de Michel Temer. O grupo Eletrobras, que integra empresas de distribuição, geração e transmissão em todas as regiões do Brasil, está na mira do governo Temer há muito tempo, existindo vários projectos de lei e decretos com conteúdo que remete para a sua privatização, segundo explica o Brasil de Fato. No encontro, Marco Baratto, dirigente do MST, salientou que a defesa da Eletrobras está associada a questões como a soberania energética, a segurança nacional e o acesso a um serviço público de energia de qualidade. Acrescentou que a venda da empresa se fará sentir fortemente na vida da população camponesa, por via do aumento das tarifas «nos territórios que são [considerados] invisíveis no Brasil», e por via do acesso e da qualidade [do serviço], «porque [este] vai estar na mão de grupos empresariais», disse. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. De acordo com os economistas, a privatização poderá fazer aumentar o preço das tarifas até «quatro vezes», reduzindo o rendimento disponível das famílias para o consumo de outros produtos, num contexto em que rendimento das famílias já vem a ser pressionado «pelas recentes elevações nos preços dos alimentos e dos combustíveis, também afetados pela alta dos preços da eletricidade». O encarecimento da energia também terá impactos directos nos custos do sector dos serviços e de sectores industriais, e os economistas sublinham que o país sul-americano ganha em manter um sistema nacional estruturado em torno da Eletrobras, permitindo a distribuição de investimentos e o combate a desigualdades regionais. Em termos ambientais, o documento estima que a desarticulação do SEB levará a um aumento do consumo de energia térmica – previsto no projecto de privatização –, provocando um impacto negativo. A privatização da Eletrobras pode inviabilizar o trabalho do Centro de Pesquisa de Energia Elétrica (Cepel), o maior pólo de investigação do sector elétrico na América Latina, hoje financiado quase exclusivamente pela empresa estatal e suas subsidiárias, refere o Brasil de Fato. Fundado em 1974 pela própria Eletrobras, o Cepel surgiu com dois objectivos: ajudar a desenvolver o sector elétrico, em fase de grande expansão; e reduzir as despesas do país com compra de tecnologia estrangeira. Tendo em conta a importância do centro, a Eletrobras contribuiu sempre para o seu financiamento. De acordo com o portal brasileiro, o balanço financeiro mais recente do centro, referente ao ano de 2020, aponta que a empresa estatal e as suas subsidiárias aportaram mais de 83% de tudo que o pólo recebeu para manter as suas actividades naquele ano. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
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Neste leilão, a Eletrobras colocará novas acções à venda para aumentar o seu capital, num processo em que a participação do Estado na empresa deve cair de cerca de 75% para 45% do capital, refere o Brasil de Fato.
Antezana explicou que ainda há uma série de dúvidas sobre este processo e, por isso, várias acções judiciais questionam a operação. Só esta quarta-feira quatro processos foram ajuizados em tribunais da Justiça Federal e no Supremo Tribunal Federal, lançados por deputados do Partido dos Trabalhadores (PT) e por dirigentes sindicais.
A dirigente do STIU-DF disse que o sindicato e outros movimentos populares acreditam que acções como estas podem travar a privatização ou, pelo menos, adiá-la. O eventual adiamento poderia deixar a decisão da venda (ou não) da empresa para depois das eleições presidenciais.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pré-candidato à presidência, já disse ser contra a privatização. Ontem, declarou que, «sem uma Eletrobras pública, o Brasil perde boa parte da sua soberania e segurança energética». «Só que quem não sabe governar tenta vender empresas estratégicas, ainda mais correndo para vender em liquidação», escreveu no Twitter.
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