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Não há milagres

As notícias multiplicam-se. Um caos. Aviões cancelados. Atrasos sistemáticos. Filas intermináveis. Em Portugal, como de costume ou pior, mas também no resto da Europa.

Está marcada uma concentração às 11h de segunda-feira, no aeroporto de Lisboa, junto às chegadas, do lado do metro
Créditosxuaxo / Wikimedia Commons

Em Amesterdão, um avião da TAP não levanta voo durante uma hora porque o aeroporto não lhe consegue fornecer água. Em Londres, um homem morre ao tentar sair do avião sozinho, depois de duas horas à espera do apoio aos passageiros com mobilidade reduzida. No Porto, um passageiro indigna-se contra a TAP por a ANA-Aeroportos de Portugal ter demorado hora e meia a enviar uma cadeira de rodas até ao avião. A Easyjet corta antecipadamente 12 mil voos nos primeiros dois meses do verão, a Brussels 700 e a British 10% dos voos de Verão. 

Os telejornais abrem com sumarentas imagens, fáceis, reais. Caos. Filas. Aviões parados. Passageiros desesperados. Sem explicações ou com falsas explicações, já que nos porquê é que está o segredo da coisa. Ao mesmo tempo ouvem-se as liberalices do costume: TAP, TAP, TAP, como se não fosse normal que no aeroporto onde 50% dos voos são da transportadora aérea nacional, não sejam dela a maioria dos cancelamentos.

As centenas de milhares de milhões de euros de apoios públicos dados ao sector aéreo no mundo inteiro salvaram-no e salvaram, uma vez mais, o sector financeiro de ter sido arrastado para a bancarrota de todas as companhias aéreas. Mas esses mesmos apoios públicos foram condicionados a programas de reestruturação, a cortes nos salários, a despedimentos, e onde não o exigiram os governos, praticaram-no os patrões.

Entretanto, esqueceram-se do mais elementar. Do básico. Durante a pandemia, só na Europa despediram 7 milhões de trabalhadores directos e indirectos no sector aéreo e cortaram salários e rendimentos a muitos milhões de outros.

Em Lisboa, o Grupo ANA reduziu em 23% os seus trabalhadores, entre os meses de Dezembro de 2019 e de 2021. O Presidente da empresa foi à Assembleia da República dizer outra coisa, mas os Relatórios e Contas são públicos e não deixam dúvidas. Deixaram a SPDH (Serviços Portugueses de Handling) ir para reestruturação, colocando uma pressão brutal sobre os seus trabalhadores e dificultando a resposta operacional. Os trabalhadores da limpeza e da segurança aeroportuária foram despedidos às centenas. Impuseram e mantém cortes salariais na TAP, o que levou muitos trabalhadores a abandonarem a empresa em busca de melhores salários.

Cancelam-se voos porque faltam operários com experiência na manutenção e engenharia. Mas porque os despediram ou não os contratam?

Agora não há trabalhadores para dar resposta às necessidades operacionais! Mas qual é a surpresa, estavam à espera de milagres? Estão a ter o Verão que prepararam!

Cada passageiro paga uma taxa para apoiar os passageiros de mobilidade reduzida. São milhões de euros ao ano que a Vinci mete ao bolso em vez de contratar os trabalhadores necessários, pagando-lhes o justo salário. Assim, enquanto a Vinci poupa 5 euros (o valor pago pelo tempo de trabalho despendido, ao trabalhador que leva a cadeira de rodas ao avião), a TAP perde 50 mil com um avião parado em pista que vai atrasar toda a sua operação.

Um incidente com um avião privado fecha a única pista da Portela. A comunicação social procura saber de quem é o avião, e alimentar mais uma novela, mas ninguém se lembra de perguntar porque era a única pista da Portela? Não havia duas? Não foi a Vinci que pediu para encerrar a segunda e não foi o Governo que autorizou? Porquê? Porque era mais rentável alugar o terreno para estacionar aviões.

Passam o ano a queixar-se do número elevado de funcionários públicos e passam anos a cortar nos efectivos da Administração Pública e nos seus salários reais. Agora não os têm nos terminais do controlo de fronteiras. Qual é a surpresa?  

A lógica da maximização do lucro transformou os aeroportos nacionais em locais onde se espreme o passageiro, sem piedade, procurando maximizar a sua presença com longas gincanas entre lojas, planeadas para render o máximo possível e onde o conforto do passageiro também se vende ou se recusa a quem não paga. Entretanto, os serviços estratégicos – dedicados à segurança - são apêndices da verdadeira prioridade comercial, que é fazer dinheiro. 

A verdade é que isto resulta, como bem ilustram os lucros de 1,1 mil milhões de euros da Vinci nestes 9 anos.

Há 50 anos que sabemos que é preciso construir um novo aeroporto. Até à privatização da ANA pelo grupo francês Vinci estava consensualizada a sua construção nos terrenos públicos do Campo de Tiro de Alcochete. Mas o grupo francês não quis e os governos portugueses vergaram-se aos seus desejos, começando a inventar alternativas.

Afinal, tanta conversa sobre o caos e nada se diz sobre as suas razões objectivas e os responsáveis. Não foi «o Estado», foram as sucessivas privatizações e as liberalizações ainda mais sucessivas, promovidas pelos governos e pela União Europeia, ao serviço das multinacionais e do grande capital.

No caso português, é preciso continuar a modernização da rede Aeroportuária Nacional, interrompida com a privatização da ANA e avançar para a construção faseada do Novo Aeroporto de Lisboa nos terrenos públicos do Campo de Tiro de Alcochete. É preciso reconstruir um sector aéreo nacional público, que dê resposta às necessidades estratégicas do País, e crie emprego estável, bem remunerado e com direitos.

Em Portugal e na Europa é preciso desliberalizar e desmercantilizar o sector aéreo.

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