|CIP

Patrões querem manter Estado a suportar salários

O presidente da CIP argumenta que a «solução» para manter pessoal está «saturada» e pede o regresso do lay-off. Diz que, «ao fim e ao cabo, o País também beneficia», e que as empresas «não são vacas leiteiras». 

António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal
CréditosMiguel A. Lopes / Agência Lusa

Depois de dois anos de pandemia, em que foram os grandes grupos económicos quem mais beneficiou das medidas públicas para alegadamente proteger o emprego, a CIP – Confederação Empresarial de Portugal volta à carga na defesa de medidas que mais não fazem do que transferir dinheiro público para cofres privados. 

Mais do que uma reivindicação, a questão do lay-off é apresentada numa espécie de ultimato. «A opção [do Governo] é entre colocar o trabalhador no desemprego ou mantê-lo activo na empresa, a melhorar as suas competências, e com verbas que apoiem essa necessidade», admitiu António Saraiva numa entrevista ao Jornal de Negócios, publicada esta quinta-feira. «Ao fim e ao cabo», argumentou, «o País também beneficia». 

Escamoteando o facto de os custos com pessoal representarem, em média, apenas 16% do total de encargos, Saraiva dramatizou ao dizer que a «possibilidade de as empresas suportarem os custos do volume da massa salarial que têm a cargo está a atingir limites, nalguns casos, insustentáveis».

O presidente da CIP, que conta entre os seus membros com o BPI, que obteve 201 milhões de lucro no primeiro semestre do ano, ou a Navigator, que registou um aumento de 151% dos seus lucros em igual período, insiste na retórica de que o aumento dos salários deve depender da «produtividade, inflação e crescimento», reforçando que é preciso «dar condições» às empresas. 

|

Até quando vão continuar a vender a ideia de que isto é tudo normal? 

São perto de dois mil milhões de euros os lucros arrecadados no primeiro semestre, apenas pelas energéticas e pelos principais bancos a operar em Portugal.

Resultados de um estudo de 2014 sustentam o retrato dos EUA como sistema «dominado pelas elites económicas, uma oligarquia»
Créditos / politicsofpoverty.oxfamamerica.org

Já foi praticamente tudo dito aqui em matéria de acumulação de riqueza, desigualdades e injustiças sociais, mas os números revelados ao longo da última semana, sendo a confirmação deste estado de coisas, voltaram a surpreender pela obscenidade.

Não vale a pena argumentar com «situações excepcionais», porque não é de excepções que o sistema capitalista se alimenta. A guerra na Ucrânia não seria uma «situação extraordinária», como ontem referia Marcelo, nem poderia servir para justificar a riqueza obtida com o sacrifício dos portugueses, se quem nos governa tivesse tomado medidas de forma a não desequilibrar ainda mais os pratos da balança.

Tão surpreendente quanto a riqueza criada numa altura em que, por mais que se estique, as contas de muitas famílias já não dão para pôr comida na mesa até ao final do mês, é a naturalidade com que se divulgam notícias sobre os resultados semestrais das empresas. Mas também a facilidade com que os beneficiários tentam pô-las em perspectiva. Os lucros «não são excessivos», argumentaram os presidentes da CGD (486 milhões de euros de lucro) e do BPI (201 milhões), onde as «reestruturações» alicerçadas em fechos de balcões e despedimentos têm impulsionado o aumento da riqueza.

O facto de nos tentarem fazer acreditar que a obtenção destes resultados não tem nada de extravagante, numa altura em que a subida dos preços come cada vez mais os salários de quem gera a riqueza, só pode ser uma manobra de distração, por um lado, e de escape, por outro. Enquanto mantiverem o povo aprisionado à ideia de que este é o estado natural das coisas e não há alternativa, que os trabalhadores são descartáveis ou podem ser colocados a trabalhar com vínculos precários, que os salários não podem subir muito mais se não lá se vai a estabilidade e a produtividade das empresas, e que estas só são realmente viáveis se derem milhões a ganhar aos seus accionistas, nada muda.

Por outro lado, a retórica de que os resultados não são exagerados só pode servir para não sedimentar ideias, algumas pífias, como a que teve Marcelo, de pedir às empresas com lucros «extraordinários» iniciativas de «maior responsabilidade social».  

A justiça social não se constrói com paliativos, caridade ou apelos à boa vontade das empresas, mas com a aplicação de políticas que defendam quem trabalha e trabalhou, e permitam distribuir melhor a riqueza criada no nosso país.

Espanha aprovou recentemente um imposto extraordinário sobre os lucros dos sectores bancário e energético. Por cá, o Governo foi instado a fazer o mesmo, mas Luís Montenegro logo veio em auxílio dos grandes grupos económicos, argumentando que «não há justificação para criar mais impostos», e que esse seria um «sinal incorrecto aos que investem no sector da energia em Portugal».

Além de desmentirem o novo líder do PSD, os lucros da Galp (420 milhões) e da EDP (306 milhões, mais 265 milhões da EDP Renováveis), permitem ter uma ideia do que podia mudar se ainda fosse o País a beneficiar deles. 

Tipo de Artigo: 
Editorial
Imagem Principal: 
Mostrar / Esconder Lead: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Imagem: 
Mostrar
Mostrar / Esconder Vídeo: 
Esconder
Mostrar / Esconder Estado do Artigo: 
Mostrar
Mostrar/ Esconder Autor: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Publicação: 
Esconder
Mostrar / Esconder Data de Actualização: 
Esconder
Estilo de Artigo: 
Normal

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui

«Se os indicadores permitirem, óptimo. Mas, se não, temos de perceber que o mundo hoje é muito perigoso e imprevisível», ameaçou Saraiva, iludindo sobre a indisfarçável concentração da riqueza no nosso país. 

Confrontado com a perda de poder de compra dos trabalhadores, o representante dos patrões respondeu com o aumento (especulativo) dos gastos de energia e dos combustíveis, admitindo que os trabalhadores «terão de ser minimamente compensados da perda do seu poder de compra, mas dentro de um quadro razoável».

«Se o Governo nos der melhorias desses mesmos custos, não teremos problemas nenhuns em, se os indicadores derem 10%, podermos conceder 12%, porque obtivemos margem para isso», disse. «Não pensem que as empresas são vacas leiteiras».

A CIP pretende celebrar o designado acordo de competitividade e rendimentos antes do Orçamento do Estado, pedindo como contrapartida, para começar, a eliminação gradual da derrama estadual a partir de 2023.

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui