Já repararam na forma como os resultados eleitorais das Legislativas 2024 no Reino Unido foram apresentados? «Vitória histórica» foi a fórmula mais utilizada na comunicação social nacional, sendo que de seguida se destacava a enorme vantagem em deputados obtida pelo Partido Trabalhista, com quase dois terços dos deputados eleitos.
O que não encontravam em lado algum era o resultado em votos em percentagem, para obter os quais é necessário escavar na Internet. E isso não acontece por acaso, é uma ocultação deliberada, para ajudar a esconder uma realidade que faria questionar o sistema. O Partido Trabalhista tem 63,8% dos deputados eleitos com 33,8% dos votos. Se quisermos escrever de outra forma, e tendo em conta uma abstenção de 40,1% (a segunda maior dos últimos 106 anos, outro facto esquecido pelas «notícias»), podemos dizer que o voto de 20,3% dos eleitores garantiu ao Partido Trabalhista uma vitória esmagadora nos deputados eleitos.
E depois temos a desproporção oposta: um partido com 14,5% dos votos obtém cinco deputados e outro com 6,8% obtém quatro. Enquanto cada deputado do Partido Trabalhista necessitou de apenas 23,6 mil votos para ser eleito, cada deputado do Partido Conservador necessitou de 56 mil votos, cada deputado do Partido da Reforma necessitou de 820 mil votos e há dois partidos com 200 mil votos sem qualquer deputado. A desproporção entre votos recebidos e lugares atribuídos ao partido vencedor atingiu um nível histórico e é a maior desde 1922.
«Nenhum governo deveria poder obter uma grande maioria a partir de uma minoria de votos. O sistema de votação de Westminster está a distorcer a nossa política e todos estamos a pagar o preço»
Electoral Reform Society
É esta a escala de quanto um sistema eleitoral assente em círculos uninominais distorce a distribuição de mandatos, criando «maiorias esmagadoras» com um terço dos votos expressos e deixando sem representação 57,8% dos eleitores que exprimiram o seu voto. E isto é o que pode ser medido objectivamente, pois é sempre preciso ter em conta que o sistema eleitoral também condiciona o voto, ou seja: sabendo de antemão que o seu voto tende a não servir para nada, há muitos eleitores que ou votam útil (escolhendo em cada círculo entre os candidatos que lhes foi dito que podem ganhar) ou nem votam sequer.
E todos temos consciência de que muitos eleitores são levados a votar sem convicção, sem estarem de facto a escolher as opções a ser tomadas na governação. Isso é confirmado por sondagens como a do YouGov.UK sobre as razões dos votantes do Partido Trabalhista para o fazer: 48% responderam que era para tirar o Partido Conservador do poder, 13% responderam que o país necessitava de uma mudança, 5% disseram que apoiavam as políticas trabalhistas. E mesmo somando todos os que indicaram uma razão concreta e não negativa (porque apoiam o SNS, porque se preocupam com o povo, etc.) o total de votantes por uma razão positiva é de 23%. Ou seja, conseguem 34% dos votos de 20% dos eleitores mas na realidade são cerca de 5% os eleitores positivos, os que se identificam com as propostas, as causas, as opções do Partido Trabalhista.1 Realmente esmagador.
Da mesma forma que na América a principal razão para votar Biden é Trump e para votar Trump é Biden, também no Reino Unido a principal razão para votar Trabalhista foi o não aos Conservadores, ao anterior Governo.
Com o sistema eleitoral a ser uma das peças do colete de forças com que as classes dominantes mantém os explorados sob controlo, as eleições de 2024 no Reino Unido deixam-nos a imagem de um poder podre, anti-democrático, cujo único êxito é ser capaz (até agora) de impedir o surgimento da força capaz de o destruir, de o substituir, de erguer um sistema verdadeiramente democrático.
- 1. O facto de o Partido Trabalhista não defender verdadeiramente o SNS e de ir prosseguir a sua privatização progressiva, sendo decisivo para perceber o que se passa, não é chamado para esta sondagem, o que conta é que o eleitor vota porque acredita que o Partido Trabalhista vai defender o SNS.
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