A recuperação da gestão pública e municipal da água no concelho de Setúbal, concessionada à empresa Águas do Sado até 17 de Dezembro de 2022, foi uma das principais promessas eleitorais do actual presidente da Câmara Municipal de Setúbal (CMS), André Martins, eleito pela CDU, e parece estar já em vias de se concretizar.
Em comunicado, a CMS informa que a estrutura orgânica do novo serviço municipal já está definida no Regulamento da Organização dos Serviços Municipalizados de Setúbal, aprovado na quarta-feira pelo executivo camarário (ainda terá de passar pelo crivo da Assembleia Municipal).
Foi em pleno mandato do PS que o Município sadino privatizou, em 1997, os serviços de captação, tratamento e distribuição de água pública. O mesmo sucedeu noutros municípios, que tentam agora a reversão. «A mudança de um sistema público [de fornecimento de água] para o privado é, muitas vezes, anunciado como sendo uma forma segura de alcançar uma melhor qualidade da água e serviços mais seguros. No entanto, a evidência sugere que a privatização não é a solução milagrosa para o melhoramento e a expansão do serviço», conclui o relatório «Direitos humanos e a privatização da água e serviços de saneamento», da Organização das Nações Unidas (ONU). As tensões entre os interesses económicos das empresas e os propósitos sociais dos serviços de água e saneamento favorecem, na maior parte dos casos, os privados. Mas isso já os setubalenses sabem. Desde o início da concessão, com gestão da empresa Águas do Sado, que os preços cobrados pela empresa têm vindo a aumentar, lesando o município em receitas fundamentais para intervir nos equipamentos, sem nenhuma melhoria ou vantagem para apresentar, em contrapartida. Estando finalmente a aproximar-se o fim do contrato de concessão, o Município, que desde o início da gestão CDU tem defendido a remunicipalização, «efectuou uma análise, independente, às alternativas de exploração futura do serviço de abastecimento de água e saneamento de Setúbal de forma a avaliar a opção que melhor assegura a prossecução do interesse público». Entre a continuidade da gestão privada, uma gestão repartida com o Estado central e um regresso à gestão por parte da Câmara Municipal de Setúbal (CMS), o resultado do estudo realizado pela consultora externa é inequívoco: «em média, a gestão directa tende a verificar valores de tarifa mais reduzidos [para os utilizadores], em comparação com os restantes modelos». Nesse sentido, a CMS deliberou na última quarta-feira, numa proposta aprovada com os votos da CDU e do PS e a abstenção do PSD, «retomar a responsabilidade destes serviços que actualmente são geridos em regime de concessão» pela Águas do Sado: a «captação, tratamento e distribuição de água para consumo mediante venda directa e drenagem e tratamento de águas residuais». Em comunicado a que o AbrilAbril teve acesso, a CMS congratula-se por ver «garantida a existência de uma estrutura organizativa exclusiva, própria e dotada de autonomia no município, capaz de assegurar, de forma adequada, a gestão e a operação das infraestruturas, equipamentos e pessoal afectos aos sistemas, bem como os investimentos a realizar num lógica de médio e de longo prazo». Todos os trabalhadores serão integrados nos quadros do Município. A privatização pode ter dado jeito, em termos financeiros, ao Município de Setúbal em 1997, então com a gestão do PS. A autarquia precisava de dinheiro e a concessão garantiu um bom encaixe na altura. Certo é que, há quase 25 anos, milhares de cidadãos de Setúbal se vêem forçados a viver com a falta de visão desse Executivo, amarrados a uma solução obviamente lesiva do interesse público. Como em muitos outros contratos deste tipo, o PS assinou uma concessão em condições leoninas para a empresa: indexando a rentabilidade ao crescimento da população e a patamares de consumo que nunca são atingidos, a empresa acaba por cobrar aos municípios o valor que está em falta para atingirem o esperado, lesando o erário público em milhões de euros. O truque é o mesmo que é aplicado nas ex-SCUT, em que o contrato estipula um número exponencial de carros que devem usar mensalmente a auto-estrada, cobrando ao Estado todas as vezes (o número é tão elevado que acontece sistematicamente) em que esse número não é atingido. A estrutura local do PS assumiu finalmente o erro de há uns anos para cá, tendo vindo a defender a reversão do seu próprio negócio. Com a votação favorável na reunião de Câmara da última quarta-feira e várias declarações que os seus dirigentes têm proferido, é de esperar que também os eleitos do PS na Assembleia Municipal de Setúbal aprovem a remunicipalização das águas e do saneamento. De acordo com o relatório da ONU, 75% dos contratos de privatização da água celebrados em todo o mundo não são renovados e 11% são mesmo resgatados (o erário público paga para cancelar o contrato antes de tempo. Apenas 14% foram renovados. A remunicipalização da água tem vindo a acontecer um pouco por todo o mundo, não só em capitais europeias como Londres, Paris e Berlim, mas são também processos que decorrem em concelhos portugueses como Paços de Ferreira, Barcelos e Mafra. Este último disponibilizou-se para pagar 21 milhões de euros para resgatar a concessão seis anos antes do prazo previsto. A remunicipalização dos serviços de água e saneamento de Mafra acontece a partir de Setembro, depois de a empresa Be Water, que explorou o serviço público desde 1994, receber mais 21 milhões de euros. Os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento (SMAS) de Mafra vão assumir a partir de 1 de Setembro a gestão da água e saneamento no concelho. À boa notícia opõe-se a indemnização paga pelo Município para acabar com a privatização dos serviços. Terminar a concessão antes de 2025, data prevista para o fim do contrato, levou a empresa a exigir primeiro 54 milhões de euros. Em Junho, a autarquia e a empresa concessionária acordaram em tribunal o pagamento de 21 milhões de euros, acrescido do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), ou seja, 25 milhões de euros. No comunicado divulgado esta terça-feira, a Câmara Municipal de Mafra adianta que o valor já foi liquidado no início de Agosto através de um empréstimo bancário a 20 anos de 22 milhões de euros e de capitais próprios no valor de três milhões de euros. A indemnização de 21 milhões de euros engloba sete milhões de euros de compensações financeiras exigidas pela empresa por haver consumos inferiores ao contratualizado. Tal como alertava em 2016 o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional (STAL), «para evitar os enormes riscos da privatização e o pagamento de indemnizações milionárias», estes serviços essenciais não deveriam sair da esfera pública. Entretanto, o Município alega que o empréstimo não conta para a capacidade de endividamento, nem vai reflectir-se em aumentos tarifários, e informa que uma centena de trabalhadores será transferida da Be Water para os SMAS. Mafra, no distrito de Lisboa, foi o primeiro município do País a concessionar a água e o saneamento a privados, pela mão do PSD. Desde 1994, estima-se que os utentes tenham sido lesados em mais de 60 milhões de euros devido às tarifas elevadas. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. A redução nos consumos que ocorreu na década de 2010 significou uma despesa para os cofres municipais entre os 12 e os 16 milhões de euros, tal como uma subida de 30% nas tarifas pagas pelos consumidores, o que levou a Câmara de Mafra a avançar imediatamente com o processo de resgate. Seria sempre mais vantajoso para o Município. A concessão em Paços de Ferreira foi feita com uma estimativa populacional de 85 mil habitantes (actualmente tem 55 623) e um consumo per capita de 130 litros, quando a média nacional é de apenas 115. Em vigor desde 2004, em menos de dez anos a empresa exigiu à Câmara Municipal de Paços de Ferreira uma compensação de 100 milhões de euros. «A retoma dos sistemas de abastecimento de água e de saneamento à esfera camarária permite, por um lado, evitar consequências potencialmente negativas, como a dispersão, pelos vários serviços municipais, das responsabilidades a reassumir, e eventuais prejuízos para a qualidade da prestação do serviço público», reafirma a Câmara Municipal de Setúbal, que mantém a expectativa de que muitos outros municípios sigam este caminho da gestão pública da água. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Local|
25 anos depois, Câmara de Setúbal recupera gestão da água e do saneamento
Já nem o PS consegue assumir a defesa da concessão ruinosa que estabeleceu em 1997
De Mafra para o mundo
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Água de Mafra regressa à esfera pública e concessionária encaixa milhões
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A reactivação dos serviços municipalizados, acabando com 25 anos de controlo privado, foi precedida da elaboração de dois estudos relativamente aos aspectos económicos, técnicos e financeiros do processo, de acordo com as imposições legais da remunicipalização.
O Estudo de Viabilidade Económica e Financeira comprovou o que o executivo camarário há muito vem defendendo: a reactivação do serviço municipal vai resultar numa «poupança de custos, relativamente ao modelo de gestão em vigor para os serviços de abastecimento de água e tratamento de águas residuais».
A folga financeira de um serviço público, retirando os lucros aos privados, garante o «auto-financiamento dos serviços» em Setúbal, abrindo as portas a uma redução dos preços para o consumidor: um dos objectivos da CMS é aliviar «os custos que os munícipes actualmente suportam na fatura que pagam pelo abastecimento de água e prestação de serviços de saneamento».
O contrato de concessão para a exploração dos sistemas de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e de recolhas, tratamento e rejeição de efluentes do concelho de Setúbal foi celebrado em 1997, pelo então executivo do PS, por um prazo de 25 anos.
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