No The Guardian do passado dia 5 de Abril, num longo artigo de opinião, o ficcionista anglo-indiano Rana Dasgupta dissertou sobre o desaparecimento do Estado-nação, para antecipar um seu livro sobre esse tema previsto sair em 2019. As conclusões que nos propõe são:
«Os sistemas tecnológicos contemporâneos oferecem modelos para repensar a cidadania, de modo que ela possa ser desligada do território e as suas vantagens possam ser distribuídas de forma mais justa. Os direitos e oportunidades que se acumulam para a cidadania ocidental podem ser reivindicados de longe, por exemplo, sem que ninguém precise de viajar para o Ocidente para o fazer. Poderíamos participar em processos políticos distantes que, no entanto, nos afectam: se a democracia é suposta dar aos seus eleitores algum controlo sobre as suas próprias condições, por exemplo, uma eleição dos EUA não deveria envolver a maioria das pessoas na Terra? Como seria o discurso político americano se tivesse de satisfazer eleitores no Iraque ou no Afeganistão»?
«Na véspera do seu centenário, o nosso sistema de Estado-nação já está numa crise da qual actualmente não possui a capacidade de se libertar. É hora de pensar como essa capacidade pode ser construída. Nós ainda não sabemos como será. Mas aprendemos muito com as fases económica e tecnológica da globalização, e agora possuímos os conceitos básicos para a próxima fase – construir a política do nosso sistema mundial integrado. Somos confrontados, é claro, por um empreendimento de imaginação política tão significativa quanto a que produziu as grandes visões do século XVIII e, com elas, as repúblicas francesa e americana. Mas agora estamos em posição de começar».
Dasgupta casa o neoliberalismo com um sistema mundial integrado, com governação mundial. Apresenta uma visão que procura sustentar-se em muitos dados para não passar por uma mera especulação ficcional. Mas são dados que poderiam ser completados com outros de sentido contrário e que são acompanhados de muitas considerações e certezas que carecem de demonstração. Limita a cidadania ao voto. Mistura realidades muito diferentes, estados que passaram por estados-nação, e ignora as realidades de estados que continuam a ser multinacionais. Ignora também acontecimentos internacionais recentes e potências emergentes que baralharam o quadro mental do neoliberalismo e da globalização capitalista nas vertentes económicas e política.
Sem essa rede de apoio, valoriza desenvolvimentos mais negativos da globalização, potenciados pelas globalizações financeira, tecnológica, do comércio ou do terrorismo. Para constatar que o poder dos governos está diminuído e acabará por ficar ainda mais restrito à medida que o tempo passe e não se definam alternativas globais.
Confesso que não conhecia o autor. Procurei o seu pensamento nas edições dos seus anteriores três livros, Tokyo Cancelled (Harper Collins, 2005), Solo (Harper Collins, 2009) e Capital (Canongate, 2014). Neles há elementos que indiciam o conteúdo do quarto livro1, a editar em 2019 e que o autor, com um ano de antecedência, verte neste artigo. Só o primeiro foi traduzido em Portugal2, no mesmo ano em que foi editado em Inglaterra. É possível que, em termos de vendas, tenha ficado entre nós aquém da expectativa. Um resultado comercialmente fraco, aliado ao facto de o autor estar representado numa das agências literárias mais caras3 do mundo editorial – com direitos eventualmente inflacionados – pode ter condicionado a apreciação de obras posteriores pelos editores nacionais e tê-los desincentivado a prosseguirem a sua publicação.
Procurei ainda os debates da Conferência-Exposição «Agora é a hora dos monstros. O que vem depois das nações?», realizada no ano passado, de 23 a 25 de Março, na Haus der Kulturen der Welt, em Berlim de que foi um dos três curadores, e onde o único português participante terá sido Boaventura Sousa Santos.
Na teia das contradições da História
O autor, na primeira parte do artigo, começa por constatar que, apesar de existir hoje uma globalização financeira e tecnológica, os estados continuam a considerar acontecimentos deles decorrentes à luz das repercussões nacionais e de «desadequadas de políticas nacionais realizadas dentro das fronteiras de cada estado». O que o autor propõe não resolve a contradição mas prolonga as consequências da globalização, num deixar-andar da entrega dos pontos.
O superar desta contradição terá, como outras da História, de provocar rupturas no sentido do interesse dos povos, mais baseadas na análise de base científica dessa globalização. A sua realização, escapando ao controlo dos estados e, portanto dos seus cidadãos, é feita sob o comando não do mercado, mas das multinacionais, que deslocalizam a sua actividade económica de acordo com a maior rentabilização (leia-se procura de salários mais baixos e direitos laborais mais restritos) e a espoliação de matérias primas de países mais pobres. Não está no horizonte das suas ideias que, à escala regional mas também global, isso possa ser substituído por trocas vantajosas para todas as partes, que confiram aos investimentos estrangeiros em cada país a elevação do crescimento económico, do emprego, das transferências tecnológicas que se traduzam em maior soberania à condução das economias e a elevação das condições sociais e infra-estruturais básicas (educação, cultura, saúde, habitação, segurança social, infra-estruturas urbanas e viárias), enfim, o desenvolvimento, único factor que poderá prevenir a conflitualidade entre estrados, nações e etnias.
De seguida o autor vai identificando «populismos» e «nacionalismos apocalípticos» diversos (de Putin a Trump, passando por Orbán e Erdogan). E avança que «os estados-nação estão em todos os lugares num estado avançado de decadência política e moral, do qual não se podem desprender individualmente».
Rana Dasgupta torneia a questão das causas desses «populismos», misturando-os como se fossem farinha do mesmo saco. Não refere, é claro, que o reforço do apoio ao presidente russo se deve à confiança popular numa liderança que faz frente a um Ocidente crescentemente ameaçador; que o apoio a Erdogan se deve, essencialmente, ao golpe fracassado e concebido em território norte-americano; que o apoio a Trump se deve muito à quebra da actividade económica e desesperança de camadas sociais remetidas para um limiar de sobrevivência nos EUA; e que as políticas xenófobas de personagens como Orbán beneficiaram do reforço das vagas de imigração de países em situações de guerra ou de miséria, da responsabilidade dos autores da globalização capitalista, só parcialmente absorvida por alguns estados que a aproveitaram para fazer baixar as condições dos respectivos mercados de trabalho.
E se os estados não se desprendem isoladamente desse «estado avançado de decadência», que fazer? Pois metam-se no tal «sistema mundial integrado»
De seguida o autor dá um novo salto de imaginação, não deixando de assinalar o óbvio de as elites financeiras e a riqueza de que se apoderaram estarem a escapar cada vez mais ao controlo nacional, mas baralhando causas e consequências das tendências históricas: «O fracasso actual da autoridade política nacional, afinal, deriva em grande parte da perda de controlo sobre os fluxos de dinheiro. No nível mais óbvio, o dinheiro está a ser transferido do espaço nacional para uma zona "offshore" em expansão. Esses triliões em fuga prejudicam as comunidades nacionais de maneira real e simbólica. Eles são uma causa de decadência nacional, mas também são um resultado dos estados-nação terem perdido a sua aura moral [Que é isto? pergunto eu], que é uma das razões pelas quais a evasão fiscal se tornou um fundamento aceite no comércio do século XXI».
Ao atribuir a desregulação financeira, tecnológica, o fundamentalismo religioso militante, a fragmentação de nações em milícias tribais itinerantes e sub-estados étnicos ou religiosos à incapacidade do Estado-Nação se adaptar a um novo paradigma organizacional, Dasgupta apaga as responsabilidades das políticas realizadas pelos estados e organizações transnacionais – já identificadas em todos os estudos credíveis – para as remeter para soluções de organização dos estados que não suportam tanta imaginação. Efectivamente, foi num quadro de decisões governamentais submetidas a disciplinas de estruturas supranacionais, para as quais aceitaram alienar poderes soberanos, que essas políticas foram realizadas.
A liquidação de sectores económicos próprios que, além do mais, dessem músculo para enfrentar crises económicas internacionais; o fim da soberania alfandegária em benefício do liberalismo comercial; o remeter de empresas para a voragem das bolsas e dos PSIs; a aceitação de operações em off-shore; a complacência perante as evasões fiscais que isso permite e que o próprio autor reconhece, com toda a bonomia, terem-se tornado num «fundamento aceite no comércio do século XXI»; o débil desenvolvimento tecnológico, não estimulado atempadamente pelo Estado a fim de suprir debilidades dos empresários; a aceitação tácita do terrorismo apoiado em potências ocidentais para fazer cair governos em África e no Médio Oriente; são tudo exemplos comprovantes de que essa desregulamentação e fragmentação tem base em decisões de governantes, com responsabilidades e nomes concretos. Remeter isso para desígnios ou tendências que escapam aos estados é desculpabilizar as causas. O tratamento das consequências, já é outra conversa.
As consequências do processo de globalização
Aqui, Dasgupta recua três séculos de História para voltar ao final da 2ª Guerra Mundial. Citamos algumas passagens do seu pensamento:
Do passado longínquo...
«A Europa inventou o Estado-nação com o princípio da soberania territorial acordado no Tratado de Westfália em 1648».
«Em troca, foi feita uma promessa moral a todos: o desenvolvimento, espiritual e material, de cidadãos e nações. Surgiram espectaculares projectos estatais nas áreas de educação, saúde, bem-estar e cultura para dar conteúdo a essa promessa».
«A Revolução Francesa destronou não apenas o monarca, mas também Deus, cujos atributos superlativos – omnisciência e omnipotência – foram agora absorvidos pelas instituições do próprio Estado».
...ao Pós-guerra em 1945
«A crise não foi totalmente inevitável. Desde 1945 reduzimos activamente o nosso sistema político mundial a uma brincadeira perigosa sobre o que foi projectado pelo presidente americano Woodrow Wilson e por muitos outros após o cataclismo da primeira guerra mundial, e agora estão a enfrentar as consequências. Mas não devemos saltar muito depressa para a renovação. Este sistema fez muito menos para proporcionar segurança e dignidade humana do que imaginámos – de certa forma, tem sido um fracasso colossal – e há boas razões para que ele esteja envelhecendo muito mais rapidamente que os impérios que substituiu».
«Mesmo se quiséssemos restaurar o que já tivemos, esse momento já se foi. A razão pela qual o Estado-nação foi capaz de entregar as conquistas que fez – e em alguns lugares elas foram espectaculares – foi que houve, durante grande parte do século XX, um autêntico “ajuste” entre política, economia e informação, todas organizadas à escala nacional».
«A nostalgia daquela idade de ouro do Estado-nação continua a distorcer o debate político ocidental até hoje, mas foi construída sobre uma improvável coincidência de condições que nunca se repetirão».
«Por algumas décadas, o poder do estado foi monumental – quase divino, de facto – e criou as sociedades capitalistas mais seguras e iguais jamais conhecidas».
«A destruição da autoridade do Estado sobre o capital foi, obviamente, o objetivo explícito da revolução financeira que define a nossa era actual».
«A imagem é a mesma em todo o Ocidente: a riqueza dos mais ricos continua a disparar, enquanto a austeridade pós-crise enfraquece o estado de bem-estar social e democrático».
«Os governos ocidentais já não têm nada que se assemelhe ao seu anterior comando sobre a vida económica nacional e, se continuarem a prometer mudanças fundamentais, estão agora ao nível de relações públicas e da realização de meras intenções».
«Há todos os motivos para acreditar que o próximo estágio da revolução técnico-financeira será ainda mais desastroso para a autoridade política nacional».
O autor, ao falar de Woodrow Wilson, está seguramente a defender o desígnio norte-americano de levar a democracia a todo o mundo, a queda das barreiras alfandegárias e a criação de um sistema colectivo de segurança, ideias por ele avançadas no final da Primeira Guerra Mundial, por ocasião da assinatura do Tratado de Versalhes – que o Congresso dos EUA, contra a sua opinião, se recusou a subscrever.
E estará a lamentar que, do final da Segunda Guerra Mundial, em contraponto, tenha surgido a ONU com a igualdade de voto dos países que a integravam, e a confirmação de um sistema de estados baseados numa nação ou multinacionais (casos da URSS, Espanha, Jugoslávia, etc.).
Refere ainda que «Durante o período de descolonização que se seguiu à segunda guerra mundial, a estrutura do estado-nação europeu foi exportada para todos os lugares». Poderia lamentar – o que não está nele claro - que algumas colónias ou Israel tenham sido criadas de forma arbitrária, dividindo e expulsando povos ao longo das linhas de fronteira. E que as políticas coloniais tenham exacerbado rivalidades nacionais ou tribais para os colonizadores reinarem, dividindo.
Mas, apesar desse desenhar arbitrário de fronteiras, foi dentro delas que surgiram as autodeterminações e independências nos anos 50 e 60. Se alguns destes estados sofreram dificuldades posteriores, muito se deve à imposição de modelos ocidentais para os jovens países (que aliás o autor refere), ao neocolonialismo que facilitou a progressão de fenómenos como a corrupção, característico da economia capitalista e das concessionárias de exploração de riquezas nesses países, ou pela permanente instabilidade a que grandes potências sujeitaram alguns países para, depois, chegarem a designá-los por «estados falhados».
O autor prossegue afirmando que «metade de um século foi gasto na construção do sistema global do qual todos nós dependemos agora, e está aqui para ficar. Sem inovação política, o capital global e a tecnologia irão governar-nos sem qualquer tipo de consulta democrática, tão natural e indubitavelmente quanto os oceanos em ascensão».
A ambição prospectiva do autor: erradicar o Estado-nação
Não continuando a citar o livro na sua primeira parte, o autor passa então à fase prospectiva do seu pensamento, que parte da consideração de que teria sido um erro histórico o fim dos impérios e a criação dos estados-nação independentes (um fracasso maciço e incessante), o que imporia que ao fim de três gerações se encontrasse uma saída. Recusa as saídas propostas por vários grupos como o al-Shabaab, o Janjaweed, o Seleka, o Boko Haram, o Ansar Dine, o Isis ou a Al-Qaeda, sendo, no entanto, preocupante que o autor os não classifique como terroristas. E volta a Woodrow Wilson e seus companheiros de ideias, Andrew Carnegie e Leonard Woolf (marido de Virgínia) que teriam perspectivas muito mais interessantes das que assentaram na autodeterminação e independência.
«Uma sociedade global formal com suas próprias instituições universais, com poderes para policiar a violência que os estados individuais não regulam sozinhos e a violência que perpetrariam contra outros estados ou contra os seus próprios cidadãos».
«A Guerra Fria enterrou definitivamente essa "sociedade" e vivemos desde então com uma versão drasticamente degradada do que se pretendia. Em muitas áreas do mundo de hoje, não há ilusão de que esse sistema possa oferecer um futuro viável. Tudo o que resta é sair dele».
«Isso deixa o outro tipo de saída, que é pegar em armas contra o próprio sistema estatal. O apelo do Isis para os seus convertidos era a reivindicação de apagar do Oriente Médio a catástrofe do século pós-imperial».
«Surgiu de uma rejeição inteiramente justificável de um sistema que designava obstinadamente - durante o curso de um século e mais – árabes como “selvagens” aos quais nenhuma dignidade ou proteção seria estendida».
«A era da autodeterminação nacional revelou-se uma era de ilegalidade internacional, que prejudicou a legitimidade do sistema de estado-nação».
«A verdadeira extensão da nossa insegurança revelar-se-á à medida que o poder relativo dos EUA diminua ainda mais, não podendo fazer mais nada para controlar o caos que ajudou a criar».
Não é verdade que as ideias centrais de Woodrow Wilson e companheiros tenham sido derrotadas após a Segunda Guerra Mundial. Com a queda do sistema socialista no leste europeu e o avanço da globalização capitalista a ideia de um governo mundial regressou, paralelamente ao pensamento único. Fizeram o seu curso mas não foram aceites pelos cidadãos que, quanto mais viam alienar-se parcelas da sua soberania – como as taxas de juro, o sistema financeiro, as privatizações e alienação das empresas para serem entregues ao capital estrangeiro, a possibilidade de perdas de património na voragem bolsista – mais se afastavam dessas miragens que, obviamente, se traduziriam no acréscimo do domínio dos mais fortes sobre os mais fracos.
Esta tem sido uma luta, onde em piores condições, os trabalhadores se têm agigantado.
A «Guerra Fria» – que foi bem «quente» à escala local – correspondeu a décadas de contenção de dois sistemas. E, mesmo assim, aconteceram guerras, agressões, invasões. Foi um período de paz relativa, em que a arma atómica, surgida no final da Segunda Guerra Mundial e desenvolvida a uma dimensão susceptível de provocar a catástrofe nuclear, não voltou a ser utilizada contra seres humanos, facilitando o crescimento económico, o florescimento das culturas e as independências nacionais – que o autor tanto desconsidera, mas que geraram novos países com força para intervir como parceiros na cena internacional, atingindo alguns deles níveis de desenvolvimento e bem-estar que invejariam a franjas de habitantes de muitos dos países mais ricos, despossuídas de quase tudo.
Resumir a segunda metade do século XX, a uma versão drasticamente degradada do que Woodrow pretendia, por acção de ambas as superpotências, que «mantiveram um nível de ilegalidade internacional suportado nas disputas de zonas de influência entre ambas», é uma interpretação grotesca à luz da história contemporânea.
Mesmo que remate com a evidente constatação de que «o fim da guerra fria não fez nada para mudar o comportamento americano – os EUA hoje dependem da ilegalidade na sociedade internacional e da guerra perpétua contra o fraco que é sua consequência». E, depois, numa aparente contradição, afirmar que «a verdadeira extensão da nossa insegurança revelar-se-á à medida que o poder relativo dos EUA diminua ainda mais, não podendo fazer mais nada para controlar o caos que ajudou a criar»…
O autor descura as derrotas que o imperialismo americano, francês e inglês têm sofrido neste último ano, onde também pesa uma multipolaridade crescente e a grande influência da China. Aliás a China, ao longo de todo o artigo, está razoavelmente ausente.
É arriscado afirmar que «em muitas áreas do mundo de hoje, não há ilusão de que esse sistema possa oferecer um futuro viável. Tudo o que resta é sair dele». Para depois compreender o terrorismo, afirmando que «isso deixa o outro tipo de saída, que é pegar em armas contra o próprio sistema estatal. O apelo do ISIS para os seus convertidos era a reivindicação de apagar do Médio Oriente a catástrofe do século pós-imperial».
Aproximando o seu pensamento do final identifica três elementos de crise que daqui em diante só irão piorar, a saber:
Primeiro, o colapso existencial dos países ricos durante o ataque ao poder político nacional pelas forças globais;
Segundo, a volatilidade dos países e regiões mais pobres, agora que a saída dos homens fortes da época da guerra fria revelou a sua verdadeira fragilidade;
E terceiro, a ilegitimidade de uma «ordem internacional» que nunca aspirou a qualquer tipo de «sociedade de nações» governada pelo estado de direito.
Rematando, com evidente catastrofismo, «somos, pois, obrigados a reexaminar os seus antigos fundamentos políticos, se não quisermos ver o nosso sistema global empurrado para formas cada vez mais extremas de colapso».
Mas também com uma adivinhação aventureira: «este não é um esforço pequeno e decorrerá na maior parte deste século. Ainda não sabemos para onde vai levar. Tudo o que podemos definir agora é um conjunto de instruções. Do ponto de vista do nosso presente, elas parecerão impossíveis, porque não conhecemos outra maneira. Mas é assim que a novidade radical sempre começa».
Para, nas «instruções», incluir a construção de «sistemas para rastrear os fluxos monetários transnacionais e transferir parte deles para os canais públicos» e uma redistribuição de recursos, não na forma de ajudas mas através de uma redistribuição global que opere «a transferência sistemática dos ricos para os pobres». Outra instrução é acabar-se com o monopólio do Estado-nação, valorizando o exemplo da União Europeia que, apesar de falhado em muitas das suas funções (não as citando, talvez para não lhe questionarmos os fundamentos), teria «democratizado enormemente as oportunidades económicas» dentro dela.
Nelas o autor inclui «a nova ordem das nações [que] só fazia sentido se fossem integradas numa “sociedade de nações”: uma sociedade global formal com suas próprias instituições universais, com poderes para policiar a violência que os estados individuais não regulam sozinhos – a violência que perpetraram, seja contra outros estados ou contra os seus próprios cidadãos».
Ficcionista será, de acordo com a sua biografia. Mas é, no essencial, um propagandista político a querer fazer carreira de guru.
- 1. After Nations, segundo o The Guardian (5 de Abril de 2018).
- 2. Tóquio: voo cancelado. Bizâncio, Lisboa (2005).
- 3. A agência literária The Wylie Agency, sediada em Londres e Nova Iorque, cuja lista de clientes pode ser consultada aqui.
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