É universalmente aceite que um bom professor é meio caminho para o sucesso na formação de cidadãos autónomos e reflexivos, defensores de valores como os da democracia, da liberdade e da solidariedade. A formação e a qualificação de um bom professor têm de ser sólidas. No exercício das suas funções deve ter tempo para investigar e para reflectir sobre as suas práticas, necessitando de um horário de trabalho que corresponda à especificidade do seu exercício profissional. Um bom professor tem de ser valorizado socialmente e a isso deve estar inegavelmente associada uma remuneração que se coadune com a sua função e estatuto social. Deve poder dedicar-se inteiramente a essa função sem quaisquer preocupações com a sua estabilidade profissional. E nós temos bons professores. Dos melhores entre os melhores.
É difícil estar em desacordo com estes pressupostos, apesar de um dos principais problemas das sociedades capitalistas e neoliberais ser, precisamente, o emprego – emprego de qualidade, reconhecido e promotor de desenvolvimento social, económico, político e cultural.
É, assim, normal – e era espectável – que cerca de 6000 docentes do ensino superior e investigadores tenham submetido requerimento para serem apreciados por uma Comissão de Avaliação Bipartida no âmbito do Programa de Regularização dos Vínculos na Administração Pública (PREVPAP). Fizeram-no porque são Administração Pública, dependem do Orçamento de Estado, exercem uma função pública e seguem o normativo constitucional de que a Educação é uma das funções sociais do Estado.
Segundo os dados publicados pelo MCTES (relativos a 2016) a situação na região centro (REBIDES, 2016) é a que aqui se apresenta:
Universidade ou Polítécnico | Contratos precários | % |
---|---|---|
Univ. da Beira Interior | 382 | 52,5 |
Univ. de Coimbra | 649 | 40,2 |
Univ. de Aveiro | 309 | 37,1 |
I. Politécnico de Leiria | 574 | 68,3 |
I. Politécnico de C. Branco | 228 | 54,2 |
I. Politécnico de Viseu | 217 | 51,4 |
I. Politécnico da Guarda | 87 | 43,5 |
I. Politécnico de Coimbra | 251 | 41,3 |
Quase 2700 professores tinham vínculos precários na região centro, em 2016. Este valor terá sofrido, no ano de 2017/18, uma pequena alteração, aumentando o número de contratos em tempo parcial e diminuindo o número de contratos a termo em tempo integral: quer pela passagem de muitos professores à situação de contrato em tempo parcial, por força do Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) ou devido a alterações contratuais sugeridas pelas direcções das instituições; quer pela sua entrada na carreira por via do regime transitório do ensino superior politécnico, o qual já teve duas alterações em dois anos.
“Trata-se de uma situação que, para além de ser absolutamente injusta, se afasta da lógica de que a um posto de trabalho permanente deverá corresponder um vínculo permanente. Por outro lado, viola as normas europeias, afasta-se do que é hoje praticado no sector privado e já em alguns sectores da administração pública” (Região Centro Informação (RCI) n.º 186, Dezembro de 2017).
Para esta situação contribui a pressão que o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) exerce sobre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Suoerior (MCTES) e a Assembleia da República. O CRUP não quer perder o poder que tem nesta matéria, com as reitorias, de forma absolutamente discricionária, a decidir sobre a vida de pessoas que, por acaso, mera coincidência, são docentes ou investigadores.
A título de exemplo refira-se o que se passa na Universidade de Coimbra (UC). Na UC, a sua Reitoria impôs regulamentos de contratação e de prestação de serviço docente que contrariam a lei (1). Esta decisão autoritária foi objecto de protestos alargados, subscritos por muitos docentes, mas avançou apesar dos insistentes alertas quer dos sindicatos, quer da Provedoria de Justiça, em resultado de uma queixa produzida pelo Sindicato dos Professores da Região Centro/FENPROF (SPRC).
O poder do CRUP atingiu, no entanto, níveis inadmissíveis em democracia ao exercer uma forte pressão sobre o Governo e MCTES para que a sua tese – de que o PREVPAP não se aplica aos professores e investigadores – vingue total ou quase totalmente. As primeiras vítimas foram os docentes e investigadores da Universidade de Aveiro, quase trezentos, que estão a ser afastados, por pressão da reitoria desta universidade, deste programa de regularização de vínculos. Só a pressão da FENPROF impediu que fossem, desde logo, eliminados de qualquer análise, ficando muitos para apreciação posterior.
Qual a razão para esta oposição das universidades ao PREVPAP?
Segundo foi possível apurar através de um levantamento (ainda em curso) realizado pelo SPRC , na maioria das instituições de ensino superior o docente convidado tem uma carga horária muito superior ao que se encontra estabelecido nos Estatutos de Carreira, quebrando um princípio fundamental – o da proporcionalidade.
Desta forma o preço hora baixa, já que os docentes com horários em regime de tempo parcial, de um modo geral, têm uma carga horária lectiva superior à de um professor em dedicação exclusiva ou em tempo integral.
Desta forma as instituições conseguem, com menos dinheiro, impôr cargas horárias que duplicam em relação ao que se encontra previsto na lei e o MCTES/Governo não tem de desembolsar o que seria justo e legal. Por outro lado, ao contratualizar com cada docente estes horários, as universidades e politecnicos podem argumentar que, sendo tempos parciais, não são necessidades permanentes.
Esta é uma pequena abordagem de um grande problema. E é por isso que combater e denunciar estas práticas são formas de impedir que práticas ilegais se transformem em regra, a bem da qualidade do ensino e da investigação nas instituições de ensino superior públicas, e da qualidade do emprego e de vida dos alvos destas ilegalidades – os docentes e os investigadores.
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