Desde que, no domingo passado, o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) venceu a segunda volta das presidenciais, com 50,90% dos votos válidos, as estradas brasileiras têm estado a ser bloqueadas por apoiantes do candidato derrotado, Jair Bolsonaro (em breve ex-presidente da República), contestando o resultado nas urnas e pedindo uma intervenção militar.
A desobstrução das vias rodoviárias por parte das forças de segurança só assumiu uma forma incisiva esta terça-feira, após duas deliberações do juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, informa o Brasil de Fato.
Débora Nunes, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), considera «escandalosa a diferença de tratamento das forças de segurança quando são os movimentos sociais que estão se manifestando, em bloqueios ou manifestações reivindicativas».
«Por mais legítimas que sejam» as reivindicações, aponta a defensora da reforma agrária, «o natural é criminalizar e agir com violência e truculência contra os trabalhadores e trabalhadoras».
Com os protestos dos apoiantes de Jair Bolsonaro, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) já não actuou dessa forma. E, no dia das eleições, levou a cabo operações de fiscalização, especialmente no Nordeste do país, atrasando autocarros que levavam eleitores para os locais de voto.
Agentes de segurança apoiando actos golpistas
Nas redes sociais, há registos de agentes policiais expressando apoio às manifestações que pedem um golpe militar no Brasil. Um vídeo mostra um agente da PRF cortando arame farpado com um alicate para ajudar bolsonaristas a ocupar a rodovia próxima ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
Num outro, um polícia de Santa Catarina anuncia aos manifestantes que interditam a BR-470 que «nenhum veículo que está na manifestação aqui será alvo de notificação. Eu não vou fazer multa nenhuma».
Num outro ainda um agente do Grupo de Apoio Preventivo (GAP) da Coordenadoria de Trânsito de Itajaí (Santa Catarina) discursa aos apoiantes de Bolsonaro, pedindo ao grupo que «resista» por 72 horas.
Em conferência de imprensa dada ontem, directores executivos da PRF afirmaram que o órgão «não apoia a ilegalidade ou o fechamento de rodovias federais». Segundo o corregedor da PRF, Wendel Benevides, «os casos que têm aparecido na Internet já foram identificados e a corregedoria do órgão já instaurou um procedimento».
Discrepância e conivência
A discrepância de tratamento por parte das forças de segurança foi igualmente referida pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). «Nós do MTST sempre estivemos nas ruas lutando por direitos sociais legítimos como casa e comida. Muitas dessas vezes fomos recebidos com tiros, bombas, agressões e prisões», salienta o movimento em nota.
Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente eleito do Brasil, falou para uma multidão em São Paulo, destacando que a vitória é da democracia e do povo, e apostando no combate à miséria e à desigualdade. Com voz rouca, pelos muitos discursos que fez nos últimos dias de campanha, o ex-sindicalista da região do ABC paulista e agora novamente presidente eleito do Brasil falou para uma multidão na Avenida Paulista, ontem à noite, e disse que a sua vitória no pleito eleitoral é de todos os que «amam a democracia» e «querem um país mais justo». «Eu queria apenas dizer para vocês que essa não é uma vitória minha, não é só do PT [Partido dos Trabalhadores], essa foi uma vitória de todas as mulheres e homens que amam a democracia, que querem a liberdade, que querem um país mais justo», afirmou o presidente eleito, citado pela Prensa Latina. Disse ainda que se tratou de uma vitória dos que «querem mais cultura, educação, igualdade, fraternidade», de «todos os homens e mulheres que resolveram libertar o país do autoritarismo». Reconheceu que a tarefa mais essencial será «garantir que cada criança, cada mulher, cada adolescente, cada homem possam todo dia tomar café, almoçar e jantar as calorias e as proteínas necessárias». Num primeiro discurso, igualmente em São Paulo, após a confirmação de que seria eleito presidente do Brasil pela terceira vez, Lula já havia afirmado que «a nossa luta não começa e não termina com a eleição. A nossa luta por um país justo, em que todos os brasileiros possam trabalhar, estudar, comer, será pelo resto da nossa vida». Nesse primeiro discurso de vitória, Lula da Silva assumiu o combate à miséria e à desigualdade como prioridades e definiu o seu conceito de democracia. «O povo brasileiro quer viver bem, comer bem, morar bem. Um emprego, com salário justo reajustado sempre acima da inflação, e políticas públicas de qualidade. O povo brasileiro quer ter de volta a esperança. É assim que eu entendo a democracia. Não apenas como uma palavra bonita escrita na lei, mas como algo palpável que podemos construir no dia a dia. Foi com essa democracia real, concreta, que assumimos compromisso durante a campanha. E vamos buscar construir a cada dia de nosso governo», disse, citado pelo Brasil de Fato. À multidão reunida na Avenida Paulista, o presidente eleito do Brasil disse estar «metade preocupado» por não ter a confirmação de que o governo actual vá facilitar a transição. Geralmente, o presidente eleito monta um gabinete de transição e conta com a colaboração do presidente de saída para começar o novo mandato, refere a Prensa Latina. «Eu gostaria de estar só alegre, mas eu estou alegre e metade preocupado. Porque, a partir de amanhã, eu tenho que começar a me preocupar como é que a gente vai governar esse país. Eu preciso saber se o presidente que nós derrotámos vai permitir que haja uma transição, para que a gente possa tomar conhecimento das coisas», disse. Na segunda volta das eleições presidenciais, Lula da Silva obteve mais de 60 milhões de votos (50,9% dos votos válidos), enquanto Jair Bolsonaro alcançou 58,2 milhões (49,1%). Neste cenário, os primeiros discursos do novo presidente centraram-se também na unificação do país e na necessidade de superar divergências. «Não existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação. Não interessa a ninguém viver em uma família onde reina a discórdia. É hora de reunir de novo as famílias, refazer os laços rompidos pela propagação criminosa do ódio. A ninguém interessa viver em um país dividido», defendeu. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
A vitória é do povo brasileiro, afirma Lula
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Por seu lado, Darci Frigo, que preside ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), destacou o carácter ilegal das acções bolsonaristas, «por terem em sua natureza a defesa da instauração de uma ditadura no nosso país».
Em seu entender, o tratamento dado pelas forças policiais a estas manifestações é uma forma de «conivência». «Salta aos olhos de qualquer pessoa que essa polícia está partidarizada a serviço de um grupo político», frisou.
Gleisi Hoffman: «Bolsonaro é o único a apostar no caos diante da derrota»
O candidato derrotado à Presidência do Brasil demorou a pronunciar-se após os resultados e, no seu curto discurso de ontem, nem sequer se dirigiu ao vencedor e futuro presidente, Luiz Inácio Lula da Silva.
Sobre os bloqueios, disse que «os atuais movimentos populares são frutos de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral», não explicando a que se referia.
Nas redes sociais, não faltaram reacções. Gleisi Hoffman, presidente do PT, não se poupou na crítica ao ex-presidente: «Lula disputou seis eleições presidenciais. Quando perdeu, acatou o resultado e nunca promoveu arruaça», escreveu na sua conta de Twitter, em alusão ao facto de o ex-sindicalista ter participado em eleições em 1989, 1994, 1998, 2002, 2006 e 2022, e só ter vencido nas últimas três contendas.
Qualificando o candidato derrotado da direita como «irresponsável», Hoffman disse ainda que ele é «o primeiro e único a apostar no caos diante da derrota».
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