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Forças israelitas matam três jovens palestinianos em três dias

As forças de ocupação lançaram uma operação de larga escala, à imagem das realizadas nas últimas madrugadas por toda a Cisjordânia, e voltaram a matar um jovem palestiniano, desta vez em Tubas.

Os palestinianos estão a ser detidos em aldeias e cidades dos territórios ocupados em 1948 por terem apoiado Gaza 
Em três dias, as forças de israelitas prenderam cerca de 65 palestinianos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental ocupadas Créditos / Middle East Monitor

O Ministério palestiniano da Saúde informou que Younis Ghassan Tayeh, de 21 anos, perdeu a vida ao ser atingido por uma bala no coração, durante uma incursão das tropas israelitas no campo de refugiados de al-Fara’a, nas imediações de Tubas.

De acordo com a Wafa, os soldados, que entraram em várias casas, usaram fogo real, granadas atordoantes e gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes que vieram para as ruas protestar contra o raide.

Trata-se do terceiro jovem palestiniano morto pelas forças de ocupação em três madrugadas consecutivas de raides na Margem Ocidental, depois de ontem terem matado Muhammad Musa Muhammad Sabaaneh, de 29 anos, numa operação em Jenin, e, na segunda-feira, Taher Mohammad Zakarneh, de 19 anos, num raide em Qabatiya (nas imediações de Jenin).

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«Não consigo dormir»: o trauma dos raides israelitas em casas palestinianas

Partindo de um relatório recente sobre a questão, um jornalista do Activestills aborda as invasões das casas de palestinianos pelo Exército israelita, a sua natureza arbitrária e os danos psicológicos que geram.

Um palestiniano examina os estragos causados na sua casa após um raide nocturno israelita na aldeia de Salem, perto de Nablus, na Margem Ocidental ocupada, em Agosto de 2015
Créditos / activestills.org

Oren Ziv, fotojornalista e membro fundador do colectivo de fotografia Activestills, conta que há cerca de uma década se juntou a activistas israelitas na aldeia palestiniana de Asira al-Qibliya, na Margem Ocidental ocupada, localizada perto de Yitzhar, um posto avançado militar israelita que se viria a tornar um colonato nos anos 80.

«Chegámos poucas horas depois de os colonos terem assaltado a aldeia, atacado os residentes palestinianos e vandalizado as suas propriedades. Temendo que os colonos pudessem regressar, alguns residentes pediram-nos que ficássemos durante a noite», relata.

Os colonos não voltaram, mas, perto das duas da manhã, soldados israelitas invadiram a aldeia, avançando de uma casa para outra. «Acordámos com o som de batidas fortes na porta de metal da casa em que estávamos. Os soldados, que se mostraram surpreendidos ao encontrar israelitas numa aldeia palestiniana, juntaram-nos a todos, incluindo crianças, no jardim e realizaram um "interrogatório" rápido a cada pessoa», conta.

«ao não existir um procedimento oficial para as buscas domiciliárias na Cisjordânia ocupada, isto significa que, para o Exército israelita, qualquer casa palestiniana é um alvo legítimo a dado momento»

Os soldados foram «misericordiosos» com aquela família palestiniana, mas na casa ao lado reviraram tudo e tiraram de lá todos os pertences. «Cerca de uma hora depois, os soldados voltaram para os jipes militares e desapareceram na noite. Não apresentaram qualquer mandado de busca, nem deram qualquer explicação para o raide», diz Ziv.

Estas invasões militares de casas, que estão associadas à violência da ocupação de Israel, foram o tema de um estudo publicado recentemente, no final de Novembro, pelas organizações de direitos humanos Yesh Din, Breaking the Silence e Physicians for Human Rights-Israel (PHRI).

O relatório centra-se nos efeitos que estas operações têm na saúde mental dos palestinianos e no modo como, para lá dos objectivos declarados pelo Exército israelita, estas invasões se tornaram em si mesmas um objectivo. O jornalista denuncia que, ao não existir um procedimento oficial para as buscas domiciliárias na Cisjordânia ocupada, isto significa que, para o Exército israelita, qualquer casa palestiniana é um alvo legítimo a dado momento.

O estudo, intitulado «Uma vida exposta: invasões militares de casas palestinianas na Cisjordânia», baseia-se em 158 testemunhos de palestinianos cujas casas foram invadidas nos últimos anos; 31 entrevistas realizadas a famílias palestinianas afectadas, por especialistas na área da Saúde; e entrevistas a 40 soldados israelitas e cinco oficiais que participaram nestas operações.

«"Embora os israelitas tenham menos conhecimento deste fenómeno do que dos postos de controlo ou das demolições de casas, muitos palestinianos nascem e crescem numa realidade em que os soldados armados assaltam habitualmente as suas casas"»

Em 88% dos casos documentados no estudo, as famílias palestinianas afirmaram que os soldados as obrigaram a juntar-se numa só divisão, ou separaram os seus membros por diversas divisões, onde os mantiveram sob vigilância. Em 30% das invasões referidas, os palestinianos informaram que os soldados os ameaçaram com violência, e em 25% dos casos os palestinianos disseram que os soldados recorreram à força ou violência física contra um membro da família. Das famílias entrevistadas, 64% disseram que as suas casas foram invadidas mais que uma vez. Das invasões registadas, 88% tiveram lugar entre a meia-noite e as cinco da manhã.

«As invasões militares a casas palestinianas [na Cisjordânia ocupada] são das operações mais comuns e rotineiras sob a ocupação israelita», disse Ziv Stahl, directora do departamento de investigação da Yesh Din, que também trabalhou no relatório. «Embora os israelitas tenham menos conhecimento deste fenómeno do que dos postos de controlo ou das demolições de casas, muitos palestinianos nascem e crescem numa realidade em que os soldados armados assaltam habitualmente as suas casas», continuou. «É um instrumento violento e repressivo que se tornou fundamental para o mecanismo de controlo de Israel sobre os palestinianos», disse.

Uma demonstração de força

Os objectivos declarados destas invasões militares são realizar buscas, detenções ou recolher informação (mapping), mas os testemunhos registados descrevem uma realidade muito diferente. De acordo com as declarações dos soldados, o objectivo implícito destas operações é o que se descreve em coloquialismo militar como «demonstração de força» e «criar um sentido de perseguição». Visam dissuadir as pessoas, comunidades inteiras, de participar em actividades políticas que se opõem à ocupação.

«[estas operações] visam dissuadir as pessoas, comunidades inteiras, de participar em actividades políticas que se opõem à ocupação»

Um sargento israelita disse à Breaking the Silence que o «propósito principal é a dissuasão», sublinhando que a ideia é mostrar que o Exército israelita «está ali» e «pode entrar na sua casa a qualquer momento». Ao ser questionado se entravam em casas ao acaso, o soldado disse: «Absolutamente, é completamente um [jogo de] um-dó-li-tá».

Um dos pontos centrais do estudo é que, com base na lei militar, não há mandados judiciais nestas invasões, o que significa que também não estão sujeitas a qualquer revisão ou escrutínio judicial. Qualquer oficial ou soldado por ele autorizado têm o poder de ordenar uma invasão de uma casa na Cisjordânia ocupada.

Em Março, a Yesh Din, a PHRI e seis famílias palestinianas solicitaram ao Tribunal Superior de Israel que os militares cessassem as invasões e as buscas em casas palestinianas sem mandado judicial, excepto em casos urgentes. O tribunal decretou que deve ser o Estado a determinar se pode revelar os seus procedimentos confidenciais sobre invasões domiciliárias.

O propósito da petição é obrigar Israel a criar um mecanismo através do qual se possam autorizar as buscas domiciliários, refere Michael Sfard, assessor legal da Yesh Din e da Breaking the Silence. «Mesmo que seja apenas uma formalidade, o facto de haver um processo burocrático já é um avanço», explica. «Ocasionalmente, haverá um juiz que levará este proceso a sério», frisa.

«Os palestinianos estão a viver um trauma colectivo»

O relatório também examina o impacto psicológico dos raides israelitas nos palestinianos. Os adultos cujas casas foram invadidas reportam sintomas de perturbação de stress pós-traumático e ansiedade, incluindo perturbações do sono e hiperactividade. Por seu lado, as crianças e os adolescentes mostram maior dependência dos pais e um comportamento agressivo, além dos sintomas revelados pelos adultos, revela o texto.

«"os palestinianos estão a viver um trauma colectivo como resultado da ocupação em curso [...] As consequências negativas para a saúde mental estão entre as mais altas do mundo"»

«Não consigo adormecer antes da 1h ou 2h», diz RS, uma mulher da cidade de Sinjil, no Norte da Cisjordânia ocupada, citada no relatório. «Começo a ruminar e, mal ouço um barulho, espero os militares», acrescenta. «Às vezes, não muitas, sonho que eles vêm para levar o meu marido e que ele foge. Agora, fico a pensar até às 2h30 – 3h, e depois acalmo um pouco, assim que passa o tempo em que eles são esperados», diz.

De acordo com Jomanah Milham, psiquiatra e voluntária da PHRI, «as invasões militares de casas, habitualmente acompanhadas por violência verbal ou física, são uma experiência ameaçadora e podem causar perturbação de stress pós-traumático». Ela refere que os sintomas desta perturbação podem incluir flashbacks, pesadelos, perturbações do sono e estado de alerta excessivo.

«se os palestinianos apresentam uma queixa, o aparelho interno do Exército israelita justifica retroactivamente os danos à propriedade causados durante as buscas domiciliárias. Portanto, as investigações sobre vandalismo são encerradas sem que um só soldado seja julgado»

«As conclusões [do estudo] são consistentes com as de muitos outros estudos, que mostram que os palestinianos estão a viver um trauma colectivo como resultado da ocupação em curso», acrescenta Milham. «As consequências negativas para a saúde mental estão entre as mais altas do mundo», sublinha.

De acordo com o relatório, se os palestinianos apresentam uma queixa, o aparelho interno do Exército israelita justifica retroactivamente os danos à propriedade causados durante as buscas domiciliárias. Portanto, as investigações sobre vandalismo são encerradas sem que um só soldado seja julgado, e a procuradoria militar rejeita a queixa sem abrir qualquer investigação penal.

O relatório revela que todas as queixas apresentadas pelos palestinianos desde 2008 – com a ajuda da Yesh Din – relativas a danos à propriedade foram arquivadas sem que tenha havido qualquer acusação.

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Anteontem, o governo da Autoridade Palestiniana denunciou o «crime» como «parte da escalada das forças de ocupação contra o nosso povo», alertando que as acções de Telavive vão arrastar «a região para um ciclo interminável de violência».

No início de Agosto, o Gabinete das Nações Unidas para os Direitos Humanos nos Territórios Ocupados disse ter documentado em 2022 a morte de 74 palestinianos às mãos das forças israelitas, em muitos casos devido ao uso letal da força, de uma forma que parecia violar o direito internacional humanitário.

Vaga de detenções

Todas estas mortes ocorreram no contexto de raides e operações de «busca e captura» levadas a cabo pelas forças israelitas nos territórios ocupados da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, no âmbito das quais foram detidos mais de 60 palestinianos nos últimos três dias, segundo a Wafa: pelo menos 17 na madrugada de segunda-feira; 21 na de terça-feira e 27 na de hoje.

Estas operações ocorrem num registo praticamente diário, quase sempre à noite e de madrugada. Alegando que «procuram» palestinianos, as forças israelitas de ocupação invadem as casas sem mandado de detenção onde e sempre que lhes apetece.

Os confrontos com os residentes palestinianos – que ficam à mercê da autoridade militar que lhes é imposta pelos comandantes israelitas – são frequentes, num contexto de violência crescente por parte dos colonos.

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