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Aumento do custo de vida contado por quem o sente

Sobre a inflação, o AbrilAbril não foi falar com os antónios saraivas desta vida. Pelo contrário, foi aos supermercados falar com quem vive dos rendimentos do seu trabalho. A conclusão é uma: sobram razões para lutar.

Não é preciso ser-se especialista para saber que a inflação se faz sentir nas compras que fazemos. Sejam as compras mensais, semanais ou diárias, o denominador comum é o aumento dos preços e do dinheiro que cada pessoa deixa no supermercado. Seja a pandemia ou a guerra há dois lados evidentes - o lado dos que suportam os preços especulativos e o dos poucos que alargam as suas margens de lucro e ganham dinheiro com a especulação. 

Ouve-se por todo o lado que a vida está mais cara. É a cada vez mais comum a queixa de que «vou ao supermercado, gasto cada vez mais e trago cada vez menos». O AbrilAbril foi ao encontro das pessoas, nomeadamente a três supermercados: um no centro de Lisboa (Continente de Entrecampos) e dois na Amadora (Minipreço, perto do Parque Municipal José Afonso e Pingo Doce, no Centro Comercial Babilónia). 

«Dizem que aumento dos salários provoca a inflação, mas aumentem o meu»

A nossa primeira paragem foi no Continente de Entrecampos. O ruído de fundo confirmava que estávamos em pleno centro da cidade na hora de ponta. As entrevistas tinham somente um guião e a escolha das pessoas com quem falar não obedecia a nenhum método científico. Falámos com: Vitória Reis, tem 38 anos e é costureira; André Malhado, 36 anos e estudante de Doutoramento; Joia, de 55 anos está desempregada; Bruno Sarmento, com 45 anos é consultor e, por fim, a Maria José Sequeira, com 75 anos e que se mantém em actividade como advogada.

A primeira questão era muito simples. Perguntava-se sentem o aumento do custo de vida nas compras que fazem. A resposta foi unânime. Todos os entrevistados responderam afirmativamente. Uns até desenvolveram uma resposta que podia ser de sim ou não. A Vitória Reis, imigrante brasileira, disse que chegou a Portugal há 7 meses e que desde então reparou na evolução dos preços. Uma constação que a Joia complementou, dizendo que «as coisas que custavam 3€, 3€ e tal estão a 4€, as que custavam 2€ e tal estão a 3. É um aumento de 1€ e tal praticamente». Pelo seu lado, o André Malhado sublinhou o aumento da «maioria dos produtos. Os do dia-a-dia, subiram todos, incluindo  o tofu e a maioria dos legumes, considerando que sou vegetariano».

Na segunda pergunta procurámos abordar a relação entre o salário ou a pensão e o custo de vida. Mais uma vez a resposta foi unânime: o Bruno Sarmento considerou o salário «desajustado» face aos preços praticados; a Maria José, que vive sozinha e não tem grandes despesas, reconheceu que dá para controlar, mas com muito mais cuidado; para a Vitória Reis «tudo sobe, menos o salário», enquanto a Joia respondeu rapidamente que «o salário mínimo não dá para viver». O André afirmou que gasta mais, considerando que tem uma bolsa de investigação da FCT . «Uma boa percentagem acima do que gastava diariamente».

Em relação à terceira pergunta, como se adaptou à inflação verificada e se foi necessário cortar ou fazer ajustes nas compras do dia a dia, as respostas já não foram idênticas. Alguns dos entrevistados, como a Vitória Reis, afirmaram que não mudaram, embora sintam esse impacto na carteira. No caso do André Malhado, começou a estar mais atento às promoções, enquanto o Bruno Sarmento se vai adaptando, mas sem chegar ainda «ao ponto de cortar». Quanto à Joia, já começou a cortar e deu como exemplo um queijo que comprava e já não compra. A Maria José sublinhou que a inflação, fazendo-se sentir em todas as esferas da vida, obrigou-a a cortar nas férias para poupar dinheiro. 

Neste supermercado, terminámos com uma quarta pergunta: o que levou a este aumento do custo do custo de vida? Os cinco afirmaram não saber e nada perceber de economia, mas lá foram dizendo que a causa era a guerra e algum aproveitamento que pode estar a haver. A Maria José acrescentou «que hoje vivemos num país cada vez mais desigual», enquanto  para a Vitória Reis as soluções «têm que vir do Governo». Quanto ao Bruno Sarmento, considerou ser necessário aumentar os salários: «dizem que aumento dos salários provoca a inflação, mas aumentem o meu».

«O que é que o ovo das galinhas tem que ver com a Ucrânia para aumentar tanto o preço?»

Mudámos de concelho e fomos até à Amadora. O nosso segundo supermercado foi um Minipreço próximo do Parque Municipal José Afonso. O método de abordagem foi o mesmo, adicionando uma pergunta ao rol das que já tínhamos. 

Neste supermercado falámos com o Sami Lima, fisioterapeuta de 36 anos, a Maria Emília, reformada de 73 anos, o Pedro Pereira, auxiliar de inventário com 23 anos, Luísa Silva, cozinheira com 58 anos e o Albino Bernardo, reformado de 78 anos. 

As conversas não foram tão longas, à excepção do Sami. No entanto, todos consideraram de imediato que estava tudo mais caro. Os dois reformados com quem falámos, mesmo não querendo desenvolver muito a conversa, responderam imediatamente com um «sim» à pergunta feita, tal como o Pedro o mais jovem dos entrevistados, enquanto a Luísa afirmou sentir «bastante» o aumento dos preços. 

Quando colocada a pergunta se sentiam que o salário ou reforma já não dava para comprar o mesmo, estavam também todos na mesma página. A Luísa disse-nos que não era aumentada há três anos e que os salários não acompanharam o aumento dos preços. Já o  Sami disse que «antes, com o salário ajeitava-se até ao fim do mês com mais facilidade. Actualmente uma ligeira compra já não compensa». A Maria Emília acabou por dizer o que muitos pensam, «dar não dá, mas vai-se esticando e tem que dar».

Quando perguntámos se tinham adaptado ou cortado nas compras que faziam, a Luísa disse logo que tinha cortado nos cereais do filho e adaptou nos iogurtes, passando a comprar marca branca e estando mais atenta às promoções, no que foi acompanhada pela Maria Emília, que tenta fugir aos aumentos. O Pedro diz que não tem conseguido comprar os produtos que queria, enquanto o Sami «tem cortado em quase tudo» e, por exemplo, «em vez de comprar cinco pacotes de arroz, desta passo a comprar três, se calhar quatro», aplicando o mesmo método a outros bens de primeira necessidade. 

Neste supermercado, com receio que o guião das perguntas fosse curto acrescentámos outra: em que bens alimentares se tem sentido mais o aumento? O Albino, que até esta pergunta estava pouco participativo, começou a enumerar: «é o leite, é o pão, é o óleo, é essas coisas todas». A Luísa disse  que sente no leite, no pão e na fruta que considera «impossível». Para o Sami a inflação sente-se até em produtos simples como «frango, galinha, ovos» e questiona de forma irónica, «o quê que o ovo das galinhas tem que ver com a Ucrânia para aumentar tanto o preço?», para concluir que tem havido aproveitamento da guerra para « sobrecarregar o “Zé Pequeno”».

Na última pergunta, sobre as causas da inflação todos apontam a guerra como a principal causa, mas algumas respostas não se ficam por aí. A Luísa diz que «foi a pandemia, agora é a guerra… tem sempre que haver alguma coisa». O Sami considera que os aumentos dos salários não compensaram e o Albino termina a entrevista da forma mais exclamativa, afirmando que «monetariamente o povo está cada vez mais pobre!».

«Poderia haver, da parte do Governo, uma ajuda. Repensarem nos valores do salário mínimo… deveriam aumentar.»

A última paragem foi também no concelho da Amadora, no Pingo Doce do Centro Comercial Babilónia e lá falámos com mais cinco trabalhadores, com o mesmo guião de perguntas. Entrevistámos Kelly SIlva, desempregada com 44 anos, Maria de Jesus, reformada de 69 anos, Diogo Oliveira, tatuador de 26 anos, Domingos Santos, técnico de telecomunicações com 37 anos e Eliana Silva, de 24 anos que trabalha na Hotelaria.

Após já termos entrevistado 10 pessoas, conseguimos quase antecipar o tipo de respostas. Na prática, correspondeu ao que pensávamos, à excepção do Domingos que disse não notar muito no aumento do custo de vida. 

Na primeira pergunta, se têm sentido o aumento do custo de vida nas compras que fazem, a Kelly disse logo que «sim!» e o Diogo respondeu com um imediato «Bué, agora que estou a viver sozinho». A Maria de Jesus também atalhou a resposta e disse «está tudo muito mais caro. Nem vale a pena estar a perguntar porque a gente vê». A Eliana foi a que mais desenvolveu a resposta, identificando a pandemia e a guerra como causas para a inflação e que isso «afectou no supermercado e nas compras do quotidiano».

Na segunda pergunta, se sentiam que o salário ou a reforma já não dava para o mesmo, o Diogo disse-nos logo que já não dava. A Eliana contou que no trabalho ouve que «salários não estão a dar seguimento» ao aumento do custo de vida. Já a Maria de Jesus disse «claro que não, uma reforma de 350€ não dá para o aumento que se vê».

Sobre os cortes ou adaptação das compras, quase todos dizem que têm adaptado, à excepção da Maria de Jesus: «há coisas que eu não compro. Coisas para fazer sopa como a courgette que está  3€ e estava a 1€ e tal, eu não compro. Faço a sopa sem isso. Ponho outras coisas que sejam mais baratas».

A pergunta que motivou mais os entrevistados foi sobre quais os productos onde se regista a escalada inflacionista. Curiosa é a convergência entre todas as respostas. A Kelly diz que sente nos produtos «mais supérfluos como os refrigerantes, os iogurtes, queijo ou cereais em geral», enquanto para a Maria de Jesus «de semana a semana vê-se as coisas a aumentar», dando também como exemplo os detergentes, os iogurtes, a carne e a fruta, complementando com um «para comer está terrivel». Para o Diogo, tudo o que leva cereais, carne e peixe são os principais alvos de aumentos. A Eliana acompanhou a parte das carnes e laticínios acrescentando ainda as massas. 

Para finalizar perguntámos sobre a avaliação que fazem para as causas da inflação. Mais uma vez a guerra é apontada como a culpada para a deterioração do nivel de vida, mas ao contrário das nossas outras passagens as soluções foram apontadas. A Kelly não acredita somente na guerra, acha que há aproveitamento e diz que o Governo teria «poder para conter a inflação». Pelo seu lado, a Maria de Jesus acompanha a Kelly e diz que muitas pessoas se têm aproveitado da guerra e que «devia haver mais fiscais para verem os preços a que eles (supermercados) vendem as coisas». O Diogo acrescenta que o problema «é o português. É preferível irmos para um campo de futebol e ralharmos com os jogadores do que ir a uma manifestação». Mas, não fica por aí, e afirma que «precisamos uns dos outros para resolver a situação», que a «Espanha reduziu o IVA e nós estamos a aumentar» e que «só conseguimos sobreviver com o salário. O Estado já te obriga a estar com alguém para teres uma casa. Não há desculpas para o nosso salário ser 705€».

A Eliana fez uma análise de fundo e não hesitou em apontar justas propostas: «acho que poderia haver da parte do Governo uma ajuda. Repensarem os valores do salário mínimo, que deveriam aumentar. Ajudas inclusive para mães grávidas, pessoas que estão de baixa, pessoas deficientes. Haver um apoio do Governo a nível salarial, acho que isso já ajudaria. Menos impostos, menos IVA. Baixar um pouco isso já seria um grande passo».

Todas estas conversas nos indicam que há razões para protestar e para lutar. Os impactos da inflação são visiveis e fazem-se sentir na carteira de quem todos os dias trabalha e vê a sua vida ficar pior. É também por isso que a CGTP-IN convocou para esta tarde duas manifestações, em Lisboa e no Porto.  

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