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Trabalho precário compromete o presente dos jovens e o futuro do País

É necessário mudar o rumo das políticas seguidas ao longo de décadas, valorizando o trabalho e os trabalhadores, o que passa pelo aumento dos salários e a melhoria dos direitos individuais e colectivos.

Trabalhadores da Administração Pública têm lutado para que ninguém fique excluído do programa de regularização
CréditosJosé Coelho / Agência Lusa

O emprego tem estado a crescer desde o fim da pandemia. Mas é um crescimento insuficiente e feito à custa de emprego precário. São mais 300 mil trabalhadores desde 2020, contratados para o comércio (52 mil), construção (44 mil), informação e comunicação (37 mil), turismo e restauração (33 mil), saúde e apoio social (30 mil), Administração Pública1 (29 mil) e actividades de consultoria, científicas e técnicas (25 mil), salientando-se apenas as que criaram mais de 25 mil postos de trabalho isoladamente. De referir ainda que no conjunto das indústrias transformadoras o aumento foi de apenas 3100 postos de trabalho.

Três quartos do emprego foi criado com vínculos não permanentes, situação que se reflecte não apenas nos salários (em média, 20% abaixo dos pagos aos trabalhadores permanentes), mas também na instabilidade que cria, sendo a precariedade a primeira causa de desemprego.

«Três quartos do emprego foi criado com vínculos não permanentes, situação que se reflecte não apenas nos salários [...], mas também na instabilidade que cria»

Perto de 750 mil trabalhadores têm vínculos precários, numa estimativa que se pode considerar conservadora, atingindo 17,4% do total dos assalariados de todas as idades mas alcançando os 33% entre menores de 35 anos e os 54% entre os menores de 25 anos. Quem consegue ser independente nesta situação?

No sector privado a precariedade atinge os 31%, sobressaindo as actividades administrativas e serviços de apoio, a agricultura e pescas, o turismo e restauração, a construção, as actividades artísticas, de desporto e recreativas, as actividades imobiliárias, a educação e outras actividades de serviços, onde 30% ou mais dos trabalhadores têm contratos de trabalho precários.

Na realidade, as percentagens podem ser superiores porque não se inclui aqui o falso trabalho independente ou o trabalho não declarado.

Os salários são, em média, baixos e continuaram a perder poder de compra em 2023: 1,2% face a 2022 e 5,5% face a 2021, considerando os salários em termos líquidos.

«Perto de 750 mil trabalhadores têm vínculos precários, numa estimativa que se pode considerar conservadora [...]. Quem consegue ser independente nesta situação?»

Um em cada cinco trabalhadores ganha apenas o salário mínimo nacional e até aos 1000 euros de salário base bruto são dois em cada três, num total de cerca de 2 milhões e 800 mil assalariados2.

A maioria dos trabalhadores trabalha 40 horas semanais e os horários são cada vez mais desregulados, com quase de metade dos trabalhadores a trabalhar por turnos, à noite, ao sábado ou domingo ou numa combinação destes tipos de horários. São perto de 1 milhão e 800 mil trabalhadores nesta situação. Como se consegue ter tempo para lazer, descansar, estar e cuidar da família, fazer desporto, aprender?

Governo e patronato enchem a boca com a importância do conhecimento e qualificações mas muitas empresas não só não cumprem as obrigações legais relativas ao trabalhadores ao seu serviço, como dificultam a educação e formação por iniciativa do trabalhador devido à desregulação dos horários de trabalho, pondo também muitos obstáculos a que a melhoria das qualificações se reflicta nos salários e carreiras profissionais. O resultado é uma baixa escolaridade e formação profissional quando comparamos Portugal com outros países europeus.

Entre os mais qualificados há desperdício de conhecimentos e competências necessários ao desenvolvimento do País: um em cada cinco trabalhadores dos 20 aos 34 anos e um em cada dez dos 35 aos 64 anos é sobrequalificado relativamente às funções que desempenha3.

«Portugal é o país da Europa com maior proporção de população emigrada e o 8.º em todo o mundo.»

Muitos saem do país, nomeadamente os mais jovens – parte importante deles com habilitações e qualificações elevadas – porque não conseguem ter aqui condições dignas de vida e de trabalho. O fluxo de saídas nos últimos 20 anos equivale a 15% da população do País. O número (ou stock) de portugueses emigrados é de cerca de um quarto da população residente no País, sendo de mais de um terço entre os menores de 40 anos. Como resultado, Portugal é o país da Europa com maior proporção de população emigrada e o 8.º em todo o mundo4.

Esta situação é insustentável e compromete o futuro do País. Já está a comprometer o presente.

É necessário mudar o rumo das políticas seguidas ao longo de décadas, valorizando o trabalho e os trabalhadores, o que passa pelo aumento dos salários, incluindo o salário mínimo; pela revogação das normas gravosas das leis laborais e a melhoria dos direitos individuais e colectivos; pela revitalização da contratação colectiva; pelo reforço da fiscalização da legislação laboral; pela redução do tempo de trabalho para as 35 horas semanais sem redução de salário; por horários de trabalho regulados; pela efectivação do direito à formação profissional e pela repercussão nas carreiras e salários; por apoios ao emprego dirigidos apenas a empresas e outras entidades que provem não conseguir contratar sem apoio e dirigidas apenas à contratação permanente.

  • 1. Excluindo saúde e educação.
  • 2. Fonte: MTSSS, Instituto da Segurança Social (com base das Declarações de Remunerações à Segurança Social).
  • 3. Fonte: Migrant integration statistics – over-qualification, Eurostat/ Statistics Explained.
  • 4. Fonte: Atlas da emigração portuguesa, Observatório da emigração e autores.

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