O setor vitivinícola enfrenta hoje uma grave crise que pode, com a guerra tarifária dos Estados Unidos, transformar-se numa tempestade perfeita. Mas esta crise tem causas profundas que radicam nas opções da União Europeia (UE) e responsabilizam os partidos que as apoiaram no passado e no presente. Depois de anos a financiar novas plantações, a União Europeia está hoje confrontada com uma enorme crise de excesso de produção, gastando milhões para destilar vinho cuja produção subsidiou. É mais um paradoxo do mercado «livre», tão livre que precisa de subsídios para plantar, subsídios para arrancar e mais subsídios ainda para destruir o que ajudou a criar — sempre ao serviço daquela mão invisível que acaba por ajudar os mesmos de sempre.
Os primeiros instrumentos de regulação da produção de vinhos remontam ao início do século XX. Em 1905 a França começou a criar legislação para suster a queda nos preços e proteger a qualidade e a origem dos vinhos. Estávamos em pleno período de recuperação da crise sanitária causada pela filoxera com a generalização dos porta-enxertos americanos resistentes. Em 1935, nasce o sistema do INAO (Institut National des Appellations d'Origine), que começa a estabelecer limites de produção por região e por tipo de vinho. Quando a Política Agrícola Comum (PAC) começou a enfrentar os problemas de excesso de oferta (os chamados «lagos de vinho») e a instabilidade de preços, a União Europeia adotou o modelo francês e criou em 1976 o sistema dos «direitos de plantio» atribuídos ou autorizados de forma controlada.
Mais tarde, na sua fúria liberalizante, a União Europeia e a sua Política Agrícola Comum (PAC) arrasaram todos os instrumentos de regulação da produção que permitiam a cada país manter a sua produção em condições minimamente rentáveis para os produtores. O setor vitivinícola não foi exceção. As primeiras tentativas de acabar com os direitos de plantio datam de 2008. Apesar da luta dos agricultores, sobretudo os pequenos e médios produtores, prevaleceram, como é usual na União Europeia, os grandes interesses dos exportadores e das grandes áreas demarcadas ávidos de aumentar a produção orientada para o mercado internacional. Os direitos de plantio foram abolidos em 2015, entrando em vigor logo em 2016 um período transitório com a possibilidade de aumento de 1% por ano da área de vinha até 2048.
«Outras medidas que deveriam fazer corar de vergonha os aiatolas do mercado estão prestes a ser aplicadas, como é o caso da colheita em verde, que consiste em destruir pura e simplesmente as uvas que tanto custaram a produzir…»
Com a progressiva liberalização da oferta, cuja regulação passou a estar entregue à voragem do mercado, acentuaram-se as dificuldades das zonas demarcadas mais pequenas, apesar do seu papel relevante na oferta de vinhos de qualidade e do seu contributo para a preservação da atividade económica em territórios rurais de baixa intensidade e afastados dos centros urbanos. Ao mesmo tempo, consolidaram-se grandes grupos económicos orientados para a exportação num mercado global aberto e em confronto direto com os chamados vinhos do novo mundo. Os excessos de produção não tardaram em aparecer. Nos últimos anos, a Comissão Europeia gastou milhões de euros para subsidiar a destilação de vinhos. Não são revelados números totais, mas só em França os montantes acedem a 160 milhões de euros em 2023. Em Portugal foram 15 milhões. Outras medidas que deveriam fazer corar de vergonha os aiatolas do mercado estão prestes a ser aplicadas, como é o caso da colheita em verde, que consiste em destruir pura e simplesmente as uvas que tanto custaram a produzir…
Em Portugal, a situação é catastrófica. Mais de 150 viticultores do Douro receberam, este mês, cartas das casas compradoras a cancelar as suas encomendas de uvas. Sabemos ao mesmo tempo que entram em Portugal quantidades industriais de vinho a granel vindo de fora sem qualquer controlo e a preço de saldo. Perante esta calamidade, o governo nada faz. A União Europeia, perante a impossibilidade de esconder a realidade, reconhece o problema e criou mais um grupo de alto nível que há de produzir um relatório com recomendações de circunstância para absolutamente nada mudar. Os deputados do PCP no Parlamento Europeu votaram contra o fim dos direitos de plantio e alertaram em devido tempo para as consequências que infelizmente se vieram a confirmar. A defesa da soberania de Portugal em matéria agrícola e alimentar não pode passar ao lado desta campanha e os partidos que sustentaram a UE e a PAC ao longo das últimas décadas devem ser chamados à responsabilidade.
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