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Reino Unido: há muitos a querer a água na esfera pública

A maior empresa privada de abastecimento de água em Londres entregou milhares de milhões aos accionistas e agora pede para ser resgatada. Aumenta a exigência de renacionalização dos serviços.

Créditos / @we_ownit

Organizações britânicas de justiça social estão a instar os juízes a rejeitarem o pedido de resgate da Thames Water, uma das maiores empresas privadas de abastecimento de água no país, que serve cerca de 16 milhões de pessoas na área metropolitana de Londres.

Os activistas defendem que a aprovação do resgate do fornecedor privado de serviços públicos iria permitir à Thames Water manter a sua má gestão, ao mesmo tempo que forçaria os consumidores a suportar o fardo – aumentando as facturas anuais de água em 250 libras (cerca de 303 euros) por consumidor.

«Isto é um assalto à luz do dia. Há duas pessoas que podem impedir isto: o juiz hoje presente no tribunal e Steve Reed, o secretário do Ambiente. Pode proteger os pagadores retirando a licença à Thames Water, com base na insolvência financeira, despejo ilegal de esgotos ou ambos», disse Cat Hobbs, director da We Own It, ao Peoples Dispatch.

A empresa alertou que, sem o resgate, ficaria sem fundos em Março do próximo ano. Contudo, os clientes da Thames Water dizem que vão ser injustamente sobrecarregados com os custos do resgate, incluindo as elevadas taxas de juro que se seguirão, enquanto os administradores da empresa não enfrentarão grandes consequências.

A organização We Own It (em defesa dos serviços públicos) referiu que «é óbvio que o consumidor, como única fonte de receitas, irá financiar indirectamente este montante através de aumentos nas suas facturas de água».

Embora alegue dificuldades financeiras, a Thames Water conseguiu garantir margens de lucro substanciais aos seus investidores – muitos dos quais estão sediados fora da Grã-Bretanha e não são afectados pelo declínio da qualidade dos serviços de água locais –, ao mesmo tempo que concedeu bónus generosos à sua administração, refere a fonte.

Este padrão não é exclusivo da Thames Water: todas as empresas de água e esgotos em Inglaterra seguiram um caminho semelhante desde a privatização, com o governo de Margaret Thatcher. Durante este período, estas empresas pagaram 72 mil milhões de libras (87,2 mil milhões de euros) aos accionistas, e acumularam 60 mil milhões de libras (72,7 mil milhões de euros) em dívidas. Como consequência directa disto, houve uma falta crónica de investimento em infra-estruturas.

«O argumento a favor da privatização era que haveria mais investimento, a água seria mais barata e o serviço seria mais eficiente», observou o deputado independente Jeremy Corbyn durante um debate sobre os serviços de água este ano. «Funcionou muito bem, não foi?», perguntou, com ironia.

Um risco para o ecossistema e para a saúde humana

Para além das perdas financeiras, a privatização levou a um declínio significativo da segurança e qualidade da água. Os operadores privados têm descarregado regularmente águas residuais não tratadas nos rios e no mar, causando danos aos ecossistemas e representando uma ameaça directa para a saúde humana.

Entretanto, os reguladores não conseguem impor o cumprimento das normas de segurança devido a conflitos de interesses, aos baixos limites das multas e ao facto de a própria infra-estrutura continuar sob propriedade das empresas.

Ao contrário de outros países europeus que privatizaram a água recorrendo à externalização da prestação de serviços, mas mantendo quase sempre a propriedade das infra-estruturas, a Inglaterra vendeu tudo.

Como resultado disto, nota o Peoples Dispatch, o governo britânico não teria apenas de esperar que os contratos expirassem para recuperar o controlo, mas teria de comprar de volta todo o sistema de água a empresas como a Thames Water.

De acordo com a We Own It, o custo inicial deste processo poderá começar por cerca de 15 mil milhões de libras (19 mil milhões de dólares) – um montante que a campanha estima que possa ser reembolsado em apenas seis anos.

A renacionalização dos serviços de água levou a êxitos significativos noutros países, no entender de Matthew Topham, dirigente da campanha We Own It. «Paris [em França] retomou o controlo da sua água potável em 2010. As facturas baixaram imediatamente, os níveis de satisfação dos consumidores são elevados e, no ano passado, conseguiram reinvestir 89 milhões de euros na melhoria da rede», explicou.

O actual governo não é pela nacionalização da água

Os opositores ao resgate da Thames Water querem o regresso à propriedade pública. Defendem que esta abordagem não só reduziria os custos para os consumidores, como também criaria espaço para mais investimentos em infra-estruturas, melhorando a qualidade da água.

Inquéritos realizados mostram que mais de 80% dos britânicos apoia esta exigência, a de que de os serviços de água devem ser devolvidos ao controlo público.

O governo trabalhista, no entanto, não partilha esta visão. Sob a liderança de Jeremy Corbyn, o programa do partido incluía um plano ambicioso para renacionalizar os serviços de água. Em 2024, o programa eleitoral do Partido Trabalhista afastou-se desta ideia, mantendo apenas a possibilidade de conceder «novos poderes» aos reguladores, no sentido de bloquear bónus às empresas que comprovadamente poluem os cursos de água.

Tal como muitos à esquerda previram antes das eleições de Julho último, a administração de Keir Starmer mostrou uma clara inclinação para a privatização, não apenas nos serviços de água, mas também nos cuidados de saúde e noutros sectores.

A decisão final sobre o pedido de resgate da Thames Water deve ser conhecida no início de 2025, com os activistas a exortarem o tribunal a considerar as preocupações dos consumidores e a rejeitar a proposta, abrindo caminho para melhores serviços de água.

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