A insatisfação com a portaria 1129/2017, que dificulta a identificação das condições de trabalho análogas ao trabalho escravo, bem como a sua fiscalização, ficou patente desde a sua publicação no Diário da União, a 16 de Outubro último. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitou a sua revogação e vários partidos entraram com acções na Justiça – três das quais no Supremo.
Nesta terça-feira, a ministra Rosa Weber acolheu o pedido do partido Rede Sustentabilidade, que solicitava a anulação dos efeitos da portaria, argumentando que houve «desvio de poder na edição da medida». No entanto, a suspensão tem carácter provisório, até ser julgada pelo plenário do tribunal, que ainda não tem data marcada.
Para a ministra, «ao restringir indevidamente o conceito de "redução à condição análoga a escravo", [a portaria] vulnera princípios basilares da Constituição». Para além disso, Weber refutou um dos principais pontos da portaria, que vincula a configuração do trabalho escravo à restrição da liberdade de «ir e vir», informa o Portal Vermelho.
Em seu entender, a «escravidão moderna» assume contornos «mais subtis» no âmbito do Direito internacional, e «o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos económicos, e não necessariamente físicos».
«A portaria aparentemente afasta, de forma indevida, do conjunto das condutas equiparadas a trabalho realizado em condição análoga à de escravo, as figuras jurídicas da submissão a trabalho forçado, da submissão a jornada exaustiva e da sujeição a condição degradante de trabalho, atenuando fortemente o alcance das políticas de repressão, de prevenção e de reparação às vítimas do trabalho em condições análogas à de escravo», escreveu a ministra na sua alegação.
Combate ao trabalho escravo dificultado
A portaria engloba um conjunto de regras que, na prática, dificultam o combate ao trabalho escravo no Brasil. Uma das questões diz respeito à introdução da obrigatoriedade de privação da locomoção (privação do direito de ir e vir) na identificação, por parte dos fiscais, de trabalho forçado, jornada exaustiva e condição degradante – algo que não ocorre no Código Penal.
Exige-se também que o fiscal apresente um boletim de ocorrência junto ao seu relatório, ou seja, a presença de agentes da polícia na fiscalização; e deixa-se nas mãos do ministro do Trabalho – e não, como até aqui, de uma equipa técnica – a inclusão numa «lista suja» de nomes de empresas onde foi detectado trabalho análogo à escravidão.
Chuva de críticas
Desde a publicação, a portaria foi alvo de inúmeras críticas, nomeadamente por parte do Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho, que recomendaram a sua revogação. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) também se pronunciou, criticando a medida.
Por seu lado, os fiscais do trabalho decidiram parar as actividades na maioria dos estados brasileiros, em protesto contra a portaria, segundo revelou o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Carlos Silva.
Ontem, em declarações ao Portal Vermelho, o dirigente sindical mostrou-se satisfeito com a suspensão decretada pelo STF, mas sublinhou que a luta só vai parar quando a medida for revogada definitivamente, de modo a permitir «recuperar a eficácia no combate ao trabalho escravo».
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