Em causa está a degradação das embarcações que ligam Lisboa ao Seixal, Montijo e Barreiro, no distrito de Setúbal, agravada nas últimas semanas. Ao AbrilAbril, Nuno Catarino, da Comissão de Utentes do Cais do Seixalinho (CUCS), afirma que a situação «tem sido de ruptura total do serviço, ao ponto de, por exemplo, as travessias do Seixal e do Montijo terem apenas uma embarcação ao serviço», e de os utentes já não conseguirem cumprir horários, tanto a nível profissional como pessoal.
O representante da CUCS explica que, nos casos do Seixal e do Montijo, para funcionarem os horários definidos são necessários dois navios em cada ligação, atendendo a que no Montijo a frequência em hora de ponta é de 30 minutos, enquanto no Seixal é de 25. «Havendo só um navio por ligação, no caso do Montijo passávamos a ter de hora a hora e no caso do Seixal a cada 50 minutos», refere.
Neste cenário, «ainda meteram um cacilheiro antigo, primeiro no Seixal, onde encalhou por duas vezes no pontão, e depois no Montijo, mas percebeu-se que não era solução». No dia 5 de Março, com condições climatéricas adversas, o cacilheiro saiu do Cais do Seixalinho às 8h, não conseguiu atracar em Lisboa e foi desviado para Cacilhas (Almada).
«Neste momento, tendo em conta a situação, o que exigimos é que pelo menos cumpram os horários em condições de segurança para os utentes.»
nuno catarino
Catarino explica que, «apesar de estarem provavelmente menos passageiros do que a capacidade prevista, como a embarcação tem um conjunto de lugares no exterior e estava a chover, as pessoas viajaram todas no interior, havendo passageiros em pé que andaram aos trambolhões, enquanto outros tiveram ataques de pânico» devido aos movimentos do navio São Jorge.
«A empresa alega que isso teve a ver com condições climatéricas, nós consideramos que a razão não é essa, até porque os catamarãs conseguiram atracar. No caso do Montijo, o catamarã que saiu meia hora depois deste cacilheiro conseguiu atracar em Lisboa», defende.
«Foi um caso isolado mas que tem a ver com esta degradação e com o facto de não haver navios suficientes para cumprir os horários», realça Nuno Catarino.
De 25 minutos a duas horas
Nos dias seguintes, os utentes recusaram-se a entrar naquele barco mas quando chegava um catamarã não cabia lá toda a gente. Com este panorama, a administração da Transtejo viu-se na obrigação de arranjar uma solução e colocou um conjunto de autocarros fretados no Cais do Seixalinho para transportar as pessoas para Lisboa.
«Provou-se logo nos dois primeiros dias que não era alternativa, porque uma viagem que se faz em 25 minutos passou a ser praticamente de duas horas, em hora de ponta», esclarece Catarino. «São situações de recurso que obviamente não são solução», acrescenta.
Deste novo constrangimento nasceu a ideia de fazer uma marcha em direcção ao Ministério das Finanças com o intuito de entregar uma carta ao ministro Mário Centeno, na qual exigem a orçamentação urgente das empresas de transporte fluvial.
Nuno Catarino defende que uma parte da solução está no libertar imediato de verbas para as empresas públicas Transtejo e Soflusa.
«Neste momento, a Soflusa tem apenas seis embarcações a funcionar, que são o mínimo para cumprir os horários que tem, e não tem nenhuma de reserva. A comissão de utentes do Barreiro também vai participar nesta iniciativa precisamente porque a situação deles também é precária. Se tiverem uma avaria numa, não têm reservas», admite o representante da CUCS.
Recorde-se que, no passado dia 9, também o presidente da Câmara do Seixal denunciou em comunicado a situação «insustentável», ao mesmo tempo que indagava sobre o investimento de 10 milhões de euros, anunciado no ano passado pelo Ministério do Ambiente, para o plano de manutenção da frota de navios da Transtejo e Soflusa.
Não basta renovar a frota
Mas não é apenas com uma frota renovada que se consegue ultrapassar esta dificuldade, alerta Nuno Catarino. «Há aqui uma situação tão ou mais grave do que esta que também tem que ser resolvida e tem a ver com o assoreamento do rio», denuncia.
«Há anos que não se fazem dragagens no Tejo, o rio está completamente assoreado e uma boa parte dos motivos das avarias tem precisamente a ver com isso, porque o sistema de funcionamento dos catamarãs é por propulsão de água e com o assoreamento do rio entram lama e detritos que criam algumas das avarias que estão a acontecer». Como tal, assume que uma renovação da frota, por si só, «nunca será suficiente».
A solução passa pelo reforço do investimento
O membro da CUCS explica que o desinvestimento no transporte fluvial começou quando havia a intenção de privatizar a empresa. «Houve um desinvestimento total que fez com que as embarcações não fossem às manutenções periódicas e a renovação dos certificados de navegabilidade foi levada até ao limite», sublinha.
Os utentes saúdam a reversão da intenção mas criticam a «ruptura completa», devido ao nível de degradação das embarcações, e exigem a orçamentação urgente da Transtejo e da Soflusa.
Este «caos», descreve Nuno Catarino, surgiu em 2010, com os cortes na frequência das carreiras, mas a «ruptura do serviço público começou a notar-se em Dezembro de 2016». Foi nessa altura «que começaram a não existir embarcações suficientes para cumprir os horários, já de si reduzidos».
A concentração dos utentes está marcada para as 17h, no Cais do Sodré. Daí seguem para o Terreiro do Paço, onde os utentes da travessia do Barreiro se vão juntar à marcha, e depois para o Ministério das Finanças.
A Soflusa faz a ligação entre o Barreiro e Lisboa, enquanto a Transtejo é responsável pelas ligações do Seixal, Montijo, Cacilhas e Trafaria/Porto Brandão à capital.
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