Depois de anos a dizer que era preciso cortar mais em direitos e rendimentos, a agência de notação financeira norte-americana Standard & Poor's (S&P) elevou o rating da República Portuguesa para BBB-, um nível acima do famoso lixo financeiro. É a segunda agência reconhecida pelo Banco Central Europeu a colocar Portugal numa categoria de investimento, depois da canadiana DBRS, apesar de o Estado só ter contratos firmados com as outras duas das «três grandes» – a Moody's e a Fitch.
Os protagonistas da política prescrita pelas agências de rating que foram apeados do poder pelas eleições de 2015 em Portugal apressaram-se a recolher os louros pela alteração da forma como, aparentemente, a S&P olha para capacidade que Portugal tem de reembolsar os seus credores. Paradoxalmente, a avaliação da S&P elogia as medidas do anterior governo ao mesmo tempo que reconhece que, ao contrário do que afirmava na anterior avaliação (em Março), medidas como o aumento do salário mínimo nacional e a redução do horário de trabalho para as 35 horas semanais no sector público tiveram um efeito positivo na economia – medidas que continuam a ser combatidas pelo PSD e pelo CDS-PP, enquanto se vangloriam da decisão unilateral e não solicitada da S&P.
Um percurso repleto de falhanços
As agências de notação financeira estavam, até 2007, amplamente ausentes da esfera mediática, à excepção de meios especializados. Foi com o crescendo da crise económica e financeira que estas foram entrando nas páginas dos jornais e nos noticiários de televisões e rádios.
«O ponto comum a todas as falências é que as agências de rating, a poucos dias da queda, garantiam que estas instituições estavam bem e recomendavam o investimento»
O seu mediatismo resultou do seu falhanço. Estas instituições prestam um serviço: avaliar empresas, bancos, organizações e estados do ponto de vista da sua robustez financeira e da capacidade de reembolsar dívida. Em Setembro de 2008, o governo federal dos EUA tomou o controlo de duas instituições de crédito (Freddie Mac e Fannie Mae), o banco de investimento Lehman Brothers faliu, o Merril Lynch foi comprado pelo Bank of America e a seguradora AIG recebeu 180 mil milhões de dólares em ajudas públicas. O ponto comum a todas estas é que as agências de rating, a poucos dias da queda, garantiam que estas instituições estavam bem e recomendavam o investimento – fazendo um paralelo com a situação nacional, foi como quando o Banco de Portugal, o governo e o Presidente da República asseguraram a solidez do BES no mês anterior à sua falência.
Mas os falhanços continuaram. Em Dezembro de 2009, a Moody's emitia um comunicado em que garantia que a probabilidade de a liquidez do governo grego ser posta em causa era «extremamente baixa» e que, mesmo que tudo coresse mal, seria apenas «no longo prazo». Passados seis meses, a troika entrava em Atenas com 110 mil milhões de euros na bagagem.
E os erros não acabaram na Grécia. Em Agosto de 2011, a S&P reconhecia ter falhado nos cálculos da dívida soberana dos EUA em qualquer coisa como 2 biliões de dólares.
Os «terroristas» da alta finança e a soberania feita refém
Apesar dos falhanços e das críticas generalizadas às agências de notação financeira, o seu monopólio de poder permanece intocável. Apenas três instituições, as «três grandes», representavam 93,2% do negócio de dar notas a outros, que movimentava 5,9 mil milhões de dólares, em 2015, de acordo com um relatório da Comissão de Títulos e de Câmbios norte-americana – o regulador do sector financeiro.
5,9 mil milhões
Receitas das agências de notação financeira em 2015, em dólares
As alterações da nota atribuída por cada uma das agências de notação financeira continuam a fazer tremer governos e empresas. Em Janeiro de 2012, após a S&P ter descido o rating da dívida soberana francesa de AAA (o máximo), o então presidente francês, Nicolas Sarkozy, prometeu um conjunto de medidas económicas para recuperar o triplo A.
O rating como instrumento de chantagem
Na verdade, o efeito imediato de uma descida no rating de um país é que este se torne um alvo para os especuladores financeiros, que encontram no veredicto das agências uma justificação para subirem o preço que recebem pela dívida – os juros. Muitas vezes, este tipo de operações é altamente benéfico para os cofres das agências de rating: em 1998, a Moody's escreveu a uma seguradora alemã, a Hannover Re, avisando que ia começar a avaliá-la. Ainda que esta não fosse cliente da Moody's, a agência dizia que esperava vir a contar com ela na sua carteira de clientes, de acordo com uma investigação do jornalista Alec Klein, para o Washington Post, publicada em 2004.
«Em 1998, a Moody's escreveu a uma seguradora alemã, a Hannover Re, avisando que ia começar a avaliá-la»
A Hannover Re rejeitou o «convite», argumentando que já pagava milhões às outras duas das «três grandes». A Moody's começou a emitir notações cada vez mais negativas, até a colocar no «lixo financeiro» em 2003, apesar de as suas congéneres atestarem a saúde financeira da empresa. Em poucas horas, o valor de mercado da seguradora caiu 175 milhões de dólares.
Os critérios que levam à avaliação das agências de notação financeira é um mistério para todos os que estão de fora. Elas são livres de promover ou despromover empresas e países e, como no caso da Hannover Re, potencialmente destruí-los. Por outro lado, o medo de perder o negócio terá feito com que, não poucas vezes, tenham atribuído elevadas notas a gigantes com pés de barro – como o Lehamn Brothers, o Merril Lynch e a AIG atestam.
A dívida e a soberania nacional
No passado domingo, após ser pública a decisão da S&P, a presidente do Instituto de Gestão de Crédito Público (IGCP), Cristina Casalinho, disse ao Público que é necessário que outra das «três grandes» retire o rating da República do «lixo financeiro» para que a dívida pública regressa à roda viva dos grandes investidores mundiais. Já hoje, segunda-feira, os juros desceram ligeiramente e os analistas atribuem a mexida dos místicos mercados à subida do rating.
236 mil milhões
Dívida pública portuguesa no final de 2016, em euros
No entanto, por mais que as notas subam e que os juros desçam, a dívida pública portuguesa permanece acima dos 130% do Produto Interno Bruto (PIB) e Portugal continua a pagar mais de 8 mil milhões de euros em juros anualmente.
A entrada da dívida pública portuguesa nos índices europeus de dívida soberana pode agradar a quem a gere. Mas nem a S&P, na nota em que ninguém esperava uma subida do rating, acredita que, até 2020, caia abaixo dos 115% do PIB – o que significa que nem toda a riqueza criada no País durante um ano é suficiente para pagar a totalidade da dívida pública.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui