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Como Draghi e os últimos 30 anos abriram caminho à extrema-direita

A queda do «Super Mario» provocou pânico em Bruxelas e a indignação dos meios de comunicação social. A vitória da extrema-direita é quase uma certeza.

A política neoliberal de Draghi foi a auto-estrada para a extrema direita. 
CréditosDR / EFE

Os meios de comunicação social italianos deram uma cobertura maciça a várias «manifestações pró-Mario Draghi» – não contando mais do que algumas dezenas de pessoas. Talvez a mais cómica, é de uma das maiores agências noticiosas do país, Adnkronos, que falou com algumas pessoas sem-abrigo que se tinham manifestado para mostrar o seu apoio a Draghi. Um deles foi citado dizendo: «Draghi está a fazer a diferença. A Itália recuperou o prestígio e a credibilidade graças a ele. Como sem-abrigo, posso testemunhar o facto de haver agora uma maior atenção para connosco e isso é graças a Draghi».

A extrema-direita está prestes a varrer as sondagens e o centro-esquerda decidiu copiar o seu tom, linguagem e enquadramento; já a esquerda está há muito desaparecida da disputa eleitoral. Enrico Letta, líder do Partido Democrático, abriu a campanha eleitoral com um tweet com uma imagem de Mario Draghi levantando a mão e esta mensagem em letras maiúsculas: «A Itália foi traída. O Partido Democrata defende-o. E você, está connosco?». Esta mensagem realça esta realidade: os social-democratas italianos preencheram o seu vazio ideológico com um cartaz do seu ídolo do momento: o «Super Mario», o antigo presidente do Banco Central Europeu.

Quais são as propostas do partido de centro-esquerda? Não encontraram nada melhor para se promoverem do que tirar partido da suposta atracção de um primeiro-ministro tecnocrático que se define como «um banqueiro» e que, em teoria, tinha um mandato temporário ligado, sobretudo, à gestão de fundos europeus. Apelar ao sentimento de traição nacional e liderar o clube de fãs de Draghi não deve propriamente motivar os trabalhadores a não serem seduzidos pelos cantos de sereia da extrema-direita.

A realidade da gestão do governo do «Super Mario» não correspondeu exactamente às expectativas: Draghi deixa para trás um país em farrapos. As últimas previsões macroeconómicas da Comissão Europeia previam que a Itália iria experimentar o crescimento económico dos mais lentos da União Europeia (UE) no próximo ano, com apenas 0,9%, devido a um declínio nos gastos dos consumidores, motivados pelo aumento dos preços e à quebra nos investimentos empresariais – um resultado do aumento do endividamento do país e da subida abrupta dos custos de energia, bem como de perturbações no fornecimento de gás russo.

Esta crise tem tido o seu preço na sociedade italiana: 5,6 milhões de italianos – quase 10% da população, incluindo 1,4 milhões de menores – vivem actualmente em pobreza absoluta, o nível mais alto de que há registo. Muitos destes estão a trabalhar, e esse número está destinado a aumentar à medida que os salários reais em Itália continuam a diminuir. Entretanto, quase 100 000 pequenas e médias empresas (PME) estão em risco de insolvência – um aumento de 2% em comparação com o ano passado.

Como afirmou o jornalista Thomas Fazi, «Draghi pouco ou nada fez para proteger os assalariados, as famílias e as pequenas empresas do impacto destas políticas. De facto, as poucas medidas "estruturais" decretadas pelo seu governo visaram todas promover a privatização, liberalização, desregulamentação do mercado de trabalho – tais como abrir à privatização os poucos serviços públicos que permaneceram fora do âmbito do mercado, flexibilizar ainda mais a mão-de-obra, colocar pela primeira vez em décadas praias privadas a concurso público, ou tentar expandir os serviços de táxi de modo a incluir operadores de partilha de táxis como Uber, suscitando protestos maciços.»

Claro que se poderia argumentar que outros países estão a passar por problemas semelhantes, mas seria um erro absolver Draghi. Ele tem sido um dos mais firmes apoiantes das medidas que conduziram a esta situação, tendo sido uma força motriz na pressão para sanções duras da União Europeia (UE) contra Moscovo – sanções que estão a paralisar as economias da Europa, ao mesmo tempo que deixam a Rússia em grande parte incólume.

Draghi vangloriou-se mesmo das medidas ousadas adoptadas pela Itália para retirar o país da dependência do gás russo – o resultado é que a Itália é agora o país que paga os preços mais elevados da electricidade por grosso em toda a UE. O absurdo destas políticas torna-se evidente quando consideramos a sua tentativa de reduzir a dependência da Itália do gás russo através do relançamento de várias centrais eléctricas alimentadas a carvão, altamente poluentes, e tcharammmm (orquestra a sublinhar o fim de um número de magia): O carvão que a Itália importa vem em grande parte da Rússia.

Porque é que vai ganhar a extrema-direita?

Por tudo isso, as sondagens são claras: a direita deve esmagar nas eleições italianas convocadas para 25 de Setembro, e o partido herdeiro dos neofascistas, Irmãos de Itália, aparece como primeiro nas preferências dos italianos. O discurso dominante, na comunicação social e comentadores, é que foi a queda do governo de Mario Draghi que abriu o caminho à extrema-direita.

É óbvio que se esse governo, que nunca foi sujeito ao voto popular, não tivesse perdido o apoio dos partidos que o suportavam, devido à crescente crise social agudizada pelas consequências económicas da guerra na Ucrânia, não haveria para já a necessidade de convocar eleições. Mas e se a verdade profunda da crise e do crescimento da extrema-direita não fosse a queda do governo, mas a sua existência e a continuidades das suas políticas nos últimos 30 anos?

De alguma forma pode-se dizer que a crise política é apenas sintoma de um conflito mais fundo que por ela é escondido. Foram os governos liberais e tecnocráticos, com a prévia liquidação das forças políticas de esquerda, devido a anos de traição acumulada dos seus líderes, direitização e falta de vontade de construir uma alternativa política ao capitalismo, que abriram a porta de par em par à extrema-direita.

O sintoma da crise da política é uma crise da representação, com cada vez mais eleitores, sobretudo dos sectores populares, a não participarem nas eleições, mas é sobretudo uma crise da liquidação da política, que é o confronto entre formas de ver o mundo e de exercer o poder. O governo tecnocrático dos «competentes», como o de Draghi, é a forma última desse esvaziamento total da democracia, impedindo o povo de poder escolher políticas diferentes.

Quando a tecnocracia esconde a política de sentido único

Num artigo recente, o sociólogo italiano Marcello Musto, autor de um interessante livro sobre Os Últimos Anos de Marx, assinalou o interesse que o co-autor do Manifesto Comunista dedicou à crítica dos chamados «governos técnicos». Num artigo jornalístico que escreveu para o York Tribune, um dos diários com maior difusão no seu tempo, com o título «Um governo decrépito. Perspectivas para o gabinete da coligação», Marx analisou os acontecimentos políticos e institucionais que levaram ao nascimento de um dos primeiros governos tecnocráticos da história moderna: o executivo de Aberdeen, que governou o Reino Unido desde Dezembro de 1852 até Janeiro de 1855.

A entrada deste executivo em funções foi feita sob o som do entusiasmo da comunicação social e opinião publicada. O Times celebrou a formação desse governo como o ingresso da Inglaterra numa «época em que o espírito de partido está destinado a desaparecer e que somente o génio, a experiência, a capacidade de trabalho e o patriotismo darão acesso aos cargos públicos», o jornal pediu para o gabinete de Aberdeen o apoio dos «homens de todas as tendências», porque «os seus princípios exigem o consenso e apoios universais.». Como notou Marcello Musto, nada de muito diferente da música celestial que acolheu a tomada de posse do governo do antigo presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, em Fevereiro de 2021.

Os encómios ao homem que dirigiu o BCE, entre 2011 e 2019, juntaram liberais, conservadores e a esquerda moderada num coro unido contra os «irresponsáveis políticos e a favor do «salvador» Draghi.

Num artigo de 1853, Marx ironizou com a pretensão dos editorialistas do Times de qualificar de «técnicos» os representantes do poder dominante que tinham visivelmente uma agenda totalmente política. Aquilo que o principal jornal britânico via como um sinal de modernidade e de superação de conflitos políticos, para Marx não passava de uma farsa, para vender o mesmo do costume com um novo embrulho. Onde o Times via «um governo composto inteiramente por novos personagens, jovens e prometedores», Marx via algo completamente distinto: «o mundo ficará estupefacto ao inteirar-se que esta nova era da história está a ponto de ser inaugurada nada menos que por gastos e decrépitos octogenários, burocratas que participaram em quase todos os governos existentes e por haver desde o fim do século passado, assíduos nos gabinetes ministeriais e duplamente mortos, pela idade e pela usura, e só mantidos, com artifícios, em vida.»

Para Marx era claro que esta tentativa de fazer desaparecer as lutas políticas era um expediente para garantir a execução, para sempre, de uma política determinada.

«Quando nos prometem a desaparição de todas as lutas entre os partidos, incluindo a desaparição desses mesmos partidos, o que quer dizer o Times?», interrogava o autor do Capital.

A questão, como bem sublinha Marcello Musto, continua totalmente actual. A pseudo desaparição das lutas políticas e da existência de diferentes escolhas para edificar a sociedade, em troca de governos de pessoas competentes, com a teoria – como defendeu o antigo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva – que com as mesma informação todas as pessoas chegariam às mesmas conclusões, esconde os diferentes interesses dos grupos sociais e o total domínio das receitas neoliberais sobre a governação e os rumos políticos. Não só esta domina a política, estabelece a agenda e dá forma às suas decisões, como conseguiu retirar do controle democrático todas as questões da política económica: garantindo que independentemente das mudanças de governos e dos resultados eleitorais que as políticas sejam as mesmas, em relação à manutenção da ditadura dos mercados.

«Nos últimos trinta anos, o poder de decisão passou da esfera política para a esfera económica. Certas opções políticas foram transformadas em imperativos económicos que disfarçam um projecto altamente reaccionário por detrás de uma máscara ideológica apolítica. A transferência de parte da esfera política para a economia, como uma esfera separada impermeável às exigências sociais, e a transferência de poder dos parlamentos – já suficientemente esvaziada de valor representativo pelos sistemas eleitorais maioritários e pela revisão autoritária da relação entre o poder executivo e legislativo – para os mercados e as suas oligarquias constituem sérios obstáculos à democracia no nosso tempo. As classificações ou sinais da Standard & Poor's de Wall Street – esses enormes fetiches da sociedade contemporânea – valem muito mais do que a vontade do povo. Na melhor das hipóteses, o poder político pode intervir na economia (por vezes as classes dirigentes precisam dele para mitigar as destruições geradas pela anarquia do capitalismo e a violência das suas crises [como quando salvam os bancos com o dinheiro dos contribuintes]), mas sem que seja possível discutir as regras dessa intervenção, quanto mais as escolhas substantivas.», considera o sociólogo italiano.

Para além do governo Draghi, que esteve no comando nos últimos 17 meses, numa coligação que envolvia o Partido Democrático, de centro esquerda, a Força Itália de Silvio Berlusconi, os populistas do Movimento Cinco Estrelas e a Liga de extrema-direita, a Itália tem sido repetidamente governada por supostos governos apolíticos e dos «melhores», que no meio da instabilidade política têm como único objectivo: garantir que tudo continue ok para o capital financeiro e para que os «os mercados funcionem correctamente».

Mais de 30 anos de «não há outra alternativa»

Desde o fim da Primeira República italiana houve numerosos governos tecnocráticos ou sem representantes de partidos políticos. Estes incluem o governo de Azeglio Ciampi, antigo governador do Banco de Itália durante quinze anos, entre 1993 e 1994 (e subsequentemente eleito Presidente da República de 1999 a 2006); o governo de Lamberto Dini, antigo director geral do Banco de Itália após uma longa carreira no Fundo Monetário Internacional, em 1995-1996; e o governo de Mario Monti, antigo Comissário Europeu para a Concorrência com experiência anterior relevante na Comissão Trilateral do Grupo Rockefeller, no comité director do Grupo Bilderberg e como consultor internacional do banco Goldman Sachs, de 2011 a 2013.

O grupo Goldman Sachs esse viveiro de governantes e ex-governantes que – acolheu o português Durão Barroso no seu seio – deu recentemente dois primeiro-ministros à Itália, Monti e Draghi, e que está profundamente envolvido na especulação desenfreada que deu origem à crise económica mundial de 2008.

Como faz notar Marcello Musto, «nos últimos anos, tem vindo a argumentar-se que novas eleições não deveriam ser convocadas após uma crise política; a política deveria ceder todo o controlo à economia. Noutro artigo de 1853, com o título de «Operações do Governo», Marx declarou que «a coligação ("técnica") governo representa a impotência do poder político num momento de transição». De facto, os governos já não discutem qual a orientação económica a seguir. Agora as orientações económicas dão origem aos governos.»

Na Europa, o mantra neoliberal tem repetido inúmeras vezes que, para restaurar a «confiança» dos mercados, é necessário avançar rapidamente no caminho das «reformas estruturais», uma expressão agora usada como sinónimo de devastação social, ou seja: baixar os salários, rever os direitos laborais na contratação e despedimento, aumentar a idade da reforma e privatizações em grande escala. Os novos governos tecnocráticos, chefiados por indivíduos com antecedentes em algumas das instituições económicas mais responsáveis pela crise económica, seguiram este caminho, afirmando fazê-lo «para o bem do país» e »para o bem-estar das gerações futuras». Além disso, o poder económico e os principais meios de comunicação tentaram silenciar quaisquer vozes dissonantes neste refrão que dura há décadas.

Dez anos após Mario Monti e o seu governo de tecnocratas, outro ex-executivo do Goldman Sachs fixou residência no Palácio Chigi. Tal como o seu antecessor, e tal como Emmanuel Macron durante a campanha presidencial francesa de 2017, Mario Draghi afirma transcender a divisão entre direita e esquerda elevando-se acima das partes e trazendo a visão esclarecida do perito, mantendo-se escrupulosamente dentro dos limites estabelecidos por Bruxelas: ortodoxia fiscal e neoliberalismo. O antigo presidente do Banco Central Europeu (BCE) conseguiu reunir todos os partidos italianos, da esquerda para a extrema direita, incluindo aqueles que prosperaram ao opor-se a este programa. De facto, recebeu o apoio conjunto do Movimento Cinco Estrelas e da Liga, dois partidos que três anos antes ganharam as eleições parlamentares com a promessa de quebrar com austeridade e de se oporem às imposições da União Europeia.

O facto de ministros de extrema-direita terem assento no governo de Draghi não tem movido muitas pessoas, nem nas chancelarias europeias nem nos meios de comunicação social, onde esta coligação nacional foi apresentada como um modelo de bom senso. Também ninguém se ofendeu com esta peculiar democracia italiana onde os eleitores podem votar por maioria em Março de 2018 contra as políticas de austeridade impostas por Bruxelas e depois, sem sequer serem consultados novamente, encontram-se em Fevereiro de 2021 com um governo que defende estas mesmas políticas.

Para memória futura fica aqui a história dessa peculiar inversão, analisada por Stefano Palombarini, nas páginas do Le Monde Diplomatique, embora repetida já em vários países.

«A carta do BCE era pior que a dos terroristas»

Agosto de 2011, Draghi está a poucos meses de ser presidente do BCE, o seu antecessor, Jean-Claude Trichet, envia uma carta secreta a Silvio Berlusconi, chefe do governo italiano, a carta é também assinada pelo seu sucessor Mario Draghi. Nela se impõem uma série de medidas em troca do BCE apoiar a economia italiana: cortes na despesa pública e nas pensões, liberalização no sector dos serviços, revisão das regras em matéria de despedimentos, redução dos salários dos funcionários públicos. O primeiro-ministro italiano não tem meios para se opor a eles, porque sem a ajuda do BCE, as taxas da dívida aumentariam e a situação tornar-se-ia rapidamente insustentável. Mas a maioria de direita está demasiado dividida para se comprometer com um tal programa.

«Roma ficou furiosa. Giulio Tremonti [antigo ministro das Finanças] disse mais tarde a alguns ministros das Finanças da Europa que, em Agosto, o seu governo recebeu duas cartas ameaçadoras: uma de um grupo terrorista e outra do BCE. "A do BCE foi a pior", disse», segundo uma investigação do Wall Street Journal.

A 19 de Outubro, Sarkozy viajou para Frankfurt para dizer ao antigo presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, que só uma acção forte por parte do banco central no mercado da dívida podia salvar a Zona Euro. «A tarefa do BCE não é financiar governos», respondeu Trichet.

É na sequência deste encontro, entre Trichet e Sarkozy, no qual também participou Angela Merkel, que surge o «tal» telefonema confidencial da chanceler para Roma. Segundo o Wall Street Journal, naquela noite fria de Outubro, Merkel ligou para o presidente italiano, Giorgio Napolitano, e «pediu-lhe gentilmente para mudar o seu primeiro-ministro».

Após a Cimeira Europeia de 26 de Outubro e o encontro do G20, a 3 de Novembro, em Cannes, Berlusconi perdeu o apoio da coligação governamental que liderava e na votação do Orçamento, a 8 de Novembro, foi incapaz de reunir uma maioria absoluta – o que confirmou votos dissidentes vindos do seio do arco político que sustenta o seu Executivo.

Depois da votação no parlamento, Giorgio Napolitano chamou Silvio Berlusconi e foi o próprio presidente italiano que anunciou que o primeiro-ministro se iria demitir. Dias mais tarde é anunciado o nome de Mario Monti, um «perito» sem rótulo político, para liderar o governo italiano.

Isto marcou o início de um período que duraria sete anos e veria quatro presidentes do conselho de ministros sucessivos: depois de Monti vieram Enrico Letta, Matteo Renzi e Paolo Gentiloni. A acção destes governos, inteiramente dedicados às reformas institucionais neoliberais, baseia-se no acordo entre o Partido Democrático (centro-esquerda) e a ala direita de Berlusconi. O apoio veio das classes ricas e de uma fracção significativa das classes médias, numa singular superação das filiações baseada na divisão entre a direita e a esquerda: foi o «bloco burguês», uma coligação social semelhante à que seria agregada alguns anos mais tarde por Macron em França.

Março de 2018, as partes que tinham seguido o roteiro do BCE foram severamente sancionadas nas urnas. O bloco burguês desmorona devido à sua incapacidade de se expandir para uma fracção significativa das classes trabalhadoras, mesmo quando as classes médias se afastam dele. Força Italia, o partido de Berlusconi, e o Partido Democrático, que há dez anos tinham 70% dos votos, têm agora apenas 32%. Ao mesmo tempo, aqueles que tinham estado na oposição alcançaram um resultado notável. A Liga de Matteo Salvini emergiu como a principal força da direita e da extrema-direita, enquanto que o Movimento Cinco Estrelas torna-se o maior partido do país, aproximando-se de um terço dos votos expressos.

Fevereiro de 2021, embora o equilíbrio no parlamento não se tenha alterado desde as eleições de Março de 2018, um terceiro governo deve ser nomeado. Os dois anteriores (a aliança entre a Liga e o Movimento Cinco Estrelas, depois a aliança entre o Movimento Cinco Estrelas e o Partido Democrático) esfriaram, tendo cada um deles durado pouco mais de um ano. Foi então que Draghi, antigo presidente do BCE que tinha escrito o breviário dos governos do bloco burguês, foi convidado a formar um governo. Surpreendentemente, o antigo banqueiro foi acolhido como um homem providencial, não só pelos partidos que, ao implementarem o seu programa, tinham caído nas urnas, mas também por aqueles que, ao se oporem a ele, se tinham imposto na cena política.

As próximas eleições porão em marcha um novo ciclo, possivelmente saudado por um governo de centro-direita liderado por Giorgia Meloni. Mas à medida que a situação social e económica continua a piorar, estes ciclos são também cada vez mais curtos. Um futuro governo de centro-direita – «populista» ou não – teria pouca ou nenhuma capacidade para resolver as crises deixadas por Draghi. Como sempre, os tiros serão chamados em Bruxelas e Frankfurt.

Com o lançamento do seu recente Instrumento de Protecção da Transmissão (TPI), o BCE dotou-se de um instrumento que tecnicamente lhe permite fazer «o que for preciso» para controlar os spreads do euro, evitando assim potencialmente futuras crises financeiras. Tal intervenção, contudo, está condicionada ao cumprimento do quadro fiscal da UE e das «reformas» delineadas nos planos de «fundo de recuperação» de cada país. Mas estas não farão nada para pôr fim à crise social e económica em curso; de facto, certamente que a irão agravar. Por outras palavras, o próximo governo italiano, se quiser manter-se financeiramente à tona, terá pouca escolha senão seguir os diktats económicos da UE.

Neste contexto, quanto tempo até que os últimos resquícios de legitimidade democrática em países como a Itália se desmoronem? E depois? Em última análise, a próxima crise do euro tem muito mais probabilidades de rebentar nas ruas da Europa do que nos mercados financeiros.

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