Em 2013, um grupo de amigos bebia cervejas e ouvia punk no mítico Sally Brown enquanto discutia a criação de um novo clube de futebol. Contestavam a financeirização do desporto, a lavagem de dinheiro e a distância cada vez maior entre os adeptos e os clubes, geridos numa lógica cada vez mais empresarial.
Foi então, entre várias conversas em bares e livrarias de esquerda, que decidiram fundar o Atletico San Lorenzo, associação desportiva que leva o nome deste bairro de Roma. Pegaram nas cores do West Ham United e na iconografia skinhead antifascista e lançaram um projecto que, com as devidas diferenças, pode lembrar a Associação Desportiva Recreativa «O Relâmpago», fundada em Lisboa a 1 de Maio de 2021.
Mas em 2013, no mesmo ano em que foi criado o Atletico San Lorenzo, em Roma, chegava à cidade um novo Papa. Jorge Mario Bergoglio, sócio 88235 do Atletico San Lorenzo de Almagro, clube de Buenos Aires, passou a chamar-se Francisco. Fervoroso adepto de futebol, chegou a receber das mãos de Diego Armando Maradona, no Vaticano, uma camisola da selecção argentina.
Contudo, em 2021, o campo de futebol onde treinava e jogava o Atletico San Lorenzo, em Roma, ficou em risco. Para o terreno, propriedade de uma fundação católica, estava projectado um campo de padel e um parque de estacionamento.
«Pegaram nas cores do West Ham United e na iconografia skinhead antifascista e lançaram um projecto que, com as devidas diferenças, pode lembrar a Associação Desportiva Recreativa "O Relâmpago", fundada em Lisboa a 1 de Maio de 2021.»
A notícia caiu como uma bomba no bairro. A mobilização foi imediata para evitar o fim do único espaço disponível para esta associação desportiva. Conhecendo a paixão do Sumo Pontífice pelo futebol e sendo adepto fervoroso de um clube com o mesmo nome, decidiram que tinham de entrar em contacto com o Papa.
Desde há vários anos, trabalhava no Vaticano um velho skinhead antifascista que podia ser a ponte para chegar a Francisco. Num dos momentos mais duros da sua vida, a sua mulher morreu afogada e o Papa fez questão de lhe ligar pessoalmente para dar os pêsames. Muitas vezes, a máxima figura da Igreja aparecia na cantina do Vaticano para almoçar com os trabalhadores. Foi ele que abriu caminho ao contacto com o Papa. Dias depois, a notícia saía na imprensa: «Neste campo não se mexe». Através de uma carta pública, assinada por Edgar Peña Parra, da secretaria de Estado do Vaticano, Francisco contestou a decisão da Fundação Cavalieri di Colombo e apoiou o projecto do Atletico San Lorenzo, empenhado em levar o desporto às classes populares.
Como resposta, Valentina Cittadini, vice-presidente do clube, agradeceu as palavras do Papa e pediu ainda a remoção das barreiras que existiam no acesso ao campo. «Depois de quase dois meses de mobilização, esta carta dá-nos esperança porque capta o sentido da nossa causa e, de certa forma, apoia-a. Pedimos também a remoção imediata das barreiras do campo de futebol. Se não forem retiradas no prazo de uma semana, nós tratamos do assunto». E trataram.
Daqui a poucos dias, Francisco vai ser enterrado, não nas Grutas do Vaticano, onde estão muitos dos túmulos papais, mas na Basílica de Santa Maria Maior. A não muita distância do campo de futebol onde joga o Atletico San Lorenzo.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui