Entre as 18h e as 23h59 do dia de hoje, 22 de Março, os estafetas das plataformas digitais Bolt Food, Uber Eats e Glovo vão realizar uma paralisação contra esta forma de «trabalho escravo», como o descrevem os dinamizadores da acção de luta. Os trabalhadores das plataformas digitais ganham, actualmente, entre 80 cêntimos e 1 euro e 20 cêntimos por entrega, sendo previamente obrigados a adquirir meio de deslocação, telemóvel, net móvel e a mochila, vendida pelas plataformas a 50 euros cada.
Graças à intervenção de sindicatos e trabalhadores, partidos de esquerda e académicos com sentido crítico é hoje claro que a «uberização» não passa de um neologismo para «exploração». Comecemos pelo final. Regra geral, as plataformas digitais não querem saber grande coisa da moldura legal dos países em que operam a não ser para: 1) explorar as suas eventuais inconsistências; 2) forçar os respectivos legisladores a fazerem leis à sua medida. Bem sei que parece uma afirmação demasiado contundente, mas não apenas isto está já bem documentado como o que hoje se passa em Portugal o confirma de forma inquestionável. Vamos aos factos. Depois de mais uma década em que muito se disse e escreveu sobre como as plataformas digitais traziam «novas formas de trabalho», «empreendedorismo», «economia da partilha» e outras fantasias do capitalismo pós-moderno, o compasso parece ter finalmente mudado. Graças à intervenção de sindicatos e trabalhadores, partidos de esquerda e académicos com sentido crítico é hoje claro que a «uberização» não passa de um neologismo para «exploração» – algo que também aqui no AbrilAbril já se abordou. A palavra do momento é, então, legislar. Mas claro, é preciso perceber para quê e para quem serve essa legislação antes de se lançar os foguetes. Como parte da alteração que recentemente fez ao Código do Trabalho, o Governo PS (por proposta do BE) introduz um novo artigo (12-A) que determina a presunção de relação laboral – algo de que as plataformas sempre fugiram como o diabo da cruz – quando «se verifiquem algumas das seguintes características». Embora se fique sem saber quantas são algumas e quem deve determinar isso, as características incluídas são: que a plataforma determine a retribuição pelo trabalho realizado, que detenha poderes de retribuição, de direção, supervisão, e disciplina sobre os trabalhadores, e que seja a proprietária dos equipamentos e instrumentos de trabalho. Desengane-se quem achar que no Largo do Rato ou na Rua da Palma abunda a criatividade. Uma formulação semelhante, por sinal mais clara, tinha sido avançada cerca de um ano antes pela Comissão Europeia. No entanto, as críticas não pararam de chover. A principal delas consistia em sublinhar que ao estipular-se critérios rígidos se estaria a criar condições para que as plataformas – como tantas vezes têm feito – se adaptassem de forma a simplesmente circunscrever a nova disposição legal. Por isso, num processo que ainda não tem fim à vista, o Parlamento Europeu decidiu deixar cair essa fonte de ambiguidade. O futuro dirá como acabará esse processo. «Não me cumpre discutir aqui porque é que alguém acha razoável avançar com uma disposição legal que está condenada ao fracasso desde o início – talvez a história trate de nos dar esse esclarecimento um dia, como deu num passado recente. A pergunta que se impõe é: então, o que fazer?» De volta a Portugal, o que importa aqui sublinhar é que a opção tomada foi de insistir na fórmula que no plano europeu já se deixou cair. É certo que, na maioria das vezes, divergir do que se passa em Bruxelas/Estrasburgo pode ter mais de bom do que de mau. Porém, no caso que aqui analisamos, aquilo do que se trata não é de uma verdadeira insubmissão, mas antes da casmurrice numa fórmula que antes de nascer... já morreu! Em peça publicada pelo Expresso recentemente isso fica cristalinamente claro. Primeiro, o representante de uma das plataformas diz que prefere adaptar a sua operação do que passar os trabalhadores a assalariados. Depois, representantes de outras plataformas deixam no ar a possibilidade de não cumprirem a lei – tal como acontece em Espanha, e como se a lei fosse algo que se cumpre ou não consoante se quer. Por último, os advogados ouvidos antecipam que as plataformas encontrarão formas de não cumprir a lei e/ou que os trabalhadores serão forçados a recorrer aos tribunais para ver a sua situação esclarecida. Não me cumpre discutir aqui porque é que alguém acha razoável avançar com uma disposição legal que está condenada ao fracasso desde o início – talvez a história trate de nos dar esse esclarecimento um dia, como deu num passado recente. A pergunta que se impõe é: então, o que fazer? O caminho é parar de tentar reinventar a roda. Enquanto os algoritmos que organizam o trabalho dos trabalhadores das plataformas for dirigido secreta e unilateralmente, enquanto aos trabalhadores não for dada plena liberdade de negociar por quanto e quando realizam o seu trabalho haverá sempre uma relação de dependência. No Código do Trabalho em Portugal temos já ferramentas capazes de lidar com o falso trabalho independente (normalmente com a forma de falsos «recibos verdes»). De resto, já em 2021, num relatório do Instituto da Mobilidade e Transportes sobre a chamada «lei Uber», o parecer dado pela ACT [Autoridade para as Condições do Trabalho] apontava para que os motoristas TVDE fossem considerados como trabalhadores das plataformas digitais. Em suma, não é a legislação que precisa de mudar estruturalmente, nem é preciso que se criem novas regras à medida deste ou doutro sector. O que precisamos, sim, é de uma ACT com mais meios e mais eficácia, e de tribunais que decidam sobre matérias centrais na vida dos trabalhadores sem custas e em tempo útil. E quanto aos que acham que a lei – seja qual for – não é para cumprir, resta-nos fazer o que se faz a qualquer prevaricador: fechar-lhe a porta. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
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Em resposta à acção de luta, os patrões das plataformas digitais decidiram duplicar, durante esse período, os valores pagos aos estafetas, tentando usar a situação completamente precária em que muitos vivem para anular as reivindicações dos trabalhadores.
No inicío de Fevereiro, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa reconheceu, pela primeira vez, o direito a um contrato de trabalho sem termo de um estafeta da Uber Eats, obrigando a empresa a pagar os valores devidos com retroactivos. Neste momento, os estafetas são prestadores de serviços sem qualquer vínculo laboral formal, o que não lhes confere qualquer protecção do Código do Trabalho e proteje as empresas quando estas cometem práticas (como o pagamento a quem não adere a uma greve), que de outra forma seriam consideradas ilegais.
Entre as vantagens que um contrato de trabalho traria a estes trabalhadores está, exactamente, a protecção de um conjunto de direitos indispensáveis à luta por melhores condições e salários: direitos sindicais, de organização, de plenário e greve. Nestas condições a empresa lucra duplamente: explora livremente as populações mais precárias no país e não tem de assegurar qualquer tipo de direito ou salvaguarda, por exemplo, em caso de acidente de trabalho.
Uber Eats, Glovo e Bolt Food recusaram todas as propostas apresentadas pelo Sindicato de Hotelaria do Norte para a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores daquelas plataformas. A ronda de reuniões promovida pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte com as multinacionais Uber Eats, Glovo e Bolt Food, tendo em vista a melhoria das condições de vida e de trabalho dos estafetas que prestam serviço na restauração, terminaram com a negativa do patronato, que nem sequer procurou apresentar propostas alternativas. As multinacionais refugiaram-se no argumento que está a ser produzida uma legislação a nível nacional e europeu e que preferem aguardar os seus resultados. A «acomodação» legal da Uber é feita em conluio com governantes de vários países e dirigentes da UE, gente que os principais responsáveis da empresa tratam com o desdém de quem controla um funcionário submisso. Nos últimos anos, habituámo-nos a viver com a existência das plataformas digitais em várias esferas das nossas vidas. Recapitulemos: em menos de uma década, actos tão banais como apanhar um táxi, mandar vir comida para casa, arrendar casa por uns dias, entre muitos outros, passaram a ser mediados por serviços digitais que, graças a mecanismos informáticos avançados (vulgarmente designados de algoritmos), associam potenciais clientes na procura de um serviço e potenciais prestadores desse mesmo serviço. Como é sobejamente conhecido, este modelo assentou e continua a assentar em práticas de concorrência desleal e violações ostensivas dos direitos dos seus trabalhadores. Não obstante, e apesar de sucessivas decisões de tribunais que atestavam de forma inequívoca o recurso sistemático a práticas ilegais por parte das plataformas, a postura da generalidade dos governos à escala mundial (com honrosas excepções) era de que se devia criar legislação para trazer estas práticas para o «lado certo» da lei. Dito doutra forma, que se devia normalizar o que até agora tinha sido – e bem – considerado ilegal e inadequado. Este era o imperativo colocado pelo «progresso disruptivo» e a «inovação», ainda que pelo caminho se sacrificassem direitos arduamente conquistados. Mas nem isso importava muito, afinal de contas, esse era o preço do progresso a pagar pela chegada do futuro: a chamada «destruição criativa». «a «acomodação» legal da Uber (e por maioria de razão das outras plataformas) é feita em conluio com governantes de vários países (dentro e fora da Europa) e dirigentes da União Europeia, tudo gente que – não obstante as suas altíssimas responsabilidades – os principais responsáveis da empresa tratam com o desdém de quem controla um funcionário submisso» Mas seria realmente assim? Uma investigação jornalística à escala internacional que veio a público nos últimos dias responde claramente que não. O alvo destes jornalistas de mais de 40 países foi nada menos que um dos grandes gigantes do sector: a Uber. O que agora se divulga confirma da pior forma o que já se adivinhava, nomeadamente que: 1) a conduta da empresa é reconhecidamente ilegal, mas que a lei é para ignorar olímpica e orgulhosamente, até que os decisores políticos cedam à vontade da empresa; 2) no processo para fazer água chegar ao seu moinho, isto é, garantir que a desregulação fosse normalizada tanto quanto possível em cada contexto, a Uber decidiu de forma consciente usar os seus trabalhadores como agentes de pressão social e política, mesmo quando isso implicava expô-los a situações de alto risco e potencial violência – como foi o caso inclusive em Portugal; 3) a «acomodação» legal da Uber (e por maioria de razão das outras plataformas) é feita em conluio com governantes de vários países (dentro e fora da Europa) e dirigentes da União Europeia, tudo gente que – não obstante as suas altíssimas responsabilidades – os principais responsáveis da empresa tratam com o desdém de quem controla um funcionário submisso. Neste particular, o actuais presidentes francês e norte-americano, Emmanuel Macron e Joe Biden, saem muito mal na fotografia, mas estão longe de ser casos únicos. De resto, isto deixa claro como estamos em presença de um problema estrutural de falta de independência do poder político face aos grandes poderes económicos, mais do que um ou outro caso pontual. Claro que a Uber se apressou a dizer que não é bem assim e, sobretudo, que o que lá vai, lá vai, uma vez que os documentos agora revelados como parte deste Uber Files vão só até 2017. No entanto, mesmo que faltem as provas documentais, quem acompanha o sector dificilmente pode acreditar nesta redenção de última hora; se há algum indício é precisamente do oposto - que tudo continua mesma e que, muito provavelmente, a Uber está longe de estar sozinha na forma como opera. «podemos estar perante mais uma inexplicável cedência aos interesses das plataformas que, de novo, verão os seus interesses e práticas ilegais e ilegítimas prevalecerem sobre os direitos dos trabalhadores. Dificilmente se pode achar que tal opção por parte do Governo resulte de ingenuidade, mas se os Uber Files provam alguma coisa é que as grandes plataformas se movem unicamente pelo seu interesse próprio, e não pela criação de emprego, dinamização da economia ou qualquer objectivo bondoso que lhe queiram colar» Isto seria sempre razão para que se reavaliasse o enquadramento legal desta plataforma, fazendo um balanço da sua consolidação, mas em Portugal e na União Europeia, este é um momento particularmente crítico. Em ambos os âmbitos, nacional e comunitário, está aberto o processo de regulamentação da situação dos trabalhadores das plataformas digitais. Se, no que diz respeito aos desenvolvimentos na UE, há demasiadas questões em aberto para que se faça um comentário consequente a esta altura, por cá as coisas são mais claras. Depois de um início pretensamente auspicioso do processo, em que se prometia resolver a incorrecta classificação de milhares de trabalhadores como empregados a título individual, o Governo português parece estar prestes a dar uma pirueta legislativa e criar condições para que tudo fique na mesma, graças a um expediente legal que dificilmente terá outro efeito além de criar confusão no sector e, ainda assim, deixar os trabalhadores desprotegidos. Tragicamente, aquilo a que assistiremos se o Governo se insistir neste caminho é, tão simplesmente, o que seria relativamente simples dada a moldura legal já existente no Código do Trabalho. Assim, podemos estar perante mais uma inexplicável cedência aos interesses das plataformas que, de novo, verão os seus interesses e práticas ilegais e ilegítimas prevalecerem sobre os direitos dos trabalhadores. Dificilmente se pode achar que tal opção por parte do Governo resulte de ingenuidade, mas se os Uber Files provam alguma coisa é que as grandes plataformas se movem unicamente pelo seu interesse próprio, e não pela criação de emprego, dinamização da economia ou qualquer objectivo bondoso que lhe queiram colar. Por isso, o tempo é de criar condições para uma vida melhor para os trabalhadores, não de cair em promessas que já se provaram não ser para cumprir. Ao contrário do que cantam os Ornatos Violeta, o monstro (das plataformas) não precisa de amigos. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Alegação sem qualquer fundamento, afirma o sindicato, uma vez que nestas reuniões não estava em causa o reconhecimento de um contrato de trabalho dependente, mas melhorias a serem introduzidas no actual quadro de relação laboral, admitido pelo patronato. Entre as várias propostas apresentadas encontravam-se as de bónus por serviço nocturno ou com mau tempo, de seguro de acidentes de trabalho e complemento de doença, de apoio à aquisição de veículos e sua reparação, e de um subsídio de Natal proporcional ao trabalho anual. O Sindicato de Hotelaria do Norte lembra que desde 2017, ano da instalação em Portugal das plataformas multinacionais da distribuição, aponta a necessidade de considerar os estafetas trabalhadores por conta de outrem nos termos do artigo 12.º do Código do Trabalho, que prevê essa situação para trabalhadores que recebam ordens de direcção, estejam sujeitos a fiscalização, usem instrumentos de trabalho e cumpram um horário de trabalho pré-definido. Refere também que a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), chamada a intervir em 2018 de acordo com as suas atribuições e competências, não o fez, e que reuniões realizadas em 2019 no Ministério do Trabalho com as multinacionais Uber e Glovo, a pedido do sindicato, foram inconclusivas. Os trabalhadores das plataformas digitais Uber Eats, Glovo e outras realizaram, esta quinta-feira, uma concentração no Porto, com o objectivo de denunciar um conjunto de irregularidades no sector. Durante a acção de protesto junto à sede da Uber, no Porto, foi aprovada uma resolução a entregar à empresa, onde os trabalhadores defendem o fim da precariedade e uma mais justa retribuição. Os estafetas ao serviço das empresas Uber Eats e Glovo denunciaram a exploração levada a cabo por estas plataformas digitais e a ausência de protecção e segurança no trabalho, exigindo o aumento «imediato» das percentagens da prestação de serviço, «de modo que o rendimento dos trabalhadores cresça». Reivindicaram ainda que sejam as plataformas a assegurar os custos de manutenção dos meios utilizados para as entregas ao domicílio, bem como os seguros de trabalho, «assumindo a responsabilidade por quaisquer acidentes de trabalho», como o que aconteceu em Lisboa e vitimou mortalmente um trabalhador, no dia 17 de Abril. Os trabalhadores contestam o poder unilateral destas plataformas para aplicar penalizações ou bloqueios, e pedem que sejam encontradas formas de evitar que os estafetas sejam prejudicados por «burlas». Considerados «descartáveis», os trabalhadores queixam-se da exploração a que estão sujeitos por ficarem sem receber se, por alguma razão, não puderem trabalhar. Desde o início que a estratégia da Uber se pautou sempre pelo ostensivo desprezo pelas leis dos países em que instala. A experiência em Portugal é sensivelmente a dos outros sítios. A famigerada Uber – plataforma digital de táxis e serviços de entregas – anunciou recentemente que converteria em breve o vínculo dos seus condutores de táxi no Reino Unido em contratos de trabalho assalariado. Assim, 70 mil trabalhadores (porque os estafetas não estão considerados) ganham – pelo menos aparentemente – uma batalha que há vários se vem desenrolando em vários países. Sublinho: aparentemente. Porquê? Para compreendermos o que está em causa é fundamental um olhar sobre o quadro mais geral. «O modelo Uber assenta no falso trabalho independente: os motoristas são responsabilizados por tudo, mas ainda assim a sua liberdade é realmente nula – não é exagero dizer que se assemelha ao modelo das praças de jorna, só que na sua versão digital» Desde o início que a estratégia da Uber se pautou sempre pelo ostensivo desprezo pelas leis dos países em que instala. A experiência em Portugal é sensivelmente a dos outros sítios: a Uber decide que quer explorar um país, instala-se através do recrutamento de motoristas (leia-se gente que tem carta de condução e um veículo1), implanta-se até estar normalizada e verga os decisores políticos a aceitá-la como facto adquirido. Se alguém já se esqueceu de como funciona, basta ver o que está a acontecer precisamente agora em Barcelona, onde – apesar de expulsa por mais do que uma vez – a Uber declarou publicamente que irá voltar a operar ao arrepio da lei. No plano laboral as coisas não muito diferentes. O modelo Uber assenta no falso trabalho independente: os motoristas são responsabilizados por tudo, mas ainda assim a sua liberdade é realmente nula – não é exagero dizer que se assemelha ao modelo das praças de jorna, só que na sua versão digital2. Este modelo de exploração brutal dos trabalhadores é, em grande medida, a alma mater da Uber. Não por acaso, ainda recentemente, por ocasião dum referendo no estado da Califórnia em torno do estatuto dos trabalhadores de plataformas, a Uber foi uma das principais contribuintes para os 200 milhões de dólares que financiaram a campanha em defesa da legalização do falso trabalho independente. Quem disse que a democracia não tem preço?! Do lado de cá do Atlântico as coisas não são muito diferentes. Veja-se o relatório entregue à Comissão Europeia – A better deal – onde a Uber advoga que o trabalho «independente» deve ser protegido e alargado. Rebater as mistificações e cortinas de fundo dessas 33 páginas seria demasiado longo para este espaço, mas é irresistível repescar a delirante passagem em que se afirma que o trabalho independente foi decisivo para o combate à pandemia (p. 3). Apetece perguntar se a existência de uma entidade patronal tolheu algum médico, enfermeiro, técnico, trabalhador da limpeza, da distribuição, etc. etc.? A gargalhada tragicómica é inevitável! Mas voltemos ao que interessa. Dito tudo isto, como interpretar a decisão acima referida de - em total contraste com a estratégia da empresa - assalariar os motoristas no Reino Unido? A primeira explicação, tão óbvia quanto verdadeira, é que pouco antes dessa decisão, o Supremo Tribunal britânico acabara de obrigar a Uber a passar alguns dos seus trabalhadores para o estatuto de assalariado. Seria uma questão de tempo até que isso acontecesse com o conjunto do contingente dos motoristas, e assim a Uber poupa-se aos custos (económicos e de imagem) de mega-processos nos tribunais (e na imprensa). Mas é preciso olhar mais longe para perceber o que está realmente em causa. «A Uber propõe-se pagar aos seus trabalhadores o salário mínimo e […] contabilizar como tempo de trabalho apenas os minutos que vão entre o motorista aceitar realizar uma corrida e deixar o cliente no destino final. Todo o resto do tempo passado na rua, ligado na aplicação, à espera de clientes: não» É verdade que estão previstos subsídios de férias (pagos numa espécie de duodécimos) e que isso é um avanço. No entanto, o problema vem depois. A Uber propõe-se pagar aos seus trabalhadores o salário mínimo e – em ostensiva violação da decisão do tribunal – contabilizar como tempo de trabalho apenas os minutos que vão entre o motorista aceitar realizar uma corrida e deixar o cliente no destino final. Todo o resto do tempo passado na rua, ligado na aplicação, à espera de clientes: não. A última peça da interpretação deste puzzle está aqui: segundo a própria Uber, no Reino Unido o valor mediano de rendimento líquido dos seus motoristas é de 11 libras por hora. Ora, tudo fica igual: os motoristas continuam a ter de passar horas infindáveis à espera de clientes. Só o pagamento das corridas se altera: passa a ser de 8,96 libras/hora (já com subsídio de férias!). Ou seja, do que se trata é de uma forma encapotada de reduzir em 18% o rendimento líquido dos motoristas! O tempo dirá em que sentido os acontecimentos se desenvolverão. No entanto, dada a existência do regime de «contratos de zero horas» no Reino Unido, a Uber poderá ter até arranjado forma de tirar os tribunais da equação. Mais grave ainda: se este cenário se confirmar, a Uber encontrará no (legítimo) descontentamento dos próprios trabalhadores a força social para exigir que – de novo – se faça uma legislação à medida das plataformas (como ainda recentemente ocorreu em Espanha, apesar de aqui o governo não ter cedido). De tudo isto é preciso tirar ilações. Uma coisa parece-me certa: o caminho não é ceder às plataformas, mas antes olhar para a legislação laboral como um todo e, mais cedo que tarde, eliminar todas as formas que permitem ao patronato precarizar os trabalhadores. Esse é o caminho do progresso e do desenvolvimento! Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Num dia de semana, um estafeta tem de trabalhar em média de oito a 12 horas para fazer cerca de 30 a 40 euros, sendo que com este valor ainda tem de cobrir os custos da manutenção do equipamento. Ao fim-de-semana, os valores aumentam para os 70 euros, mas o número de horas ao serviço pode chegar às 16/18 horas. A trabalhar para a Uber Eats e a Glovo há cerca de um ano, José Pedro Faya explicou ao AbrilAbril que em causa está uma comunidade com milhares de trabalhadores que, muitas vezes, «trabalham o dia todo para não receber nada ou muito pouco» e que não têm direitos, sendo muitas vezes despedidos sem justa causa. «Os trabalhadores vão ganhando mais consciência porque as coisas têm piorado», afirmou, acrescentando que, com a abertura dos restaurantes, a situação tornou-se uma bomba-relógio. Muitos trabalhadores que «encheram» as plataformas durante o confinamento agora estão a ser prejudicados com a redução do fluxo de trabalho. «Temos que pagar os meios: mota, seguro, manutenção e nem chega a compensar», apontou o estafeta, sublinhando que, quando há lucro, a empresa se apropria mas, quando há prejuízo, é o trabalhador que paga. «As empresas transferem para nós os riscos associados a este tipo de negócios multimilionários. Se o negócio vai mal ou há pouca demanda, somos nós que ficamos nas ruas a gastar o nosso tempo, o nosso dinheiro e arriscando a nossa própria segurança», denunciou. O protesto pretende alertar para esta realidade, explicou, mas também preparar futuras acções de luta para denunciar as condições de trabalho precárias dos estafetas. Solidário com os trabalhadores, o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte (STRUN/CGTP-IN), José Manuel Fernandes, disse que a estrutura vai continuar a acompanhar este sector, sublinhando, contudo, que é necessária uma intervenção do Governo para que sejam garantidos os direitos laborais. «Estes trabalhadores não têm fundo de desemprego, não podem estar doentes, não podem dar apoio à família, não têm direito parentais, não têm nada», disse. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. Quem sofre, sublinha a organização sindical, são os milhares de estafetas que trabalham nas plataformas digitais, «a esmagadora maioria imigrantes que estão a ser vítimas de uma exploração desenfreada pelas multinacionais e por intermediários que engordam à sua custa». Casos de estafetas «obrigados a partilhar habitação com 10/12 trabalhadores e a serem alimentados com a solidariedade uns dos outros» foram recentemente referidos à Secretaria de Estado do Turismo (SET), sem qualquer resposta por parte da instituição. O sindicato, que acusa o Governo PS de se ter aproveitado da obtenção de uma maioria absoluta no Parlamento alterar a proposta de regulamentação do sector de forma a «fazer o frete às multinacionais», não se conforma com esta situação e exige a intervenção das autoridades civis e criminais. Os estafetas das plataformas multinacionais abrangidos pelo Sindicato de Hotelaria do Norte já estiveram em greve este ano, a 2 de Abril passado. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Trabalho|
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E as plataformas digitais, como a Uber, Glovo e Bolt, tem mais do que condições financeiras para assegurar todos estes contratos, salários e direitos, cumprindo a legislação laboral, tendo-o demonstrado ao duplicar, de um momento para o outro, as remunerações consagradas a cada estafeta.
Estes trabalhadores, que assumem funções permanentes numa empresa que não o reconhece, estão a exigir o pagamento mínimo de três euros por entrega, com um acréscimo de 50 cêntimos por cada quilómetro percorrido em distâncias de 2 a 4,9 quilómetros e um euro extra para viagens com mais de cinco quilómetros.
Ao Jornal de Notícias, a Associação Portuguesa das Aplicações Digitais garantiu respeitar o direito à manifestação mas recusou-se a explicar porque é que, de repente, aumentou em 100% as remunerações no horário da acção de luta.
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