O documento cita as conclusões dos testes realizados pelo laboratório de Porton Down: «Amostras de sangue de Sergei Skripal e de Yulia Skripal foram analisados e as conclusões indicaram a exposição a um agente nervoso ou a um composto relacionado. As amostras acusaram a presença de um agente nervoso da classe Novichok ou relacionado.»
Estas duas frases, que constam de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça britânico da passada quinta-feira, desmentem as acusações peremptórias da primeira-ministra, Theresa May, e do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, que afirmam que o envenenamento do espião duplo e da filha foi executado por agentes russos.
Skripal e a filha foram encontrados inconscientes no passado dia 4 em Salisbury, no sul de Inglaterra, onde o espião vive desde que foi envolvido numa troca de prisioneiros ligados a actividades de espionagem entre a Rússia e os Estados Unidos da América (EUA). Sergei Skripal foi, durante anos, um agente duplo britânico nos serviços secretos da Federação Russa, até ser descoberto em 2004 e condenado a 15 anos de cadeia por alta traição em 2006. Em 2010 foi perdoado pelo presidente Dimitri Medvedev e mudou-se para a cidade inglesa.
Agente «russo» foi sintetizado no Irão em 2016
A classe de agentes nervosos «Novichock» terá sido desenvolvida num laboratório do Uzbequistão, algures entre as décadas de 1970 e de 1990. Cientistas iranianos, sob supervisão da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), sintetizaram cinco compostos que, alegadamente, integram a classe «Novichock» e que, de acordo com informação avançada por José Goulão ontem, na TVI24, também estão na posse dos EUA e do Reino Unido – precisamente no laboratório de Porton Down, que fica a cerca de dez quilómetros da cidade de Salisbury.
Os agentes «Novichock», em relação aos quais existe mais especulação do que informação concreta, pelo menos desclassificada, são organofosfatos, tal como os agentes da classe do Sarin (desenvolvido pela Alemanha) ou da classe do VX (desenvolvido pelo Reino Unido). Num artigo, o OffGuardian lembra que a formulação utilizada pelo Supremo pode indicar a presença de um qualquer organofosfato.
Recorde-se que a Rússia, ao contrário dos EUA, desmantelou todo o seu arsenal químico declarado em Setembro passado, de acordo com a OPAQ. Supostos ataques com armas químicas têm sido utilizados como argumento para a agressão à Síria por parte dos EUA e dos seus aliados, nenhum dos quais confirmados por investigações independentes. Também a Síria destruiu o seu arsenal químico sob supervisão da OPAQ.
Escalada diplomática
Até à noite passada, 26 países tinham expulso ou anunciado a intenção de expulsar diplomatas russos, para além do Reino Unido, de acordo com a CNN. O Governo português não o fez, chamando o seu embaixador em Moscovo para consultas, apesar de ter apoiado a decisão de expulsar parte da representação russa junto da NATO.
Apesar de a cautela do Executivo nacional contrastar com a posição da maioria dos estados-membros da União Europeia que anunciaram a expulsão de diplomatas russos (18, para além do Reino Unido), Portugal não ficou isolado no quadro europeu e, muito menos, no plano mundial.
Já o PSD, pela voz do seu líder parlamentar Fernando Negrão, esta manhã, exigiu do Governo a expulsão de diplomatas russos em Portugal. Para Negrão, «devemos alinhar com a maioria daqueles com quem temos estado sempre». Em 2003, também com alegações britânicas de que Saddam Husein dispunha de armas químicas (que se vieram a provar inexistentes), o governo do PSD e do CDS-PP alinhou com os EUA e o Reino Unido na agressão ao Iraque, acolhendo mesmo a cimeira da guerra na base das Lajes, nos Açores.
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