Em 35 anos de vida, a rádio TSF (Telefonia Sem Fios) nunca tinha sido alvo de uma acção de luta como a desta quarta-feira. «Chegámos ao limite», afirmou Filipe Santa-Bárbara, porta-voz dos trabalhadores da estação, ao AbrilAbril, junto às Torres de Lisboa (sede da empresa), onde os manifestantes gritavam «Respeito».
«Atingimos um nível tal de saturação, de nos sentirmos desrespeitados, que hoje, desde a meia-noite, entrou uma notícia apenas: a de que os trabalhadores da TSF estão em greve», disse. A paralisação de 24 horas foi aprovada por unanimidade num plenário de trabalhadores realizado a 11 de Setembro. A emissão de música em loop, ao longo do dia, tem sido pontuada pela mensagem lida por Fernando Alves, voz carismática daquela estação: «A programação regular da TSF está condicionada devido a uma greve de 24 horas dos trabalhadores desta rádio.»
Entre palavras de ordem, cartazes a denunciar que «as notícias não escolhem hora certa, mas os salários precisam de um dia certo» e a reivindicar «salários dignos», enquanto se vai ouvindo a emissão da TSF através de colunas, Filipe Santa-Bárbara diz que os trabalhadores exigem um «grande pedido de respeito» por parte da administração da Global Media, detentora também do Diário de Notícias, Jornal de Notícias, O Jogo e Dinheiro Vivo, entre outros títulos.
«Há três motivos principais para estarmos aqui», adiantou. «Sem qualquer justificação», os salários dos últimos dois meses foram pagos «fora de horas», dificultando a vida de quem tem prestações a cair no início do mês. Outra das razões que desencadeou o protesto liga-se com a valorização salarial. Durante meses foram realizadas negociações com a administração para ajustes salariais decorrentes da inflação. «A TSF não rejeitou essa proposta, ainda que ficasse aquém do pretendido, mas as outras marcas rejeitaram e desde aí que não sabemos rigorosamente mais nada», critica Filipe Santa-Bárbara.
Na concentração de protesto, em Lisboa, esteve também Francisco Gonçalves, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores de Telecomunicações e Comunicação Audiovisual (STT/CGTP-IN). «Estamos aqui para dar a nossa solidariedade e desejar que a luta atinja os objectivos centrais, que têm a ver com a falta de condições de trabalho e de pessoal, com a reorganização que está a ser feita sem conhecimento da comissão de redacção e pelo facto de não terem aumentos salariais há muitos anos, apesar do compromisso de haver negociações nesse sentido», disse.
«Foi a TSF que criou uma comissão mista para desenvolver o processo dos aumentos salariais e está a ser penalizada porque, efectivamente, o JN e o DN não aceitaram a proposta, mas a TSF aceitou e entende que deve ser implementada o mais rápido possível, porque com o aumento do custo de vida, as pessoas estarem estagnadas há anos e anos, não é fácil», insistiu Francisco Gonçalves.
Os trabalhadores pretendiam que a proposta tivesse entrado em vigor em Julho para agora retomarem negociações, por entenderem que ficava «muito aquém» do valor da inflação. Mais do que isso, diz Filipe Santa-Bárbara, falta comunicação e valorização da profissão. «Ao longo de todos os anos, processos de reestruturação, formulações, jornalistas a serem substituídos… quando é que pára?», desabafa.
«Mesmo no osso, nunca fizemos greve, mas chegámos ao limite»
O jornalista de política da TSF admite que a equipa é obrigada a desdobrar-se «muitas vezes» e o exemplo desta secção retrata muito do que hoje se vive nas redacções. «Somos quatro pessoas para três órgãos de soberania, oito partidos políticos com representação parlamentar, ou seja, alguma coisa vai falhar, dá para ter essa noção. É uma agenda intensa», refere.
Mais do que pedir respeito pelas condições laborais daquela rádio, Filipe Santa-Bárbara assume que esta é também uma acção de luta em defesa do jornalismo. «Ao longo de todos estes anos, a TSF e outros meios de comunicação social têm sido depauperados, faltam recursos. Todos os dias ouvimos isto, não é? E mesmo nestas condições, mesmo no osso, nunca fizemos greve, mas chegámos ao limite, e acho que esta é uma altura fundamental porque estamos perto dos 50 anos do 25 de Abril e temos o Congresso dos Jornalistas no próximo ano». «Estamos aqui, em primeiro lugar por nós, mas por toda a classe, pelo jornalismo em Portugal», defendeu.
O afastamento do director Domingos Andrade, «ao arrepio da lei», é outro dos motivos que levaram à paralisação. «Soubemos por comunicado, logo não compreendemos, porque o estatuto do jornalista prevê que os conselhos de redacção tenham que ser ouvidos na destituição e na nomeação», disse Filipe Santa-Bárbara. «É por isso que, 35 anos depois da fundação desta rádio, desligamos o microfone pela primeira vez, lamentavelmente», acrescentou.
Esta terça-feira, a administração da Global Media convocou o conselho de redacção e a comissão mista de trabalhadores (constituída por trabalhadores de várias áreas – jornalistas, animadores, técnicos – e de sindicatos como o Sindicato dos Jornalistas e o STT/CGTP-IN) para uma reunião, que se realizará amanhã. A ordem de trabalhos não foi divulgada.
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